Há 42 anos, em 7 de julho de 1978, era lançado o Movimento Negro Unificado, nosso MNU. Em plena ditadura civil-militar, a situação da população negra brasileira era ainda mais sensível: imensas violações de direitos sociais e políticos eram a expressão de uma falsa abolição, acontecida 90 anos antes. O Estado brasileiro seguia impondo um regime de discriminação racial, perseguição e genocídio da população negra – persistente até hoje – em aliança com a branquitude e seus privilégios.
Diante do assassinato de Robson Silveira da Luz e de Nilton Lourenço, dois trabalhadores negros, e em reação à discriminação racial do Clube Regatas do Tietê a quatro jovens esportistas, formou-se uma aliança inédita no movimento negro. “Se deixo um negro entrar na piscina, cem brancos saem imediatamente”, disse o presidente do Regatas. A reação da militância antirracista foi contundente.
Em resposta, coletivos, entidades e figuras do movimento negro unificaram-se em torno de um novo instrumento de lutas: nascia o MNU! Com a soma de organizações do meio cultural, religioso e político, o MNU levantava-se contra o regime militar, toda forma de totalitarismo e contra o racismo. Apontavam que enquanto houvesse racismo, não haveria democracia. Que era preciso superar de uma vez por todas o mito da democracia racial brasileira.
Naquele 7 de julho de 1978, milhares de trabalhadoras negras e negros marcharam pelas ruas de São Paulo em direção ao Teatro Municipal. “Mais de mil pessoas estavam presentes por volta das 19h. Nas ruas, corriam de mão em mão cartas abertas à população, chamando todos os negros a se organizarem numa luta comum, nos bairros, nas vilas, nas prisões, nos terreiros de candomblé e de umbanda, nos locais de trabalho, escolas de samba, igrejas, em todo lugar onde houvesse negros, para dali atacarem todo tipo de discriminação, unindo-se a um movimento unificado, tornando-o forte, ativo e combatente. Dos setores democráticos, a carta dizia esperar o apoio, criando assim condições necessárias para criar uma verdadeira democracia racial”, conta Miltão Barbosa, o primeiro presidente do MNU.
Abdias do Nascimento e Lelia Gonzalez, importantes referências do movimento negro, somaram-se ao ato, que, ainda que acontecesse em São Paulo, tinha apoio em Belém, Belo Horizonte, Aracajú, Maceió, Recife, Salvador, Rio de Janeiro. Além disso, prisioneiros no Carandiru aderiram ao MNU através de uma carta. “Todos aqui almejam ter um representante no mundo exterior. Aos afro-brasileiros (70% dos 6.354 homens), é praticamente negada a ajuda estadual em relação às necessidades judiciais”, declaravam em coletivo. Ali estava representada uma denúncia pública do MNU, desde sua fundação, às torturas e outras violações geradas pelo encarceramento em massa no Brasil.
Importante mencionar as alianças do MNU com outros movimentos sociais, que a esquerda branca insiste em entender como “identitários” mas que revelam, na verdade, a pluralidade da classe trabalhadora. Lelia Gonzalez e Vera Mara tiveram contribuição imensa para o enegrecimento do feminismo. O MNU levantou bandeiras contra a discriminação de LGBTIs, ombreando com o Grupo SOMOS de Afirmação Homossexual e os camaradas do Jornal Lampião, contra a Operação Tarântula. Uma lição história de intersecção das lutas, presente até hoje, contra a misoginia, o patriarcado e a LGBTIfobia.
Ao longo dos 42 anos, o MNU contribuiu de forma fundamental para a construção de políticas públicas de enfrentamento ao racismo e à violência racial. Formulava, desde seu primeiro plano de ação – por exemplo, a necessidade do ensino da história da África, que depois lastreou a promulgação da Lei 10.639/2003, de ensino da cultura negra nas escolas.
Mas o MNU não atuou apenas no enfrentamento ao racismo no Brasil. Também construiu campanhas de solidariedade internacional ao povo negro pelo mundo, com destaque para as lutas anti-Apartheid na África do Sul e contra a opressão que se abatia ao povo do Zimbábue e na Palestina. Lutou contra a pena de morte e a prisão de dirigentes dos Panteras Negras estadunidenses. Expressão de um internacionalismo à quente, com compromisso com a liberdade do povo trabalhador onde quer que estivesse sendo violentado.
O Movimento também atuou junto a comunidades remanescentes de quilombos, em diversos estados do Brasil. Trouxe contribuições importantes à formulação sobre direitos aos povos tradicionais e aos territórios urbanos e rurais. Disputou o movimento sanitário para enegrecer a saúde pública brasileira, através do memorável trabalho de Margarida Barbosa. Fortaleceu os movimentos sociais diante da cooptação de muitos setores a um projeto conciliatório que vigeu no país. Esteve sempre na vanguarda da luta da população negra, pobre e trabalhadora do Brasil.
O MNU está vivo! Segue em luta e insurgência contra a discriminação racial. Nossos griots transmitem a uma nova geração de negras e negros em luta que nossos passos não são de agora: vieram de longe, ecoam por gerações. Com a firmeza de quem já viveu processos brutais de violência – inclusive no seio da esquerda – seguem ensinando que as conquistas da população negra do movimento negro são as conquistas da classe trabalhadora. Que é fundamental manter-se em pé!
Fundado em 18 de junho e lançado há 42 anos, na noite de 7 de julho de 1978, o Movimento Negro Unificado segue firme e dinâmico, como referência histórica e de organização da classe trabalhadora. A militância da Insurgência tem profundo orgulho de construir essa história. Seguiremos organizadas, até que todas e todos sejamos livres.
Viva os 42 anos de lançamento do MNU!
Viva o Movimento Negro Unificado!