O aquecimento global é a maior ameaça existencial ao progresso da civilização. Os estudos científicos registram o aumento da temperatura da Terra e mostram que o aquecimento global está em aceleração. Até o empresário Bill Gates publicou um livro, agora em 2021, Clima, como evitar um desastre. Soluções de hoje. Desafios de amanhã, tratando do quentíssimo assunto.
José Eustáquio Diniz Alves, EcoDebate, 31 de março de 2021
As temperaturas tem subido para valer. E o ritmo de aumento anual está ocorrendo de forma inédita e ultrapassando, de maneira preocupante, as previsões mais pessimistas. Desde a década de 1970, a temperatura do Planeta sobe de forma contínua e crescente, sendo que a atual década (2010-20) é não só a mais quente, como também é aquela que apresenta a maior variação decenal.
O gráfico abaixo da NOAA (Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos EUA) mostra que até cerca de 1940 as temperaturas anuais (em azul) estavam abaixo da média do século XX e depois de 1970 as temperaturas anuais (em vermelho) ficaram consistentemente maiores do que a média do século XX.
Em meados do século passado, as variações decenais oscilaram, sendo que na década de 1930 houve uma variação positiva de 0,22º C, que foi seguida de uma variação negativa de -0,36º C, na década de 1940. Na década de 1950 houve uma variação positiva de 0,12º C que também foi seguida por uma variação negativa de -0,04º C na década de 1960.
Mas a partir dos anos 70, o aquecimento global iniciou uma subida espetacular. Na década de 1970 a variação decenal da temperatura foi de 0,23º C. Nas três décadas seguintes a variação decenal ficou em torno de 0,15º C. Mas na década passada (2011-20) o aumento decenal saltou para 0,44º C, um ritmo nunca visto nem na série de 1880-2020 e nem no Holoceno (últimos 12 mil anos).
O ano mais quente do século XX foi 1998 com uma anomalia de 0,65º C em relação à média do século XX. Este nível foi aproximadamente igualado em 2005 e superado apenas em 2010. Os anos de 2011 e 2012 apresentaram temperaturas inferiores do que as de 1998 e isto gerou muito questionamento sobre o aquecimento global, inclusive com muitos cientistas falando em “hiato climático”. Porém, a partir de 2014 os aumentos anuais da temperatura extrapolaram todas as tendências anteriores. Os 7 anos entre 2014 e 2020 foram os mais quentes da série histórica. E a década 2011-20 foi a mais quente do Holoceno.
No ano de 1900 a temperatura ficou -0,08º C abaixo da média do século XX. Em 1970 ficou 0,06º C acima da média do século XX. No ano 2000 a temperatura ficou 0,42º C acima da média do século. No ano 2010 ficou 0,72º C acima da média do século. No ano 2020, o salto foi grande, e a temperatura ficou 0,98º C acima da média do século XX.
Se o aquecimento global continuar no ritmo atual, a civilização estará no rumo de uma catástrofe. E o mais grave é que a autodestruição humana pode levar junto milhões de espécies que nada tem a ver com os erros egoísticos dos seres que se julgam superiores e os mais inteligentes do Planeta. A humanidade pode estar rumando para o suicídio, podendo também gerar um ecocídio e um holocausto biológico de proporções épicas.
O aquecimento global derrete o gelo dos polos, da Groenlândia e dos glaciares elevando o nível do mar e deixando bilhões de pessoas afetadas pela invasão da água salgada e escassez da água potável. A acidificação e a morte dos oceanos vai ter um impacto devastador para a humanidade. O aquecimento e a acidificação também vai afetar a agricultura e o preço dos alimentos deve subir, aumentando a insegurança alimentar e acendendo uma centelha capaz de incendiar grandes mobilizações de massa.
As 4 estações do ano serão profundamente afetadas. Artigo de Jiamin Wang e colegas “Changing Lengths of the Four Seasons by Global Warming”, publicado na revista Geophysical Research Letters (19/02/2021) mostra que há evidências crescentes sugerem que a duração de uma única estação ou em escalas regionais mudou sob o aquecimento global, mas uma resposta em escala hemisférica das quatro estações no passado e no futuro permanece desconhecida. Os autores descobriram que o verão nas latitudes médias do hemisfério norte se alongou, enquanto o inverno encurtou, devido a mudanças em seus inícios e recuos, acompanhados por uma primavera e outono mais curtos.
Essas mudanças em comprimentos e incursões podem ser atribuídas principalmente ao aquecimento global devido ao efeito estufa. Mesmo que a taxa de aquecimento atual não acelere, as mudanças nas estações ainda serão exacerbadas no futuro. No cenário business-as-usual, o verão está projetado para durar quase meio ano, mas o inverno menos de dois meses até 2100. A mudança do relógio sazonal significa estações agrícolas perturbadas e ritmo das atividades das espécies, ondas de calor mais frequentes, tempestades e incêndios florestais, representando riscos crescentes para a humanidade.
Para mitigar o aquecimento global, libertar-se dos combustíveis fósseis é essencial. Porém, está cada vez mais evidente que não basta mudar a matriz energética, descarbonizar a economia e promover uma maquiagem verde no processo de produção e consumo. É preciso, urgentemente, colocar na ordem do dia o debate sobre os meios de se promover o decrescimento das atividades antrópicas. A meta de redução da pobreza deve ser alcançada pelo decrescimento das desigualdades sociais e não pelo crescimento demoeconômico desenfreado.
Até a elite econômica de Davos, na Suíça, reconhece a gravidade da situação ecológica. O relatório do Fórum Econômico Mundial, de janeiro de 2020, afirma que a crise climática é o maior risco global, pois se nos anos anteriores os problemas econômicos eram considerados as maiores ameaças, agora os temores de colapso climático ficaram no centro do palco. As percepções de risco se desviaram para condições climáticas extremas, desastres ambientais, perda de biodiversidade, catástrofes naturais e falha na mitigação das mudanças do clima. Uma das estrelas do evento foi Greta Thunberg que reforçou a demanda pelo fim do uso dos combustíveis fósseis.
Assim, é preciso evitar a procrastinação e a inação. A 6ª extinção em massa das espécies e o agravamento do aquecimento global são apenas o prelúdio de um colapso ecossocial que se vislumbra no horizonte. O aquecimento global é a maior ameaça existencial à humanidade. Assim como existe uma emergência de saúde pública (por conta do coronavírus), existe também uma emergência climática por conta do aumento da temperatura global. O mundo precisa aprender com o trauma da covid-19 e acordar para a urgência de se resolver os problemas ambientais do século XXI. Senão, como mostrou o jornalista David Wallace-Wells, teremos uma “Terra inabitável”. Se nada for feito, a maior parte da população mundial vai pagar um alto preço.