Coordenação Nacional da Insurgência, 30 de março de 2023.
Vivemos nos últimos 4 anos um governo de extrema direita que conseguiu se enraizar nos aparatos de segurança do Estado brasileiro e disputar parcela significativa da sociedade para seu projeto político. A condução da política da morte da pandemia de COVID-19 e as sucessivas políticas de retiradas de direitos e precarização da vida da classe trabalhadora, impõem enormes desafios para a luta política dos próximos anos. Não acontecerá apenas com a mudança de governo, a desconstrução da máquina de ódio do bolsonarismo, que ganhou vida na dinâmica de inúmeros setores sociais, com aumento de atos violentos e de ódio; ataques a LGBTQI+; mulheres; negros e negras. Sabemos que a extrema direita permanece com uma base econômica, política e social forte e mobilizada. Embora a tentativa golpista de 8 de janeiro deste ano tenha sido derrotada, sabemos que esses setores não estão ainda definitivamente derrotados. Portanto, desarticular a extrema direita é nosso objetivo estratégico para o próximo período.
A eleição de Lula em 2022, no qual o PSOL teve importante contribuição, foi um redirecionamento nos ventos que dirigiam o país desde o Golpe de 2016. Uma etapa importante para a possibilidade de reconstrução de parâmetros mínimos que permitam a dinâmica democrática da luta política e a existência de condições mínimas de sobrevivência material da classe trabalhadora. Apoiamos uma chapa ampla, com unidade de diversos setores da sociedade (inclusive setores da direita tradicional), para viabilizar essa vitória política tão importante. Acertamos de estar, ainda no primeiro turno, nessa construção e demonstramos responsabilidade e compromisso no combate a extrema direita brasileira, hierarquizando a política por esse enfrentamento central.
Neste sentido, devemos elencar os acertos importantes que o nosso partido teve no cenário político nacional no último período. Soubemos eleger as nossas principais batalhas, combater a extrema direita e seus ímpetos golpistas e não caímos no sectarismo auto-proclamatório que setores do nosso partido flertaram. Tais acertos políticos trouxeram importantes vitórias para a esquerda brasileira, incluindo o nosso partido. Aumentamos a nossa bancada federal, estivemos à frente das principais lutas sociais e nos consolidamos como o segundo maior partido da esquerda brasileira.
No entanto, a eleição de Lula, com a base de sustentação de setores da direita tradicional, ou seja, da burguesia, impõe limites ao governo, que sofre as contradições e as pressões dessa composição. Um governo de conciliação, embora produza um rol de políticas progressivas, que precisamos apoiar, também reafirma uma série de mecanismos e políticas de exploração, que precisamos combater e disputar. Isso fica claro na participação de setores como a União Brasil no governo, bem como na aliança da bancada do PT com Lira no Congresso; e apesar da importância simbólica de Silvio de Almeida, Anielle Franco e Sônia Guajajara, temos uma composição desfavorável para a implementação de políticas sociais e econômicas que desarticule os setores econômicos, políticos e sociais que sustentam a extrema direita brasileira.
É nesse sentido que cabe ao PSOL o desafio histórico de ajudar ao governo no enfrentamento da extrema direita e, ao mesmo tempo, ser um vetor da luta política e social que faça a disputa sobre os elementos estruturais que levaram a extrema direita ao poder. Sem um combate sério a desigualdade, a militarização do Estado, ao genocídio da juventude negra e periférica, a política econômica (neo) liberal, não sairemos dessa crise. Colocar a saúde e educação como centro político, a preservação ambiental e dos povos originários como prioridade, a comunicação democrática e o combate às opressões como uma agenda de desarticulação do conservadorismo, são alguns dos desafios do PSOL para esse período.
Em dezembro passado nosso partido atravessou um debate difícil e importante: qual relação teríamos para com o novo governo do presidente Lula. A nosso ver o resultado foi bastante sábio, à medida que nosso diretório nacional aprovou a Independência frente ao novo governo, ao mesmo tempo em que, ao afirmar que fazemos parte da base de sustentação no Congresso Nacional do novo governo, o PSOL deixou nítido que não lava as mãos acerca dos destinos do governo Lula. Sabemos que um fracasso deste governo seria um desastre para o povo brasileiro e uma vitória para a extrema direita.
UM PARTIDO PLURAL COM DEBATES E SÍNTESES
Esses desafios políticos gerais serão discutidos no próximo Congresso do PSOL, e será importante o fortalecimento da unidade partidária nesse sentido. Agora, quando terá início o debate congressual e diante de um novo período para as lutas sociais, surgiu em debates preliminares, a hipótese de repetir este ano o procedimento excepcional que nosso partido usou – corretamente, a nosso ver, durante a pandemia em 2021 para a eleição de delegadxs. Isso empobreceria a maneira com que realizamos historicamente nossos congressos, ou seja, nosso fórum mais importante, soberano, decisivo na formulação das políticas do Partido. Em 2021, em meio à pandemia, usamos o procedimento conhecido como PED: urnas abertas durante todo um dia para que filiadas/filiados votassem em chapas previamente inscritas. A situação de pandemia justificava esta novidade pela impossibilidade de estarmos aglomerados em locais fechados, com segurança, para realização dos nossos debates. Agora, podemos retomar, melhorar, enriquecer nosso processo congressual com mais criatividade, mais espaços setoriais e mais atividades preparatórias, que amadureçam o debate e favoreçam sínteses. As sínteses, quando fruto de debates de qualidade, ajudam o PSOL a marchar unido e lutar com mais força.
A construção de tais sínteses se fazem necessárias porque estaremos, no próximo período, em embates centrais com a direita e extrema direita, precisando fortalecer o partido com candidaturas de peso no executivo municipal, com destaque para possibilidade histórica de vencermos a prefeitura de São Paulo com o companheiro Guilherme Boulos.
VOLTEMOS AOS CONGRESSOS COM A BASE PRESENTE E MAIS ATIVIDADES PREPARATÓRIAS
Não nos custa lembrar que o modelo de PED, que usamos excepcionalmente na pandemia de 2021, foi o modelo que, no PT, cristalizou uma metamorfose negativa naquele partido e aumentou o peso de filiações de última hora e, muitas vezes, exponencializadas por lideranças individuais, parlamentares, prefeitos e governadores. O modelo PED é algo velho na esquerda brasileira e, não por acaso, nunca havia sido usada pelo PSOL.
Queremos um partido que beba das novas lutas sociais e multiplique as lideranças que dela surjam. A renovação política é imprescindível para a perspectiva de futuro do nosso partido e, sobretudo, do compromisso que temos de tornar a política mais próxima e representativa do que é a pluralidade do povo brasileiro. Nos orgulha ver o quanto o PSOL avançou nesse sentido, com bancadas de parlamentares que conseguem expressar essa diversidade e compromisso.
No entanto, os projetos políticos são coletivos. É essencial que tenhamos ferramentas coletivas mais fortes do que apelos públicos personalizados. O risco do PED seria, portanto, também o aumento do peso das figuras públicas, pois os aparatos institucionais podem desnivelar as disputas partidárias, e essas possuem espaço e diálogo de maior alcance do que um grupo de militantes qualquer. Assim como, outro risco seria a consolidação de burocracias partidárias cada vez mais deslocadas das suas bases, pois nem no congresso seus militantes conseguem participar em espaços de debate e formulação do processo decisório do partido.
Em um período e uma conjuntura tão adversas, é fundamental que as decisões sejam cada vez mais coletivas e que, façamos um esforço de aumentar as possibilidades de participação do conjunto da nossa militância nessas discussões. A democracia interna num partido socialista nunca pode ser reduzida a votação em urnas. A organização de debates, plenárias, com participação ampla, presencial e coletiva é a que permite a possibilidade de produzir sínteses políticas reais e eleger chapas e delegadxs na base com a máxima nitidez de posições e argumentos.
APROXIMAÇÃO COM GOVERNOS ESTADUAIS DO PT NÃO DEVE INTERFERIR NAS NOSSAS NOVAS FILIAÇÕES
Acreditamos que nossa crítica ao modelo PED já é partilhada por todas as correntes do PSOL e, portanto, não entrará mais em debate. Permanece para nós, entretanto, uma outra preocupação. Todos nós acreditamos, desejamos que nosso partido cresça e se torne um partido de massas, com lutadoras sindicais, mulheres, negros e negras, lideranças dos povos originários e a ampla militância LGBTQIA+. No entanto, precisamos caracterizar que Partido de Massas nós queremos.
Escrevemos isso porque tememos que a rodada de novas filiações que agora se dá, sofra a influência de companheiros do partido que, ao contrário de nossas decisões nacionais, se integraram com cargos importantes em alguns governos estaduais do PT ( no caso do Amapá, o governo é, inclusive, de direita). A pobreza e as variadas carências de nosso povo trabalhador muitas vezes colocam setores da nossa classe no anseio de misturar demandas com apoios do Estado. Chamamos isso de alavancas de Estado e, no passado do PSOL, já tivemos crises por conta de filiações artificialmente infladas.
Tem nos preocupado a pouca atenção da direção partidária com a aplicação das deliberações do nosso diretório nacional de dezembro do ano passado. O governo do estado do Amapá é um governo de direita com forte presença de nosso inimigo central, o bolsonarismo. A demora em resolvermos esta situação absurda traz um sinal negativo para a militância do partido, que poderá não se assenhorar, coletivamente, dos rumos estratégicos do partido.
CONGRESSO BEM PREPARADO NO 2º SEMESTRE DE 2023
Um Congresso no ano de 2023 deveria ter como objetivo central fazer uma avaliação do primeiro ano do governo Lula, a primeira experiência de participação na base e liderança de um governo na história do PSOL. Deveríamos, também, ter como objetivo analisar o peso que o bolsonarismo mantém na conjuntura após a perda do aparato do executivo federal. Ambos os debates são fundamentais para saber qual a relação que o PSOL manterá com a frente em torno de Lula, principalmente nos estados onde setores da direita tradicional tem peso relevante dentro da frente, e para a definição das tarefas do partido em 2024. Realizar um congresso de forma apressada no primeiro semestre só teria como resultado eleger uma direção sema pactuação das tarefas imediatas do partido, serviria mais a ocupação de espaços na direção partidária do que para o debate político.
Precisamos apostar num processo congressual que nos unifique frente aos desafios impostos ao combate à extrema direita por um lado; e a independência política do PSOL, por outro. Para isso, a participação, diálogo e troca com os nossos militantes são essenciais. Por isso, acreditamos que o formato e a data do congresso do PSOL precisam expressar e priorizar as enormes tarefas políticas do próximo período.
* No topo do artigo, arte de Will Cavalcante.