"A desnutrição aumentou pelo quarto ano seguido em todo o mundo. Quase um em cada 10 habitantes do planeta sobrevive em insegurança alimentar. Segundo a Oxfam, 12 mil pessoas podem morrer de fome a cada dia até o final de 2020", escreve Frei Betto, frade dominicano, escritor, assessor da FAO e de movimentos sociais e autor de “Minha avó e seus mistérios” (Rocco), entre outros livros.
Frei Betto, IHU-Unisinos, 21 de outubro de 2020
Relatório da ONU, divulgado em 13 de julho de 2020, frisa que em 2019 mais 10 milhões de pessoas no mundo ingressaram no inferno da fome, que hoje abriga 820 milhões. A este número podem ser acrescidos mais 270 milhões até o final do ano. Em cinco anos, o aumento é de quase 60 milhões.
A desnutrição aumentou pelo quarto ano seguido em todo o mundo. Quase um em cada 10 habitantes do planeta sobrevive em insegurança alimentar. Segundo a Oxfam, 12 mil pessoas podem morrer de fome a cada dia até o final de 2020.
Dois bilhões de pessoas sofrem de insegurança alimentar, ou seja, não têm acesso regular a alimentos nutritivos em qualidade e quantidade suficientes. Cerca de 3 bilhões não têm meios para manter uma dieta considerada equilibrada, como ingestão suficiente de frutas e legumes. Em média, uma dieta saudável custa cinco vezes mais do que uma dieta que só atende às necessidades de energia com alimentos ricos em amido. Assim, a obesidade aumenta, tanto em adultos quanto em crianças.
Importante destaque do relatório deste ano é sobre a qualidade de comida ingerida. Atualmente uma dieta saudável, variada e com os nutrientes necessários, é inalcançável para 38% da população mundial, aproximadamente 3 bilhões de habitantes. Cerca de 104,2 milhões dessas pessoas vivem na América Latina e Caribe.
As crianças são as mais afetadas pela ausência de alimentação e oferta de má qualidade. Em 2019, 144 milhões de crianças abaixo de cinco anos foram atingidas pelo crescimento atrofiado, enquanto outras 38,3 milhões estavam com excesso de peso.
O aumento da fome e da insegurança alimentar neste ano se deve à desaceleração da economia global, em razão da pandemia, agravada pelas restrições impostas à circulação de mercadorias e pessoas, o que ampliou o índice de desemprego. Políticas de proteção social deveriam ter sido adotadas com mais eficácia pelos governos. As principais vítimas dessa conjuntura são mulheres e crianças.
Uma das metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável é erradicar a fome no mundo até 2030. De olho nas tendências atuais, a perspectiva para alcançar a fome zero é negativa. Se as tendências se mantiverem, o número de pessoas afetadas pela fome ultrapassará 1 bilhão até 2030.
O único dado positivo é não haver tanto atraso no crescimento físico de crianças (altura) de cinco anos. Houve queda de 1/3 entre 2000 e 2019. Mais de 90% delas vivem na Ásia ou na África.
Na América Latina e Caribe, mais de 47 milhões de pessoas foram atingidas pela fome em 2019. É nessa região que a insegurança alimentar mais aumenta. Cresceu de 22,9%, em 2014, para 31,7% em 2019.
O Dia Mundial da Alimentação, comemorado a 16 de outubro desde 1981, é atualmente celebrado em mais de 150 países. Trata-se de uma importante data para consciencializar a opinião pública sobre questões relativas à nutrição e à alimentação.
Neste ano de 2020 dois eventos, um positivo e outro negativo, marcam a data em Cuba: como positivo, a aprovação, pelo Conselho de Ministros, do PLAN SAN, o Plano de Soberania Alimentar e Educação Nutricional, que já começa a ser implementado em todo o país. O negativo é a pandemia de Covid-19, que Cuba tem enfrentado com sua ampla rede de proteção sanitária, o que evita que o número de vítimas fatais ultrapasse uma centena, e o país avança na busca de uma vacina eficaz, a Soberana1.
“A gente está comendo pior. Cada vez tem que tirar mais uma coisa dos gastos familiares para poder comer. Desde o começo do ano de 2020, nossa vida piorou muito. A gente só vai ao mercado quando alguma coisa acaba, não tem mais aquela compra ‘de mês’. Carne quase não tem mais. Tenho medo que volte o dia de ‘fazer a xepa’, porque não vou ter dinheiro para fazer feira.” Xepa é a expressão usada pelos brasileiros para designar as sobras de produtos na feira livre ou no mercado.
Esse depoimento da trabalhadora doméstica Denise Gonçalves ao jornalista Rodrigo Gomes, moradora em um bairro da periferia de São Paulo, expressa o que milhões de pessoas sofrem, no Brasil, com o aumento dos preços dos alimentos em meio à pandemia de Covid-19 e o desemprego que atinge 13,7 milhões de trabalhadores. Para as famílias, o aumento de preços dos alimentos traz de volta a ameaça da fome.
Segundo pesquisa da Associação de Consumidores Proteste, já em maio o aumento de preços dos alimentos chegou a até 106% em supermercados de São Paulo, na comparação com 2019. O arroz subiu 25,7% de janeiro e agosto, e os estoques estatais acabaram.
A reação do governo Bolsonaro tem sido “pedir patriotismo” aos supermercados e dizer que eles deveriam reduzir seus lucros sobre os preços dos alimentos. Mas o presidente tem se recusado a tomar qualquer medida que possa influenciar na redução dos preços.
A América Latina e o Caribe (ALC) abrigam 8,5% da população mundial. Entre 2000 e 2020 a fome foi reduzida quase à metade nos 33 países da região. De 73 milhões de famintos passou a 38 milhões, segundo a FAO. Isso ocorreu graças aos governos progressistas que implementaram políticas sociais, redes de proteção social, programas de alimentação escolar e apoio à agricultura familiar.
Porém, iniciou-se o retrocesso a partir de 2015 – mesmo ano de lançamento da Agenda 2030 da ONU, cujo Objetivo de Desenvolvimento Sustentável é “fome zero”. O número de pessoas vivendo em insegurança alimentar na América Latina e Caribe chegou a 43 milhões em 2018. Para 2020, a Cepal prevê aumento de 16 milhões de pessoas na extrema pobreza. Realidade que é retratada pelo código das Bandeiras Brancas adotado agora em vários países, entre os quais Peru, Honduras, Guatemala e El Salvador: a família desprovida de qualquer alimento coloca à frente da casa um pano branco em sinal de que necessita urgente de socorro alimentar.
Não faltam alimentos no Continente. Falta justiça. Hoje, 84 milhões de crianças na América Latina e Caribe dependem da escola para ter acesso à boa alimentação, das quais 10 milhões só ingerem uma refeição minimamente nutricional ao receber a merenda escolar. Agora o vírus as exclui da escola e as aproxima da fome.
A Cepal e a OIT calculam que a Covid-19 resultará em mais 300 milhões de pobres na ALC, dos quais 83 milhões em extrema pobreza. O PIB do Continente deve decrescer 5%. Isso devido à paralisação dos mercados internos, diminuição do fluxo de cadeias globais, queda nos preços das matérias-primas e interrupção do trabalho informal de migrantes. A crise elevará a taxa de desemprego a 11,5%, o que significa 12 milhões de novos desocupados. Atualmente são 25 milhões. No fim deste ano serão 37 milhões na região.
Hoje, dos 292 milhões de trabalhadores na América Latina e Caribe, 158 milhões operam na informalidade. Entre jovens de 15 a 24 anos, o índice chega a 62,4%. A pandemia provocou a perda de 80% da renda dos trabalhadores informais. No mundo, de 60%.
Os governos latino-americanos e caribenhos destinam apenas 0,7% do PIB às populações mais vulneráveis. Deveria ser, no mínimo, 3,4%, para assegurar a sobrevivência de 214 milhões de pessoas que ingressarão na pobreza até o final deste ano. Os países mais afetados serão Brasil, Argentina, México, Equador e Nicarágua.
Outro grande paradoxo do nosso mundo atual é que não aumenta somente a fome. A obesidade se tornou uma praga que não diferencia países ricos ou pobres, do Norte ou do Sul, desenvolvidos ou não, nem barreiras de gênero ou idades. É uma ameaça globalizada. Sobrepeso e obesidade aumentaram em todas as regiões, sem exceção. Cerca de 2 bilhões de adultos - mais que o dobro do número de pessoas com fome – têm sobrepeso, assim como cerca de 207 milhões de adolescentes e 131 milhões de crianças, entre 5 e 9 anos de idade. Quase 1/3 dos adolescentes e adultos com sobrepeso são também obesos.
O grave impacto que a pandemia de Covid-19 está tendo na alimentação da população da África Subsaariana deixa 67.000 crianças em risco de morrer de fome, antes do final deste ano (cerca de 426 por dia), a menos que medidas de contenção sejam tomadas, alertou a ONG Save the Children, com base em um estudo publicado pela revista The Lancet.
A ONG destacou que a insegurança alimentar se viu agravada em diferentes partes do continente africano pelas cheias, infestações de gafanhotos e o aumento nos preços dos alimentos, ao que se juntou a pandemia, que paralisou a economia e destruiu os meios de subsistência de milhares de famílias.
De acordo com as primeiras estimativas realizadas, a pobreza deve aumentar 23% na África Subsaariana devido à pandemia, e até 2030 o número de pessoas subnutridas no continente pode chegar a 433 milhões.
Em uma situação de insegurança alimentar como a atual, lembra a organização Save the Children, as crianças correm alto risco de sofrer de desnutrição aguda. Já antes do coronavírus, havia mais de 26 milhões de crianças, na África Oriental e Meridional, sofrendo de desnutrição aguda grave, a forma mais letal de desnutrição. Agora, na África Ocidental e Central, estima-se que 15,4 milhões de crianças menores de 5 anos sofram de desnutrição aguda grave este ano, um aumento de 20% em relação aos dados anteriores.
Segundo explicou Ian Vale, diretor regional da Save the Children na África Oriental e Meridional, os "efeitos devastadores" do vírus já estão sendo vistos nas pessoas mais vulneráveis do mundo. “As medidas contra a Covid-19 dizimaram os meios de subsistência e a produção agrícola, tornando os alimentos, quando disponíveis, extremamente caros. Em poucas palavras, muitos pais e mães já não podem colocar comida na boca dos filhos”, resumiu.
Mesmo antes da pandemia, a África Subsaariana era uma das regiões com a maior insegurança alimentar do mundo, e há temores de que, se as tendências atuais continuarem, será o lar de mais da metade das pessoas com fome crônica do mundo. “A cada dia chegam mais meninos e meninas às nossas clínicas com sintomas de desnutrição, e isso é só o começo. Se esperarmos até que as clínicas estejam lotadas, será tarde demais”, advertiu Vale, destacando que “a crise alimentar pode matar dezenas de milhares de crianças, caso não recebam assistência humanitária imediata”.
Diante dessa situação, a organização Save the Children já fornece alimentos e dinheiro às famílias mais vulneráveis, garantindo o acesso à água potável e mantendo seus programas de saúde e nutrição funcionando de forma segura diante da crise do coronavírus. Além disso, pediu aos governos e doadores a mobilização urgente de fundos para ajudar as crianças mais pobres e vulneráveis do mundo.
Olivier De Schutter, relator da Organização das Nações Unidas (ONU), considera que mais de 1.400 medidas de proteção social adotadas por diferentes governos foram amplamente insuficientes e 176 milhões de pessoas devem se somar à população pobre mundial após a pandemia. Isso significa um crescimento de 2,3% na taxa de pobreza em comparação a um cenário sem a pandemia.
As redes de segurança social implementadas por vários governo estão, em geral, cheias de buracos. As medidas costumam ser de curto prazo, e com financiamento insuficiente. Milhares de pessoas mais pobres, que se encontram em condições de trabalho precárias ou sem residência permanente, estão excluídas dos programas de proteção social. Pois muitos programas, como acontece com o Auxílio Emergencial adotado pelo governo brasileiro, exigem que as inscrições sejam concluídas online, o que de fato exclui grande parcela da população que não tem acesso à internet ou não dispõe de habilidades digitais.
Segundo Inger Andersen, diretora executiva do PNUMA (Programa da ONU para o Meio Ambiente), “a pandemia expôs a fragilidade de nossos sistemas de abastecimento de alimentos, desde cadeias de valor complexas até impactos em nossos ecossistemas. Mas também demonstrou que as empresas e as pessoas estão prontas para se reconstruírem melhor. Essa crise nos oferece a chance de repensar radicalmente como produzimos e consumimos alimentos. Por exemplo, reorientar o consumo reduzindo pela metade o desperdício de alimentos e adotar mudança para dietas mais ricas em vegetais também são ferramentas poderosas de mitigação climática que podemos utilizar. Cabe a nós aproveitar essa oportunidade e colocar os sistemas alimentares sustentáveis no centro da recuperação verde.”
As 16 ações identificadas no relatório inclui aprimorar métodos de produção e reduzir a emissão de metano pela pecuária para diminuir emissões significativas. Porém, reduções muito maiores poderiam ser alcançadas com a adoção de dietas mais saudáveis e sustentáveis, que contenham proporção maior de alimentos vegetais em vez de animais. Hoje, qualquer plano climático nacional deve discutir de forma explícita a questão das dietas.
Resolver a questão alimentar não é apenas um pré-requisito para alcançar os objetivos da Agenda 2030. A transição para produções regenerativas e que absorvam carbono, além da adoção de dietas saudáveis, predominantemente baseadas em vegetais – que são baratos e acessíveis –, bem como a redução à metade da perda e desperdício de alimentos, são ações cruciais, que devem ser incluídas na agenda dos países e integradas em seus planos de ação climáticas com objetivos claros.
Em 2021, no contexto da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 15), líderes globais podem concordar com um novo acordo para a natureza e as pessoas, e com paralisação e reversão da perda da biodiversidade. A primeira Conferência das Nações Unidas para Sistemas Alimentares também está prevista para 2021. Conforme o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, “transformar sistemas alimentares é crucial para alcançar todas as metas de desenvolvimento sustentável”.
A alimentação pode ser uma aliada no combate à Covid-19? Não existe evidência científica que associe diretamente este fator à prevenção ou ao tratamento da doença provocada pelo novo coronavírus. Porém, é sabido que alguns nutrientes agem no corpo humano, fortalecendo nosso sistema de defesa. Pesquisadores da Universidade Médica da China publicaram, em fevereiro de 2020, uma revisão sistemática de outros estudos sobre potenciais intervenções no tratamento da infecção. Entre outros procedimentos, os autores sugerem a avaliação nutricional de cada paciente antes da administração dos tratamentos gerais. E destacam a importância, para infectados ou não, de uma dieta equilibrada em vitaminas (A, B, C, D e E), ômega 3, ferro, zinco e selênio. Esses nutrientes “são reconhecidos como imunomoduladores”, explica Taís Lopes, professora do Instituto de Nutrição Josué de Castro, do Brasil, e podem ser encontrados, por exemplo, em frutas, verduras, legumes e grãos. Uma alimentação variada, que combine alimentos in natura, minimamente processados e devidamente higienizados, pode ser a base de uma dieta saudável e, com isso, garantir a imunidade do corpo.
Ao procurar uma fonte de nutrientes, a docente recomenda alimentos que estejam na safra e sejam oriundos de produtores locais. Além de terem preços mais acessíveis do que os produtos que vêm de outras localidades, são mais saborosos e possuem mais qualidade. Se forem cultivados de forma ecológica, sem uso de fertilizantes químicos, fungicidas, inseticidas e herbicidas, por exemplo, garantem também que não se acumule veneno no organismo. Inúmeras pesquisas associam o consumo de agrotóxicos a doenças como cânceres, más-formações congênitas, além de distúrbios endócrinos, neurológicos e mentais.
Em 2019, relatório publicado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) afirma que, em todo o mundo, os números da subnutrição voltaram a subir, após décadas em declínio, com mais de 820 milhões de pessoas sem acesso à alimentação digna e adequada. No Brasil não foi diferente, e indicadores sociais recentes revelam que o país está de volta ao Mapa da Fome (havia saído em 2014, segundo a própria FAO), com 6,5% de sua população em situação de extrema pobreza. Dados deste mês de setembro registram que, no Brasil, 10 milhões de pessoas voltaram à fome este ano.
A alimentação é um direito indispensável para a sobrevivência humana. “As normas internacionais reconhecem o direito de todos à alimentação adequada e o direito fundamental de toda pessoa a estar livre da fome como pré-requisitos para a realização de outros direitos humanos”, explica a professora Taís Lopes.
Segundo ela, “a realização do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) requer a adoção de políticas e estratégias sustentáveis de produção, distribuição, acesso, consumo de alimentos seguros e de qualidade, promoção da saúde e da alimentação adequada e saudável em todos os níveis federativos”. Em tempos de pandemia, a professora destaca a importância de o Estado agir de forma ágil e priorizando as populações mais vulneráveis. “O acesso físico ou econômico aos alimentos deve se dar por meio de ações emergenciais do Estado em conjunto com a sociedade civil organizada, garantindo o isolamento social necessário. O Estado também deve fiscalizar a venda de alimentos por preços abusivos”, reforça.
Para quem ainda tem o direito à alimentação respeitado, é recomendável que se evite estocar alimentos e, também, desperdiçá-los. O que sobra para poucos, falta para muitos. A sugestão é fazer um cardápio semanal, planejar as compras e aproveitar integralmente tudo o que estiver na sacola.
Vale lembrar que, após adquirir os produtos, é importante higienizá-los. Sanitizante hipoclorito de sódio para o que vem da feira ou direto do produtor (frutas, verduras, legumes etc.), água e sabão ou álcool 70° para embalagens que não forem descartadas.
Para tanto, é preciso algo básico: que se tenha acesso à água, de qualidade e em quantidade suficiente. A água será necessária também para o cozimento dos alimentos e a hidratação.
Quando respeitar a quarentena se torna fundamental para a saúde coletiva, a cozinha pode ser um refúgio. “A reclusão é uma oportunidade para cozinhar em família, testar novas receitas, adquirir novos hábitos, experimentar novos alimentos e desenvolver novas habilidades culinárias”, frisa a professora Taís Lopes.
No entanto, a Covid-19, como fica cada vez mais evidente, é fonte de enormes desigualdades. Uma delas é a renda. Nem todos sofreram perdas; na verdade, há aqueles que ganharam muito, como os setores farmacêutico, de tecnologia da informação e de crédito. Enquanto devido à pandemia a maior parte do planeta afunda em uma das piores crises econômicas, como sempre os ricos se tornam ainda mais ricos.
Segundo o site Business Insider, 32 das maiores multinacionais do mundo aumentaram seus lucros em um valor de 109 bilhões de dólares em relação à média dos exercícios dos quatro anos anteriores, nos quais já haviam alcançado excelentes resultados. A denúncia vem da Oxfam, que se dedica à redução da pobreza global.
Segundo a Oxfam, a realidade, além do número de infecções e vítimas, é ainda pior: as corporações colocaram seus lucros à frente de tudo, esquecendo a saúde dos trabalhadores, usando sua influência política para moldar estratégias políticas.
Nos Estados Unidos, 27.000 trabalhadores do setor de carnes tiveram resultado positivo e mais de 90 morreram. A Tyson Food, segunda maior processadora e comercializadora de frangos, bovinos e suínos no mundo, publicou documento contra o fechamento das unidades, apesar de 8.500 funcionários terem ficado doentes.
Na Índia, centenas de trabalhadores das plantações de chá, a maioria mulheres, não receberam salários por suposta perda de receitas devido ao vírus. Enquanto isso, alguns dos principais fabricantes aumentaram drasticamente seus lucros.
Em nível planetário, diante de ganhos substanciais, cerca de meio bilhão de pessoas serão levadas para a pobreza pela situação de pandemia; 400 milhões de postos de trabalho já foram perdidos; e, de acordo com sindicatos internacionais, 430 milhões de pequenas empresas estão em risco. Os grandes conglomerados cada vez mais asfixiam os negócios de menor escala.
De 2016 a 2019, as 10 maiores marcas empresariais pagaram US$ 21 trilhões em dividendos, 74% de seus lucros. Desde o início da pandemia, o valor, na Bolsa de Valores, de 100 grandes corporações globais cresceu mais de US$ 3 trilhões. E 25 bilionários, entre os quais Bezos, da Amazon, que se tornou o homem mais rico do planeta, viram sua riqueza aumentar em 255 bilhões de dólares no curto espaço de tempo, entre meados de março e o final de maio de 2020. As empresas farmacêuticas terão margens de lucro de 21% em 2020.
Todo esse dinheiro não é gasto para aumentar postos de trabalho, salários ou a segurança do trabalhador. Acabam no bolso de alguns poucos privilegiados e servem para pressionar outros mecanismos financeiros, incluindo o valor das ações.
Quase nada dessa riqueza foi destinada a combater a Covid-19 ou sustentar ajudas governamentais prestadas às populações. De acordo com a Oxfam, as doações durante este período chegaram a apenas 0,5% dos ganhos de 2019.
Os vencedores da era pós-Covid-19 sempre serão as grandes corporações e seus acionistas, que depois distribuirão esmolas. Dessa forma, o poder do Estado é enfraquecido e a sociedade sai perdendo.
A Oxfam, portanto, acredita que chegou a hora em que os governos deveriam encontrar maneiras de reduzir esses superlucros. Mas, para isso, seria necessário uma revolução cultural e ética que substituísse a lógica do “livre mercado” pela lógica da partilha e da isonomia de direitos, adotada por Cuba.
- Relatórios Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO);
- Oxfam; Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola;
- Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef);
- Save the Children;
- Programa Mundial de Alimentos;
- Organização Mundial da Saúde (OMS);
- PNUMA (Programa da ONU para o Meio Ambiente);
- Business Insider.