Cinco séculos após o início da expansão europeia, e da escravização de seus povos, continente está no fulcro do comércio mundial de mercadorias. Como o fato se deu. Por que não serve aos africanos.
Atividade vital para a economia mundial, mas discreta aos olhos de quem não pesquisa ou trabalha com o tema, a circulação internacional de mercadorias teve sua fragilidade exposta diante do encalhe de um enorme navio porta-contêineres no Canal de Suez, (Egito), em 23 de março. Apesar da localização explícita do fato em território egípcio, poucos se lembraram, em suas análises, do continente atingido.
Falou-se de Taiwan (origem da empresa operadora do navio), do Japão (origem da proprietária da embarcação) e de Rotterdam, na Holanda (porto ao qual o navio se dirigia). Mas as referências à África relegaram-na em geral a mera passagem – ou ainda pior, um obstáculo – entre a Ásia e a Europa. A realidade mostra o contrário. Por situar-se no entrecruzamento dos oceanos Atlântico e Índico, e também dos mares Vermelho e Mediterrâneo, o continente africano sempre foi central às dinâmicas mundiais de circulação, muito além dos romantizados périplos europeus de circum-navegação do continente.
Do ponto de vista histórico, é comum atribuir-se à África um lugar sempre marginal nas dinâmicas econômicas mundiais, quando muito considerando-a fragilmente integrada ao sistema capitalista internacional. Mas será isso mesmo? Seria apenas um detalhe acessório o papel da África no tráfico transatlântico de escravizados, assim como nas dinâmicas de circulação geradas a partir dele? E quando, abolido o tráfico, as potências europeias encheram o continente africano de ferrovias e portos para saquear seus recursos econômicos, tratava-se de algo secundário no sistema colonial? Seguramente não, e os franceses sabiam disso quando resolveram abrir, no Egito, uma passagem entre os mares Mediterrâneo e Vermelho na segunda metade do século XIX.
Mas engana-se quem pensa ser o Canal de Suez o único ponto do continente africano vital para a circulação mundial. Em relação à circulação marítima, é impossível pensar o transporte internacional de mercadorias sem falar, por exemplo, da sul-africana Cidade do Cabo (no limite entre o Atlântico e o Índico), da marroquina Tânger (porta de entrada do Mar Mediterrâneo) e do Djibouti (que abriga bases militares das maiores potências mundiais no estreito de Bab el-Mandeb). Já no caso da circulação aérea, é reconhecida a importância estratégica do chamado “estrangulamento” entre Dakar (Senegal) e Natal (Brasil), trecho mais estreito do Atlântico Sul, assim como do arquipélago de Cabo Verde, base histórica de voos militares e comerciais transatlânticos. Atualmente, cidades como Addis Abeba (Etiópia) e Joanesburgo (África do Sul) apresentam-se como hubs fundamentais na interligação aérea entre as Américas, a Ásia, a Oceania e a Europa, assim como também garantem a integração interna do próprio continente africano.
Uma vez mais, porém, estamos pensando em uma África de passagem – posição, aliás, natural a um continente localizado “no meio” da massa continental mundial –, mas o continente africano também é produtor de circulações, enviando e recebendo mercadorias de e para todos os cantos do globo. Será possível pensar o mundo hoje, por exemplo, sem o cobalto congolês, fundamental para qualquer circuito de produção de smartphones? Será possível pensar a indústria mundial sem a exportação dos minérios sul-africanos, ou então o agronegócio, inclusive o brasileiro, sem os fosfatos (fertilizantes) marroquinos?
Entre essas dinâmicas, o petróleo merece atenção especial, e sem minimizar a importância de países saarianos como Argélia, Líbia e Egito (entre outros), os olhos do mundo se voltam cada vez mais à região do Golfo da Guiné. O grande arco que vai da Costa do Marfim a Angola tem sido cada vez mais cobiçado por suas reservas de petróleo offshore de boa qualidade, grande quantidade e, não menos importante, de fácil acesso. A proximidade dessas áreas produtoras em relação aos Estados Unidos, por exemplo, sem nenhum chamado “gargalo” logístico em toda a rota de escoamento, levou o governo estadunidense a criar um comando militar para a África (AFRICOM) em 2008, pretensamente argumentando (como sempre) preocupação com o narcotráfico e a pirataria. Mais do que isso, porém, os EUA preocupam-se com a presença crescente da China na região, hoje a maior compradora do petróleo angolano e fortemente interessada na circulação africana como um todo.
Tal interesse chinês data ao menos dos anos 1970, quando da construção de uma ferrovia ligando a Zâmbia ao litoral da Tanzânia, na costa leste da África. A parte oriental do continente, aliás, é vista com muito cuidado pelo governo chinês, que atualmente financia obras ferroviárias e portuárias em países como Etiópia, Djibouti, Quênia, Sudão do Sul, Uganda e Ruanda, sem contar outras de circulação rodoviária em Moçambique, na costa do Índico. Para não ficar apenas no leste africano, e expandindo um pouco a ideia de circulação, vale mencionar a participação chinesa na construção de um cabo submarino de fibra ótica entre Fortaleza (Brasil) a Kribi (Camarões), incrementando a circulação de dados binários no Atlântico Sul e interligando-a a uma empreitada chinesa mais ampla, de implementação de fibra ótica por boa parte do hinterland africano.
Fechando este circuito – que tem a África como centro –, além de outros cabos de fibra ótica sul-atlânticos, existiam, antes da decretação oficial de pandemia pela OMS em 2020, seis voos comerciais entre cidades brasileiras e africanas, além de duas rotas marítimas principais (operadas por diferentes companhias de navegação) transportando mercadorias diretamente entre o Brasil e a África. Uma destas empresas, especificamente, navega do litoral brasileiro até Tânger (Marrocos) e dali integra-se a outra rota até Port Said (Egito), adentrando o Canal de Suez e fazendo-nos voltar a nosso ponto de partida.
O navio Ever Given: geografia de um incidente com consequências globais
O Egito é berço de uma das civilizações mais antigas das quais ainda temos registros. Parte da organização dessa sociedade estava baseada no sistema de cheias e irrigação formado pelas águas do rio Nilo, que permitiu a existência de plantações com excedentes e, consequentemente, maior segurança alimentar em um ambiente desértico. Ainda na antiguidade, em torno de 1800 a. C., os egípcios construíram um canal ligando o Nilo ao Mar Vermelho, conhecido atualmente como Canal dos Faraós – mais uma obra que evidencia a necessidade de controle das condições naturais, dessa vez para facilitar a circulação. Mais de três mil anos depois o Canal de Suez foi construído, conectando o Mar Vermelho ao Mediterrâneo, no contexto do século XIX, no qual o comércio internacional ganhava projeções mundiais e havia necessidade cada vez maior de encurtar as distâncias entre Ocidente e Oriente.
A constituição dessa passagem artificial permitiu encurtar de 20 mil para 7 mil quilômetros uma viagem da Ásia para a Europa, não sendo mais necessário realizar o contorno do continente africano pelo Cabo da Boa Esperança. Por conta dessa obra, os países banhados pelo Mar Vermelho passaram a fazer parte das principais rotas marítimas mundiais, enquanto os países do Sul da África passaram a compor rotas “secundárias”. Com o início da exploração de petróleo no Oriente Médio nos primórdios do século XX, a importância do Canal de Suez para a circulação mundial ficou ainda maior, já que os países da Europa Ocidental e os Estados Unidos são grandes importadores do óleo e o canal os aproximava das áreas de exploração.
No decorrer da fase atual da globalização tivemos o estabelecimento de redes de produção mundiais, e, com isso, o transporte marítimo ganhou especial importância, pois ele permite um frete barato para grandes quantidades de mercadorias a longas distâncias. Na atualidade, esse modal é responsável por aproximadamente 90% do transporte internacional de cargas e, para acompanhar esse aumento da circulação, navios, portos e vias de transporte tiveram que passar por adequações técnicas. No caso do Canal de Suez, no ano de 2014 foram anunciadas obras de duplicação de alguns trechos, o que passaria a permitir a passagem de navios em direções opostas. As obras foram finalizadas em apenas um ano e possibilitaram o aumento da capacidade do canal de 49 para 97 embarcações por dia, além da diminuição do tempo de espera para a travessia.
Quanto às transformações dos navios, podemos destacar o surgimento dos porta-contêineres, que transportam mercadorias dentro de caixas de dimensões padronizadas. Essa simples mudança técnica revolucionou o transporte, pois permitiu mais agilidade no processo de carregamento e descarregamento dos navios. Desde a segunda metade do século XX, esse tipo de embarcação tem se tornado cada vez mais popular e estrutura boa parte do transporte internacional de cargas. Tamanha popularidade fez com que fossem construídos porta-contêineres cada vez maiores, que parecem desafiar as leis da física de tão altos e pesados que são. Estima-se que apenas nos últimos 10 anos a capacidade desses navios quase dobrou.
Um exemplo desse tipo de embarcação é justamente o Ever Given, navio que encalhou no Canal de Suez no fim de março. Apesar de as investigações do acidente ainda estarem em curso, estima-se que a principal causa da perda de controle foi a somatória de ventos fortes com a elevada altura da parede de contêineres que ele carregava. Na primavera do Hemisfério Norte, entre os meses de março e junho, sopra no deserto do Saara um vento quente e seco chamado de khamsin. Esse vento forma as famosas tempestades de areia do deserto, já descritas até mesmo na Bíblia. No dia 23 de março o Ever Given carregava 20 mil contêineres, distribuídos pelos seus 400 metros de comprimento em uma altura de um prédio de aproximadamente dez andares. Acredita-se que as rajadas de vento khamsin, de mais de 50km/h, ao entrarem em contato com o paredão do navio, desviaram seu curso, o que fez com que a proa – parte frontal do navio – encalhasse na margem do canal e a embarcação ficasse atravessada por efeito da inércia. Esse evento, por si só, já causou espanto, mas era apenas a queda da primeira peça de um efeito dominó que começaria a acontecer nos dias seguintes.
O encalhe do navio ocorreu na primeira porção sul do canal, justamente onde não houve obra de duplicação entre 2014 e 2015. Assim, houve bloqueio total para a passagem de embarcações nos dois sentidos, e os navios que estimavam atravessar nas horas seguintes começaram a se acumular, em um congestionamento de centenas de barcos. A paralisação das operações escancarou que, apesar da vastidão do oceano e do esforço humano para transpor barreiras naturais, o comércio global é refém de pequenas passagens artificiais e naturais, como Suez, o Canal do Panamá, o Estreito de Ormuz e o Estreito de Malaca, que possuem inúmeros pontos sensíveis.
Estima-se que 12% do comércio internacional dependa do Canal de Suez. Por isso, cada dia de espera significaria, aproximadamente, um prejuízo de 9 bilhões de dólares de mercadorias sem circulação e o possível desabastecimento de peças para indústrias e de combustível, já que o petróleo é um dos principais bens que circula pelo canal. Essa foi a primeira vez que o Suez ficou paralisado de forma incidental, mas no passado já tivemos exemplos do impacto da obstrução dessa importante artéria comercial. Durante a Crise de Suez, quando o presidente egípcio Gamal Abdel Nasser nacionalizou o canal, a passagem ficou bloqueada de outubro de 1956 a abril de 1957, o que gerou racionamento de combustível no Reino Unido e o aumento no preço de diversos produtos no continente europeu. Tivemos ainda o fechamento do canal por quase oito anos como desdobramento da Guerra dos Seis Dias, o que acabou retraindo o comércio marítimo global, já que o contorno da África gera custos muito mais elevados.
Diferentemente dessas duas experiências anteriores, o bloqueio do canal em 2021 durou “apenas” seis dias. Após uma complexa operação envolvendo o trabalho de escavadeiras, dragas e rebocadores, o navio conseguiu flutuar novamente. Todavia, acredita-se que a maré de sizígia – especialmente alta – causada pela lua cheia entre os dias 28 e 29 de março foi peça fundamental para o sucesso de todo o trabalho. O esforço humano teve que se render novamente às forças da natureza.
Ainda não podemos estimar todas as consequências econômicas que o bloqueio desencadeou e, ao que parece, o imbróglio está longe de ter um fim. Após ser desencalhado, o Ever Given foi levado para um lago localizado no meio do Canal de Suez, para que se completem as investigações. E, mesmo após finalizado esse processo, o governo egípcio exige o pagamento de 1 bilhão de dólares para a liberação do navio. A alegação é de que a paralisação do canal afetou a economia do país, que deixou de receber o pedágio de embarcações por quase uma semana e teve gastos com as operações de dragagem. Em uma economia que enfrenta crises desde 2013, pelo custo de obras de infraestrutura, somado ao ambiente internacional desfavorável suscitado pela pandemia do Covid-19, o incidente, de fato, pode acabar sendo catastrófico para o PIB egípcio desse ano. No outro lado do jogo geopolítico, a empresa taiwanesa Evergreen, operadora do Ever Given, a empresa japonesa Shoei Kisen, proprietária do navio, e a seguradora da embarcação disputam quem irá pagar a conta.
É válido lembrar que nem todos os navios esperaram a reabertura do canal ao longo dos seis dias de bloqueio. Para embarcações com grande armazenagem de combustível ou com mercadoria suficientemente cara, o velho caminho pelo Cabo da Boa Esperança poderia compensar o custo mais elevado de frete causado pelos dias a mais de viagem. Contudo, isso trouxe à tona um outro problema: a presença de piratas na região do Chifre da África.
A pirataria marítima somali nas rotas da globalização
A segunda metade dos anos 2000 ficou marcada pela ascensão da pirataria marítima no Chifre da África, a região a sudeste do continente onde estão Somália, Djibouti, Eritreia e Etiópia. A grande quantidade de ataques e sequestros de navios (junto com suas tripulações) provocou um impacto à economia global. Os custos de seguro aumentaram para navios que transitassem pela região, aumentando por sua vez os custos de fretes. O sucesso dos ataques e grande lucro obtido com os resgates dos navios fez a atividade se expandir. O ápice da pirataria na região foi em 2011, quando o International Maritime Bureau (IMB) contabilizou a marca de 237 ataques. Diante desse cenário, ficam os questionamentos: Por que essa região é tão atrativa para a pirataria? Quando e por que a atividade se desenvolveu ali? Quais ações fizeram-na declinar?
Fenômeno antigo, a pirataria marítima persistiu ao longo dos séculos passando por períodos de ascensão e declínio. No passado, a atividade acompanhou a expansão do capitalismo comercial e as principais rotas comerciais. Na atualidade, a pirataria marítima aproveita-se do contexto de globalização e de suas imensas trocas comerciais realizadas via transporte marítimo. Nesse contexto, espaços como o Estreito de Málaca na Ásia e o Estreito de Bab-el Mandeb. entre o Chifre da África e o Oriente Médio, despontaram como espaços de grande atividade pirata.
O Estreito de Bab-el Mandeb separa o Mar Vermelho do Oceano Índico. Através dele circula uma importante linha de comunicação marítima (popularmente conhecida como rota marítima) em direção ao canal de Suez. Para a circulação marítima, esse é um importante eixo logístico que conecta a Ásia, a Europa e a América do Norte. O estreito também possui grande importância para a circulação marítima de insumos energéticos, pois através dele transitam cerca de 5 milhões de barris de petróleo por dia. Além do alto fluxo de navios, por questão de segurança há também uma necessidade de diminuição de velocidade de tráfego pelo Bab-el Mandeb, pois é um espaço estreito. Esse fator também é usado pelos piratas como oportunidade de ataque. No entanto, a quantidade de navios e cargas valorizadas não são a única justificativa para a existência da pirataria marítima na região. Ela é oriunda de um conjunto de fatores políticos, geopolíticos, econômicos e estratégicos.
A pirataria marítima surge no Chifre da África como uma reação de pescadores somalis a navios estrangeiros que praticavam pesca ilegal e o despejo de lixo tóxico nas águas da Somália. Esse país tinha os seus mares territoriais desprotegidos devido à instabilidade política interna, que gerou o esfacelamento do Estado e as fragmentações territoriais. Em meio a essa conjuntura, as comunidades pesqueiras locais se encontravam em forte vulnerabilidade e passaram a sequestrar os navios pesqueiros estrangeiros que se aproximavam da costa da Somália. Devido ao grande lucro obtido com os resgates dos navios, novos atores com maior poder de financiamento passaram a organizar a pirataria marítima na região. É nesse momento que a atividade deixa de ser uma prática amadora e se torna uma atividade ilícita profissional, com estrutura hierárquica, sistemas de pagamento e lavagem de dinheiro e emprego de maiores tecnologias, como o GPS. Com a profissionalização da atividade pirata, houve uma ampliação dos tipos de navio alvos e uma expansão territorial dos ataques. Em 2011, o espaço de atuação dos piratas da Somália chegava até as proximidades de Omã, na Península Arábica.
A existência da pirataria marítima na Somália se interliga com as condições socioeconômicas e geopolíticas do país. Os grupos piratas aproveitavam a vulnerabilidade social e a instabilidade política para cooptar novos piratas, pois é uma atividade que prometia um bom retorno financeiro em meio a um panorama de escassez de oportunidades. Devido aos sequestros de navios e suas tripulações, que ficavam ancorados na Somália por longos períodos, a atividade demandava um conjunto de serviços como segurança, alimentação e lazer. Dessa forma, a atividade gerava um repasse de lucros para as comunidades locais que ofertavam tais serviços. Entretanto, a instalação das bases piratas não era tão facilitada, pois além de haver mais de um grupo pirata, a própria conjuntura de fragmentação territorial, com diferentes grupos defendendo interesses variados, implicava em disputas e rearranjos espaciais da pirataria dentro país.
A alta estruturação da rede, o poder de ação e o ônus de bilhões de dólares à economia global trouxeram a emergência de ações antipirataria marítima. Diversas cooperações internacionais passaram a agir na região, entre elas a Combined Task Force 151 (CTF 151), que é uma parceria naval entre 33 países e a Operação Atalanta, realizada pela União Europeia. A CTF 151 coopera também com organizações privadas ligadas ao serviço de segurança e comércio. Outro ponto de relevância da luta contra a pirataria no Chifre da África foi a resolução 1816 da ONU, que permita a atuação internacional dentro do mar territorial da Somália. A região do Chifre da África passou a ser altamente vigiada, aumentou a procura por empresas de segurança e várias medidas de autoproteção passaram a ser feitas pelos armadores. O efeito de todas essas ações antipirataria foi a queda substancial da atividade na região. Embora os números de ataques sejam agora quase nulos, o IMB registrou um ataque de piratas da Somália no Golfo de Áden nesse ano de 2021. Isso demonstra que as condições que propiciaram o desenvolvimento da pirataria marítima na região ainda se encontram presentes e que as ações antipirataria ainda são necessárias para evitar um novo recrudescimento da atividade. Nessa conjuntura, o congestionamento de navios nas proximidades do Suez, causado pelo atolamento de um cargueiro, justifica o medo dos armadores diante de possíveis novos ataques na região. Embora o contorno pelo cabo da Boa Esperança seja uma alternativa pensada por algumas empresas de transporte marítimo, não significa que a nova rota esteja isenta de ataques ou crimes marítimos. A pirataria praticada no Golfo da Guiné, sob outras circunstâncias, ainda é um problema e outros crimes marítimos também ocorrem na porção oeste da África.
O caso da pirataria marítima na Somália coloca em cena os impactos da periferização do mundo e as complexidades das realidades e conflitos africanos, geralmente lidos apenas pelo viés étnico. Outro ponto importante em cena é a forma como a pirataria marítima no Chifre da África se apropriou das facilidades da globalização. Se por um lado, as atividades lícitas se beneficiaram com a maior fluidez do mercado internacional e da transação do dinheiro virtual, por outro, as atividades ilícitas como a pirataria conquistaram mais alvos e facilidades para transferência e lavagem de dinheiro. A globalização possibilitou que a pirataria marítima se reestruturasse, incorporando uma lógica flexível e fluida de atuação. Diante de todas essas questões é necessário entender as múltiplas facetas que envolvem a globalização e compreender que a África é muito mais ativa nesse processo do que a atenção que recebe na cobertura da grande mídia.
Antonio Gomes é doutorando em geografia humana na USP. Pesquisa circulação Brasil-África e em sua dissertação de mestrado investigou a circulação de mercadorias em Moçambique.
Maíra Azevedo é mestra em geografia pela UFRJ. Sua dissertação de mestrado abordou o circuito espacial de produção de embarcações no Brasil.
Luana Lessa é doutoranda em geografia na UFRJ. Em sua dissertação de mestrado se dedicou ao estudo da pirataria marítima no Chifre da África e no Golfo da Guiné.