Veremos, nos próximos dias, a multiplicação exponencial de casos da pandemia da COVID-19 no Brasil, uma infecção respiratória de novo tipo, de circulação inédita e global. A pandemia se coloca como um importante problema de saúde pública para a população brasileira. Mas, atingindo todos os países, ela está sendo também a catalisadora de uma crise da globalização neoliberal, que pode se revelar mais profunda e duradoura do que a de 2008. Há “o choque do vírus e a doença da economia”, como bem explicado por Michael Roberts. E não só da economia, também da ecologia, do metabolismo doentio que a sociedade capitalista vem desenvolvendo com a biosfera da Terra, que nos transmitem, nas palavras de Daniel Tanuro, “uma mesma mensagem”. O coronavírus é um problema ecológico.
Desacelerar a difusão do vírus. A pandemia do COVID-19 ainda apresenta muitas incógnitas, exploradas por governos – através das mídias e redes sociais – para criar insegurança nas populações. Mas sabemos que ela tem uma curva de dispersão elevada e de rápido contágio, atingindo gravemente idosos com doenças crônicas não controladas, como hipertensão, diabetes e cardiopatias. A partir da China e da Europa, sabemos que 20% dos atingid@s apresentam agravamento respiratório rápido, exigindo atenção hospitalar, 10% necessitam internação e 5% exigem internação em unidades de terapia intensiva. A qualidade da atenção hospitalar, a começar pelo atendimento e internação precoce, é decisiva para que esses casos graves não terminem em mortes, como mostra o exemplo da Coréia do Sul. Mas, na ausência disso, na maioria dos países, a forma pela qual está se buscando reduzir a velocidade de difusão do vírus é reduzindo a circulação e aglomeração de pessoas. E no Brasil que vem vivendo, há vários anos, um processo de declínio dos seus sistemas de saúde pública, isso é decisivo.
É por isso que a esquerda brasileira está atuando para evitar aglomerações e situações que facilitem a difusão do vírus, que já tem uma transmissão sustentada no país. A primeira tarefa de cada um de nós é cuidar de si, de seus entes queridos e de seus companheir@s. Mas é também expressar sua solidariedade com toda a população que será afetada pela pandemia no Brasil, organizando a luta pelo atendimento universal de suas demandas; @s idos@s, aqueles que têm saúde frágil, @s desprovid@s de privilégios serão @s mais golpea@os pela pandemia.
Crise e oportunidade. Christophe Aguiton afirma que, “hoje a epidemia do coronavírus é um bom indicador da fragilidade da situação internacional e das tendências potenciais que ela revela. [A crise é] uma ruptura, uma descontinuidade que pode abrir novas oportunidades. A atual epidemia enquadra-se perfeitamente nesta definição e traz dentro dela as sementes dos piores, mas também dos mais desejáveis desenvolvimentos possíveis”.
Isso é evidente no caso do Brasil, onde o governo Bolsonaro está tendo seus planos colocados em xeque pela eclosão de uma recessão mundial, cujos efeitos são inescapáveis. A pandemia é uma oportunidade para a extrema-direita propor novas medidas autoritárias e medidas de vigilância e controle social; mas carrega medidas que se chocam frontalmente com as políticas ultraliberais, como a necessidade de expansão do sistema de saúde pública.
A crise não é só de saúde pública ou econômico-social. É multifacetada crise de civilização, com uma ampliação tanto das contradições e dos conflitos no seio das classes dominantes, como do descontentamento social. Como internacionalistas, podemos visualizar dinâmicas imperceptíveis para os que apreendem esses processos apenas ou principalmente na sua dinâmica nacional.
2019 foi o ano das maiores mobilizações da história da humanidade. Os protestos e mobilizações se espalharam pelo mundo, com lutas exemplares como a auto-organização popular no Chile, mas também a greve geral dos trabalhadores indianos em 8 e 9 de janeiro de 2019 (mais de 150 milhões de grevistas). As lutas das mulheres se consolidaram por inúmeros países, ganhando momento e questionando as opressivas estruturas de reprodução social do capitalismo, intensificadas pela crise – é sobre as mulheres (bem como as populações racializadas) que recai boa parte do trabalho de cuidado quando a dinâmica normal da sociedade curto-circuita. E as lutas ambientais consolidaram um novo movimento global, que integra inúmeras demandas de caráter antissistêmico e desglobalizante.
A hora é agora! O que está acontecendo, como destacam os vários artigos publicados nesse dossiê, é uma ruptura da rotina de reprodução do mundo do capital – das cadeias globais de geração de valor, da divisão internacional do trabalho, dos fluxo de pessoas e mercadorias, dos valores que vinham presidindo o mundo nas últimas quatro décadas –, é um questionamento de pilares da globalização neoliberal. É uma oportunidade única para discutirmos e repensarmos o mundo como está organizado e propormos alternativas – embora, não nos esqueçamos nunca, isso vale para a esquerda e para a direita. Quando o pior passar, muita coisa não voltará a ser como antes!
Mas a crise é um momento de urgência. Só poderemos galvanizar o descontentamento popular latente compreendendo a nova temporalidade da luta política que se manifesta pelo mundo, onde a juventude atua não mais com a esperança de um futuro melhor, mas com a percepção que a hora é agora!