Milton Barbosa, cofundador e Coordenador Nacional de Honra do Movimento Negro Unificado
Em 18 de junho de 1978 representantes de várias grupos se reuniram, em resposta à discriminação racial sofrida por quatro garotos do time infantil de voleibol do Clube de Regatas Tietê e a prisão, tortura e morte de Robison Silveira da Luz, trabalhador, pai de família, acusado de roubar frutas numa feira, sendo torturado no 44 Distrito Policial de Guaianases, vindo a falecer em consequência às torturas.
Representantes de atletas e artistas negros, entidades do movimento negro: Centro de Cultura e Arte Negra – CECAN, Grupo Afro-Latino América, Associação Cultural Brasil Jovem, Instituto Brasileiro de Estudos Africanistas – IBEA e Câmara de Comércio Afro-Brasileiro, representada pelo filho do Deputado Adalberto Camargo, decidiram pela criação de um Movimento Unificado Contra a Discriminação Racial.
O lançamento público aconteceu numa manifestação no dia 7 de julho, do mesmo ano, nas escadarias do Teatro Municipal da Cidade de São Paulo, reunindo duas mil pessoas, segundo o jornal "Folha de São Paulo", em plena Ditadura Militar.
Com a criação do Movimento e seu lançamento público, mudamos a forma de enfrentar o racismo e a discriminação racial no país. Já no dia 7 de julho, participaram entidades do estado do Rio de Janeiro: Instituto de Pesquisa das Culturas Negras – IPCN, Centro de Estudos Brasil África – CEBA, Escola de Samba Quilombos, Renascença Clube, Núcleo Negro Socialista, Olorum Baba Min, Sociedade de Intercâmbio Brasil África – SINBA.
Cinco entidades da Bahia nos enviaram moções de apoio à manifestação.
Prisioneiros da Casa de Detenção do Carandinru, enviaram um documento se integrando ao movimento, denunciando as condições desumanas em que viviam os presos e o racismo do sistema judiciário e do sistema prisional – Centro de Luta Netos de Zumbi.
Participaram do Ato, também, Lélia Gonzales e o professor Abdias do Nascimento.
Para enfrentar o racismo, a discriminação racial, este movimento que se transformou no Movimento Negro Unificado, mudou a forma da população negra lutar, saindo das salas de debates e conferência, atividades lúdicas e esportivas, para ações de confronto aos atos de racismo e discriminação racial, elaborando panfletos e jornais, realizando atos públicos e criando núcleos organizados em associações recreativas, de moradores, categorias de trabalhadores, nas universidades públicas e privadas.
O movimento tirou proveito das divergências conjunturais, mesmo dos setores da burguesia, como por exemplo, jornais burgueses como "A Folha de São Paulo" e "O Estado de São Paulo". Articulamos, também, com mídia internacional, favoráveis ao fim da Ditadura Militar e outros setores.
Definimos como princípio a aliança com os setores de esquerda no país que lutavam pelo socialismo e comunismo, pois foi o capitalismo que nos colocou nesta condição, nos sequestrando em África, nos vendendo para acumular mais valia, nos escravizando para construir riqueza para os colonizadores, nos explorando , após a escravidão, como trabalhadores menos qualificados e de menor remuneração.
O negro é um pioneiro em civilização, sendo nos países onde viveu ou vive um criador de cidades, núcleos comerciais, artísticos, sendo que no Brasil realizava desde os trabalhos da lavoura, até os mais sofisticados, como cuidar da mecânica do engenho de açúcar e da saúde do senhor de escravo pelo seu conhecimento milenar de ervas medicinais.
Foram os negros escolhidos para serem escravizados, pela diferença física ao europeu e por seus profundos conhecimentos de agricultura e metalurgia (ferro – cobre – prata – ouro – diamantes). Em termos culturais os negros foram pioneiros. No período anterior à abolição da escravatura no Brasil, os negros eram as principais figuras na arte nobre (pintura – escultura – literatura – música – teatro).
Na luta política o negro tem sido pioneiro, na figura do Movimento Negro Unificado. No início da década de oitenta transformamos a ação do Movimento Feminista, introduzindo com Lélia Gonzales, Vera Mara e outras, a questão da mulher negra, que sempre foi trabalhadora neste país.
Também no início da década de oitenta, o MNU-SP em aliança com o Jornal Lampião e o Grupo Somos, realizamos ato público e passeata conjunta contra as ações do Delegado Wilson Richetti, que prendia negros, homossexuais e prostitutas de forma humilhante e desrespeitosa na região chamada Boca do Lixo de São Paulo – Zona de Meretrício, e denunciamos o racismo, o machismo, desenvolvendo ações que sem dúvida são a base da política de diversidade hoje debatida em todo o país.
Através dos congressos da SBPC – Sociedade Brasileira Para o Progresso da Ciência, o MNU denunciou o racismo na Educação, nos meios de comunicação e, no Congresso da Anistia, introduzimos a discussão de que os presos comuns também são presos políticos, pois são empurrados para o crime pelas circunstâncias sociais, políticas e econômicas e, denunciamos a tortura nas prisões sobre os chamados presos comuns, base para a criação de uma política de direitos humanos contra a tortura no Brasil.
No início de oitenta o MNU- SP garantiu também, pela primeira vez a fala oficial no Brasil da Organização Para Libertação da Palestina – OLP, através de seu representante Farid Sawan, que atualmente representa os Palestinos no Conselho da SEPPIR – Secretaria Especial de Política da Promoção da Igualdade Racial.
Na década de oitenta, foi o MNU a organização que realizou as maiores e mais importantes manifestações contra o Apartheid na África do Sul, embora não recebêssemos apoio político ou financeiro da Organização das Nações Unidas (ONU). Criamos comitês nas principais estados do país e realizamos manifestações com milhares de pessoas, contribuindo significativamente para a luta dos nossos irmãos da África do Sul e do Zimbabwe.
Em 1986 realizamos a Conferência Nacional do Negro em Brasília – DF, de onde saiu a proposta de criminalização do racismo e a resolução 68 das Disposições Transitórias Constitucionais, sobre a titulação das terras dos remanescentes de quilombos.
No ano de 1988, no VIII Encontro de Negros do Norte - Nordeste, organizado pelo MNU da região, foram definidas questões que balizaram a atual Lei 10.639, que dispõe sobre o ensino da História da África e do negro no Brasil, a orientação educacional que permeou a criação, com certeza do Centro de Educação Unificada – CEU, escola integral, com cultura, arte, lazer (cinema – teatro – sala de música - quadras esportivas), bibliotecas, material escolar gratuito, alimentação e assistência médica, no governo Marta Suplicy na Cidade de São Paulo.
O Estado, os partidos políticos, movimentos sindical e popular, tentam separar as conquistas da população negra do movimento negro, carro chefe da nossa luta. O estado e os partidos políticos buscam dominar e manipular nossa população. Os movimentos por equívocos e por terem o racismo introjetado em suas mentes, ações e concepções.
Na revista "O Negro", em 1992, Margarida Barbosa – enfermeira do Hospital das Clínicas da Unicamp – Universidade de Campinas, militante do MNU, atualmente diretora do Sindicato dos Trabalhadores da Unicamp - escrevia sobre a Anemia Falciforme, doença que proporcionalmente atinge mais aos negros, orientando a sociedade e cobrando a quem de direito a exigência de políticas públicas referentes a este tipo de doença , pois além desta anemia, há diabetes, hipertensão e outras doenças que proporcionalmente vitimam mais aos negros.
O MNU, fortalecendo a proposta do início da década de setenta, do Grupo Palmares de Porto Alegre, decidiu na Assembleia Nacional do MNU, em Salvador – BA, no dia 4 de novembro de l978, transformar o 20 de Novembro, no DIA NACIONAL DA CONSCIÊNCIA NEGRA, data da morte de Zumbi , um dos principais comandantes do Quilombo dos Palmares, um exemplo de luta e dignidade para os negros e todos os brasileiros.
No ano de l988, realizamos importantes manifestações no mês de maio contra a Farsa da Abolição, na cidade do Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador e outras. Em 20 de novembro de 1995, realizamos a Marcha do Tricentenário da Imortalidade de Zumbi, a Marcha Zumbi dos Palmares, Contra o Racismo, Pela Igualdade e a Vida, em Brasília – DF, com a participação de mais de 30.000 pessoas.
Em São Paulo, no início de novembro de 95, realizamos uma grande manifestação com mais de oitocentas pessoas, no Consulado Americano contra a Pena de Morte e Pela Libertação de Múmia Abu Jamal, antigo dirigente do Partido dos Panteras Negras, preso e condenado à morte injustamente numa farsa reconhecida internacionalmente. Múmia Abu Jamal, como Nelson Mandela é um exemplo para a humanidade, na luta contra o racismo, pela liberdade e a vida, um campeão de direitos humanos. O MNU tem colaborado com campanhas internacionais pela defesa de sua vida e pela sua libertação.
Os remanescentes de quilombos com a participação do MNU, realizaram o I Encontro Nacional dos Remanescentes de Quilombos, em novembro de 95, fortalecendo a relação do movimento negro urbano com a área rural, dando uma nova qualidade ao movimento negro do Brasil.
Esta intervenção do MNU junto aos remanescentes de quilombos, teve início em 1980 através do MNU-SP no Cafundó, região de Sorocaba, tendo também o MNU atuado a partir de meados de oitenta junto aos Calungas, em Goiás e, o MNU-BA no início da década de noventa na região do Rio das Rãs.
O MNU atua junto a quilombos em Pernambuco, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná e Maranhão.
A partir do final dos anos setenta desenvolvemos o conceito Raça e Classe, desenvolvendo uma teoria política para garantir as ações práticas.