O país tem 100 mil mortos pela Covid-19, com três milhões de doentes – números que todos sabem que estão abaixo da realidade, porque nem todas as mortes nem todos os contágios são notificados.
A Covid-19 já matou três vezes mais que a Gripe Espanhola no Brasil há 102 anos (a pior epidemia da história, com 35 mil mortos, num tempo com poucos conhecimentos e recursos médicos) e o dobro dos mortos brasileiros (50 mil) na "Guerra do Paraguai”.
Em um país com desigualdades brutais, a tragédia atinge mais os povos indígenas, os pobres das cidades, em sua maioria negras e negros, os profissionais da saúde; ela cresce entre jovens e mata ainda mais os vulneráveis, como os maiores de 60 e os portadores de outras doenças.
Não são só números. São gente de carne e osso, milhares de famílias de luto e empobrecidas. Os números não podem ser “naturalizados”, mesmo num país que é cenário de um permanente massacre do povo negro – em particular de seus jovens. Mesmo num país que sempre exterminou deliberadamente os povos indígenas. A forma como Bolsonaro lida coma pandemia é criminosa. Um crime contra a parcela da humanidade, a brasileira, sob sua responsabilidade.
Quem fala em genocídio não é mais a oposição ou a esquerda. Foi o ministro Gilmar Mendes, do STF quem pronunciou a palavra genocídio na primeira quinzena de julho, referindo-se ao trato do governo sobre a pandemia, em discurso em que expressou sua preocupação com a imagem das Forças Armadas. A menção de genocídio por uma autoridade apavorou civis e militares do governo.
Afinal, á existem cinco ações contra Bolsonaro no Tribunal Penal Internacional por genocídio, a última delas aberta no dia 26 de julho por um grupo de entidades liderado pela Rede Sindical Brasileira UNISaúde. Num documento de 64 páginas, o grupo acusa o governo de “ações negligentes e irresponsáveis", ao defender o uso da cloroquina, que não tem eficácia contra a doença; ao promover sucessivas aglomerações, nas quais costuma comparecer sem máscara; e por ser responsável pela ausência há mais de dois meses de um ministro titular da Saúde.
Entrevistada por Eliane Brum no El País Brasil, a jurista Deisy Ventura, especialista em direito internacional, afirma que há todos os elementos necessários tipificar a resposta do governo brasileiro à Covid-19 como crime contra a humanidade: intenção, plano e ataque sistemático. Tudo isso pode ser comprovado, de quando Bolsonaro chamou a Covid-19 de "gripezinha" ao quando disse “e daí?” para os mortos, do ataque a governadores que apoiavam o isolamento social ao chamado à invasão de hospitais que atendiam os doentes.
Extermínio indígena
Já são mais de 22 mil indígenas contaminados, 633 mortos e 148 povos infectados. Nessa nova onda de extermínio, são ceifadas vidas e saberes ancestrais de dezenas de povos são perdidos. Nesse caso, há um objetivo que o governo não esconde: reverter as decisões, baseadas na Constituição, que garantem aos povos originários o território necessário para seu modo de vida. Isso impede o acesso de fazendeiros e empresas de mineração a 10% do território nacional, regiões cobiçadas pelo agronegócio e pelas mineradoras.
O governo incentiva intencionalmente as invasões de terras indígenas, ameaçando inclusive aqueles que vivem em isolamento voluntário. São mais de 20 mil garimpeiros ocupando ilegalmente áreas indígenas e estes são o principal vetor de transmissão do coronavírus nas aldeias.
São os mesmos eleitores de Bolsonaro que, em há um ano, promoveram o dia do fogo nas florestas da Amazônia. Como disse o ministro do meio-ambiente, Ricardo Salles, na famosa reunião ministerial de 22 de abril, o período da pandemia é ideal para passar reformas “infralegais”, de “simplificação” e “desregulamentação” de leis ambientais, ou seja, para "passar a boiada". Bolsonaro, que já vinha desmontando a Secretaria de Saúde Indígena, não apenas se recusou a apresentar um plano de enfrentamento à Covid-19 entre eles, como vetou o fornecimento de água potável.
O genocídio ganha mais sentido quando observamos a situação do Ministério da Saúde. Bolsonaro nunca escondeu que seu objetivo era que o Brasil chegasse rapidamente à "imunidade de rebanho" (isso é, que a grande maioria da população já tivesse tido a doença, mesmo com ela matando muita gente!). Só assim a economia poderia funcionar como antes. Demitiu do ministério dois médicos, Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, que defendiam o combate da pandemia segundo as recomendações da ciência, para substituir o último, desde 15 de maio, por um general de controle de almoxarifado.
Atacar os interesses que sustentam Bolsonaro
Se hoje Bolsonaro é visto como criminoso pelo mundo afora, é importante que seu governo seja tratado como tal. As ações judiciais, em particular as internacionais, são fundamentais para pressionar o governo e, pelo menos, reduzir os danos. Mas é importante que estejam articuladas com a pressão econômica sobre os empresários que apoiam o governo brasileiro. A luta contra o regime do apartheid na África do Sul conduzida por Nelson Mandela e o movimento de "boicote, desinvestimento e sanções" contra o governo de Israel, defendido pelos palestinos, mostram que o ponto fraco de qualquer regime opressor são seus interesses econômicos.
As iniciativas jurídicas devem bater o mais duro possível nos negócios que devastam a Amazônia, cuja defesa chama a atenção do planeta: produtores e exportadores de soja, carne, madeira e minérios. Somente com amplas campanhas educativas de boicote, desinvestimento e sanções, poderemos mexer no bolso dos depredadores e enfraquecer os bolsonaristas do mundo dos negócios. É importante denunciar também o acordo comercial União Européia - Mercosul, que favorece todas estas atividades destrutivas.
A atuação parlamentar em defesa do povo trabalhador, da população negra, dos indígenas e do meio ambiente deve ter esses objetivos, construindo as propostas de atuação e as alianças para isso.
Bolsonaro enquadrado?
Cem mil mortos pela pandemia não é uma coisa da natureza, normal. É o resultado de uma política intencional do governo e de parcela do empresariado – uma "necropolítica". Também não é normal que um político criminoso como Bolsonaro permaneça no governo até 2022, quando se espera que ele seja derrotado nas eleições.
Essa é a posição da maior parte políticos tradicionais e empresários, que parecem muito felizes por ter conseguido “enquadrar” Bolsonaro e seus filhos depois da prisão de Queiroz. A ideia é que Bolsonaro continue a aplicar a política neoliberal que os favorece. Rodrigo Maia (do DEM-RJ), presidente da Câmara e líder do Centrão, disse com todas as letras que é contra o impeachment do presidente, embora tenha apoiado sem arrependimento o impeachment-golpe contra Dima Roussef.
É fácil entender de que lado estão os industriais, comerciantes, fazendeiros e bancos, assim como seus políticos – os partidos do Centrão, o PSL, MDB, PSDB de Doria e Eduardo Leite, assim como a “turma do Judiciário”. Tudo pelos negócios, a vida que se dane. Todos têm sangue nas mãos e cadáveres na ficha corrida.
A oposição tem que agir e não se acomodar
A grande maioria da oposição de esquerda e centro-esquerda - PSB, Rede, PDT (e Ciro), PCdoB e PT (e Lula) - têm denunciado mais ou menos na mesma frequência as mazelas do bolsonarismo. Todos os partidos da oposição protocolaram pedidos de impeachment, fizeram inúmeras denúncias no Congresso. Mas não foi possível constituir uma frente dessa oposição com capacidade de articular iniciativas coordenadas nas redes sociais, no Congresso, nas ruas, com a contundência necessária para o momento em que estamos.
O bloco do PSB, Rede e PDT não faz a menor questão da unidade em torno "Fora Bolsonaro", preferindo se diferenciar a qualquer custo, do PT em particular. O PT e o PcdoB, que fizeram o gesto de buscar a unidade num único pedido de impeachment com sete partidos da oposição, dão sinais pouco nítidos sobre se a sua posição é a de investir com centralidade no Fora Bolsonaro ou é de se acomodar à relativa calmaria da conjuntura deixando o acerto de contas para 2022.
É certo que a pandemia dificulta bastante as mobilizações nas ruas – embora elas sejam possíveis com disposição e criatividade. É evidente também que as eleições municipais serão um momento importante da disputa de corações e mentes. Porém, a maioria da oposição, tanto Lula e o PT como o grupo ao redor de Ciro, jogam nas eleições, como se houvesse garantia de vitória em 2022. Não há! O neofascismo governa com Bolsonaro e pretende continuar no poder. O perigo, nessa aposta de jogar tudo para as eleições, é a naturalização deste horror que atinge e penaliza a maioria do povo. É um erro pensar em 2002 como único horizonte possível apostando que as barbaridades deste governo e a crise econômica levarão a uma inevitável vitória de algum dos setores da oposição.
Portanto, continuamos defendendo um amplo movimento unificado de partidos, movimentos sociais, entidades democráticas e progressistas capaz de polarizar o país com esperança e capacidade de pressionar para o fim imediato deste governo.
Nesta encruzilhada, é preciso, mais do que nunca, derrotar Bolsonaro na luta. E para isso é preciso disputar, nos movimentos e nas eleições, com propostas que dialoguem e respondam às necessidades mais essenciais do povo trabalhador:
· Renda: Por uma renda básica cidadã; permanência dos R$ 600 mensais. Aumento dos impostos para os ricos. Taxação das grandes fortunas. Abaixo o teto de gastos. Não à reforma tributária de Guedes.
· Saúde: Fortalecimento do SUS. Aumento dos gastos com a saúde pública no orçamento nacional. Fora o ministro Pazuello. Congelamento dos preços dos planos e obrigatoriedade de realização de testes, internação sem carência e UTI sem limitações na pandemia.
· Educação: Não à volta às aulas na pandemia. Inclusão digital e banda larga imediatamente para todos os estudante e professores do país.
· Meio ambiente: Parar as queimadas no Pantanal e na Amazônia. Fora o ministro Salles. Recuperação do Ibama, ICMBio e Funai. Investigação e punição das empresas incendiárias e destruidoras. Não à privatização da água e do esgoto. Não à institucionalização e regularização da grilagem e o PL2633!
· Atuação global contra Bolsonaro: Boicote às exportações de carne, soja, madeira e minerais da Amazônia para outros países, que destroem as florestas e as vidas de seus povos. Desinvestimento em todas as empresas envolvidas em atividades destruidoras que afetam toda a humanidade.
Executiva Nacional da Insurgência