Relatório que avalia os impactos do acordo UE-Mercosul alegra os frigoríficos: no Brasil, aumento de 40% das exportações – totalmente isenta de impostos. A contrapartida: reprimarização, desmatamento e superexploração do trabalho.
Repórter Brasil, 26 de março de 2021
Nesta quarta-feira (24), a Repórter Brasil lança um relatório – em conjunto com a rede internacional de organizações ambientalistas Friends of the Earth – sobre os potenciais impactos do acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia (UE) na cadeia produtiva do chamado “complexo carnes”.
A publicação analisa como biomas sensíveis, casos da Amazônia e do Pantanal, além de povos tradicionais e trabalhadores dessa indústria podem ser ameaçados pela expansão das atividades ligadas a esse setor do agronegócio brasileiro responsável por US$ 17 bilhões em exportações ao longo de 2020.
Se aprovado, o acordo entre os blocos vai turbinar as vendas de quatro grandes companhias brasileiras do setor de proteína animal: BRF, JBS, Marfrig e Minerva. Para entrar em vigor, o tratado ainda precisa ser referendado não só pelo Parlamento Europeu, mas também por todos os 27 Estados-membros da UE.
O relatório compila uma série de investigações publicadas pela Repórter Brasil ao longo dos últimos anos. Elas revelam problemas diversos na rede de fornecedores destas empresas que incluem desmatamento ilegal, exploração de mão de obra escrava, invasão de terras indígenas e “lavagem de gado” – a prática de driblar restrições para dar uma aparência de legalidade aos animais criados em áreas autuadas por infrações ambientais e trabalhistas.
A pesquisa também mostra como a produção de carne brasileira se conecta às principais redes de supermercados da Europa e a grandes investidores internacionais.
O acordo e a indústria da carne
Para além da cota de 200 mil toneladas de carne bovina em vigência, o tratado prevê a abertura de uma faixa extra de 99 mil toneladas provenientes do Mercosul. O Brasil deve absorver pelo menos 40% desse volume adicional. Também vai assumir a maior parte da nova cota de 180 mil toneladas de carne de frango, totalmente isentas de tarifas.
Entretanto, uma série de manifestações de mandatários europeus nos últimos meses vêm levantando dúvidas sobre a viabilidade da ratificação do acordo. Os principais questionamentos se referem justamente à capacidade de os países do Mercosul ampliarem suas produções agrícola e mineral respeitando o meio ambiente e os direitos humanos.
No caso específico do Brasil, uma das principais preocupações é com o avanço desenfreado da pecuária bovina – reconhecidamente, um dos principais vetores de desmatamento ilegal. Só na Amazônia, o ano passado registrou recorde de devastação com 8 mil quilômetros quadrados de floresta derrubados. O número, o maior da última década, representa um incremento de preocupantes 30% em relação a 2019. Os dados foram compilados pelo Sistema de Alerta de Desmatamento do Imazon.
Os questionamentos sobre os potenciais impactos do acordo ganham ainda mais relevância quando, para além das estatísticas preocupantes e do atual contexto político brasileiro, verifica-se que os mecanismos previstos no tratado para mitigação de riscos não parecem dar conta dos principais desafios gerados pela inevitável expansão da indústria da carne.
Pelo menos, essa é a avaliação de diversas organizações da sociedade civil que vêm se debruçando sobre as cláusulas do tratado. Sem ferramentas claras para execução e controle de políticas públicas socioambientais, e sem instrumentos eficazes de sanção em caso de irregularidades, o tratado pode ficar limitado ao campo das boas intenções.