A crise planetária causada pela covid-19 poderá provocar mais mortes pela fome do que pela própria doença. O relatório O vírus da fome, publicado pela Oxfam, em 9 de julho, alerta que o empobrecimento associado ao coronavírus pode causar 12.000 mortes diárias. Números que excedem as 10.000 mortes diárias causadas pelo coronavírus em abril, o pior momento da pandemia até hoje.
El Salto, 9 de junho de 2020
Antes que acabe o ano, as pessoas que passam fome chegarão a 270 milhões, 120 milhões delas por causa da crise da covid-19, segundo dados do Programa Mundial de Alimentos. As principais causas: o desemprego, as restrições à mobilidade, as alterações na produção e distribuição de alimentos e redução da ajuda humanitária.
Para Chema Vera, diretora da Oxfam Internacional, a crise da covid-19 foi a “a gota que fez transbordar o copo para milhões de pessoas que já tinham que enfrentar os efeitos dos conflitos, mudança climática e a desigualdade, e um sistema alimentar disfuncional”.
Essa situação de emergência alimentar mundial contrasta com o renovado negócio das maiores empresas de alimentação e bebidas, entre as quais estão Coca-Cola, Danone, General Mills, Kellogg, Mondelez, Nestlé, PepsiCo e Unilever. Desde janeiro deste ano, os gigantes da indústria alimentícia têm repartiram dividendos no valor de 18 bilhões de dólares entre seus acionistas. Um número “dez vezes superior à quantidade que a Organização das Nações Unidas solicitou para evitar que as pessoas continuem passando fome”, denuncia Vera.
O relatório destaca o surgimento de novos “epicentros da fome”, países de renda média como a Índia, África do Sul e Brasil, nos quais “milhões de pessoas que já antes tinham dificuldades para sobreviver, estão agora em uma situação limite”. Outros países que já arrastavam crises econômicas anteriores, como Venezuela e Sudão do Sul, viram piorar suas previsões devido à pandemia.
No Brasil, destacam pela Oxfam, milhões de trabalhadores e trabalhadoras pobres perderam sua renda por causa da quarentena e só dispõem de poupanças ou assistência social. No final de junho, o Governo havia distribuído apenas 10% da ajuda prometida por Jair Bolsonaro, um poder executivo que até agora “favoreceu, sobretudo, as grandes empresas, em vez dos trabalhadores pobres”.
Na Índia, as restrições à mobilidade impediram a contratação de trabalhadores migrantes, “absolutamente essenciais no momento crítico da colheita”, e milhares de colheitas foram perdidas. As restrições ao comércio também deixaram sem suas principais rendas 100 milhões de pessoas nas comunidades tribais, por não poderem vender seus cultivos.
Cenas semelhantes se repetem em diferentes partes do mundo. No Iêmen, a queda nas remessas dos países do Golfo, o fechamento das fronteiras e as rotas de abastecimento dispararam os preços em um país que importa 90% dos alimentos que consome. No Sahel, as comunidades de pastores não puderam locomover o gado para pastos mais verdes”, o que coloca em risco a vida de milhões de pessoas”.
“O coronavírus está causando muitos danos. Dar café da manhã a meus filhos ficou difícil. Dependemos totalmente da venda de leite e, com o fechamento dos mercados, não podemos mais vendê-lo. Se não vendemos leite, não comemos”, disse Kadidia Diallo, produtora de leite em Burkina Faso, em um depoimento presente no relatório.
O relatório destaca os dez “pontos críticos da fome” nos quais a crise alimentar é mais grave e também piora devido à pandemia: Iêmen, República Democrática do Congo, Afeganistão, Venezuela, as áreas no Sahel da África Ocidental, Etiópia, Sudão, Sudão do Sul, Síria e Haiti. Em conjunto, nesses países e regiões vivem 65% das pessoas que enfrentam a fome em nível da crise global.
Reproduzido de IHU-Unisinos. A tradução é do Cepat.