Para esses povos, o genocídio não é apenas uma possibilidade distante, mas um risco iminente que cresce com o avanço da covid-19 e com a presença impune de invasores nos territórios indígenas.
Conselho Indigenista Missionário - Cimi, 20 de julho de 2020
O aparecimento de um grupo de indígenas isolados no entorno da Terra Indígena (TI) Uru-Eu-Wau-Wau, numa área habitada por colonos, no município de Seringueiras, em Rondônia, no dia 19 de junho de 2020, é mais um registro da movimentação desses povos em distintos lugares da Amazônia. Os deslocamentos desses grupos, se expondo ao risco do contato com não indígenas – que por si só já representa uma grande ameaça a sua sobrevivência – evidencia algo ainda mais grave, nesses tempos de pandemia da covid-19: a invasão de seus territórios.
É crescente o número de invasores nos territórios habitados por indígenas isolados. Na TI Uru-Eu-Wau-Wau, o desmatamento promovido por invasores duplicou de 2018 para cá. Em abril deste ano, um professor e agente ambiental Uru-Eu-Wau-Wau, empenhado em ações de vigilância, foi brutalmente assassinado. Essa terra indígena é alvo da ação de madeireiros, grileiros e garimpeiros. Possivelmente, a movimentação dos indígenas isolados ocorre porque eles estão em expedições de reconhecimento para encontrar um ambiente mais seguro para viver.
Situação semelhante ocorre nas TIs Yanomami, nos estados de Roraima e Amazonas; Vale do Javari, no Amazonas; Arariboia, no Maranhão; Mamoadate, no Acre; e Munduruku, Kayapó e Ituna-Itaitá, no Pará, onde vivem perto de 30 povos isolados. Nestes territórios, enquanto exploram ilegal e impunemente madeira e minérios, os invasores desmatam, poluem os rios e igarapés, matam ou afugentam a caça e os peixes e atentam diretamente contra a vida dos povos indígenas. E, pela possibilidade de transmissão da covid-19, representam um risco potencial de genocídio desses povos.
Mesmo diante do enorme risco que milhares de invasores em terras indígenas representam para os povos isolados devido à covid-19, nenhum plano de desintrusão ou protocolo específico de prevenção foi implementado pelo governo.
As esporádicas operações da Polícia Federal, Ibama e Funai já não mais intimidam os infratores. Sabem que não existe determinação e firmeza, mas condescendência do governo no combate aos crimes ambientais e à violação dos direitos indígenas. A sinalização do governo Bolsonaro de que os ilícitos praticados nas terras públicas protegidas serão tolerados fica evidente na declaração do Presidente da República de que não demarcará nenhuma terra indígena; na intenção manifesta do Ministro do Meio Ambiente de aproveitar a pandemia para “passar a boiada” (desconstruir as cautelas previstas na legislação de proteção ambiental); na exoneração de servidores públicos no cumprimento do dever em operações de repressão a crimes ambientais; e na Instrução Normativa 09 do presidente da Funai, que pretende regularizar o esbulho das terras indígenas.
O governo adota a política da omissão planejada do seu dever constitucional de demarcar e proteger as terras indígenas, para que estas sejam usurpadas e privatizadas por terceiros. No caso dos povos isolados, a usurpação de seus territórios passa, se não pelo genocídio, pela promoção do contato forçado, ao encargo de um pastor fundamentalista nomeado para a chefia da Coordenação Geral dos Índios Isolados e de Recente Contato (CGIIRC) da Funai. Essa antipolítica indigenista tem na sua raiz uma ideologia autoritária, racista e de ódio à diversidade de pensamento, de povos, de organizações sociais, de crenças e de saberes. Uma ideologia que visa anular e exterminar tudo e todos que colocam limites à voracidade do mercado e à liberdade individual daqueles que se consideram os escolhidos.
Nesse ambiente político perverso e doentio, o genocídio não é apenas uma possibilidade distante, mas um risco iminente que cresce assustadoramente com o avanço da covid-19 nos territórios indígenas e com a antipolítica indigenista que define os povos indígenas como o inimigo a ser eliminado.