A libertação da atenção humana pode ser a luta ética e política decisiva de nosso tempo”, afirma o filósofo e ex-estrategista do Google, James Williams, em seu ensaio Clics contra la humanidad (Gatopardo). Trata-se de um grito de alarme que nos chama a mudar nosso relacionamento com a tecnologia antes que seja tarde demais.
Andrés Seoane, El Cultural / IHU-Unisinos, 2 de fevereiro de 2021. A tradução é do Cepat.
Por uma década, James Williams (Flórida, 1982) foi um dos melhores estrategistas do Google, chegando a ganhar o Founder’s Award, a maior homenagem que a empresa concede a seus funcionários. Contudo, em 2016, abandonou a empresa de informática quando se deu conta do impacto negativo que a tecnologia digital tem sobre seus usuários e se mudou para a Inglaterra para estudar Filosofia na Universidade de Oxford, doutorando-se em ética da tecnologia. Que descoberta levou a uma mudança tão radical?
Conforme ele mesmo explica em seu ensaio Clics contra la humanidad (Gatopardo), um perturbador e lúcido ensaio que analisa o impacto de viver grudado nas telas e os reais interesses de grandes empresas de tecnologia, “os sistemas de persuasão inteligentes que condicionam nosso pensamento e nossa conduta constituem uma séria ameaça à liberdade e a democracia”.
Desde a pré-história está claro que todas as formas de tecnologia, dos machados de pedra à internet, moldam nosso pensamento e comportamento. "A questão central é se, ao fazer isso, nos ajudam a alcançar nossos objetivos e a viver a vida que queremos durante nosso curto período neste planeta”, argumenta Williams, que insiste que "o sistema de persuasão industrializado que temos hoje é amplamente desalinhado a esses propósitos humanos e, portanto, precisa urgentemente de uma reavaliação e uma reforma".
Um preço muito alto
As críticas do autor que, em um texto acessível e coloquial, mescla as explicações mais técnicas e de ponta com fábulas e anedotas do mundo clássico, concentram-se em uma palavra-chave: atenção, dando razão a muitos pensadores da atualidade (Ramón Andrés, Rafael Argullol, Víctor Gómez Pin e Carlos García Gual) que a reivindicam. “Quando 'prestamos' atenção, que em última análise é o que empresas como o Facebook, Instagram ou Twitter exigem de nós, pagamos a eles com todas as coisas que poderíamos ter feito de forma diferente e, em períodos mais longos de tempo, com todas as vidas que de outro modo teríamos vivido”, explica.
E devemos pensar, continua Williams, que “quando nossa atenção é prejudicada, perdemos a oportunidade de ser melhores, pois perdemos a capacidade de escrever nossa própria história. No nível macro, o mesmo acontece nas famílias, comunidades e sociedades ”. Desta reflexão vem sua conclusão mais premente e devastadora - que o levou a ser o vencedor inaugural do Prêmio Nine Dots, da Universidade de Cambridge, ao pensamento original -, que considera que esta batalha pela atenção é a mais importante de nosso tempo. “Salvaguardar a atenção humana é uma prioridade, no mesmo sentido em que poder ver pelo para-brisa é um pré-requisito para dirigir um carro. Atenção é a habilidade que nos permite alcançar qualquer outra coisa. Para ‘dirigir o carro’ da nossa vida, sociedade, planeta ou o que quer que seja, o para-brisa deve estar livre de distrações supérfluas".
Porque supérfluo pode parecer passar algumas horas por dia navegando no Twitter ou assistindo a vídeos no YouTube, mas o que acontece quando essas formas de interação transcendem o virtual? Um exemplo recente é o que aconteceu há poucos dias no Capitólio dos Estados Unidos. Passamos anos testemunhando linchamentos virais em redes que muitas vezes precedem e ultrapassam a justiça.
“Toda essa ira, uma resposta útil e justificada às más ações, torna-se um problema quando se transforma em um projeto de degradação do status do que é percebido como transgressor. Algo muito comum em ambientes digitais como nas não bem denominadas redes sociais”, aponta Williams. "Não parece por acaso que o auge do populismo coincida com o de ambientes que apelam aos nossos mais baixos instintos e aos nossos esforços mais pueris”.
Como combater, então, essa absorção de nossa vontade que acomete a tecnologia? Para o autor, embora possa parecer estranho, a primeira fronteira passa por algo tão intrínseco ao ser humano como a linguagem. “Não podemos resolver nada disso, a menos que possamos falar claramente a esse respeito. Isso implica não apenas cunhar novos termos como clickbait, que nos ajudam a visualizar os perigos, mas também descartar outros inúteis e enganosos como redes sociais”, afirma.
Essa busca por clareza linguística é, em sua opinião, parte da tarefa cultural mais ampla de repensar o design e a avaliação da tecnologia em termos de nossos mais elevados padrões morais e estéticos. “Os guardiões da transcendência em nossa sociedade, aqueles que nos guiam em questões de arte, religião, literatura, etc., têm um papel decisivo a desempenhar na reforma de nosso ambiente tecnológico”.
Um controle sem precedentes
Nesse sentido, Williams pondera que, apesar de tudo, defende a fé na tecnologia, que fascinou e maravilhou a humanidade ininterruptamente da Revolução Industrial até hoje. “Sou um crítico de tecnologia no mesmo sentido de um crítico de arte e de literatura. Não busco demolir o objeto de minha crítica, mas entender suas nuances e o elevar para que atinja seu objetivo potencial”, esclarece o pensador. "Tenho nela o tipo de fé que um pai tem no futuro de seu filho rebelde: a fé de que logo crescerá e começará a se compreender e a se colocar com êxito a serviço dos verdadeiros interesses humanos".
“Sinceramente, não sei se essa descoberta chegará tarde demais. As futuras gerações terão que responder a isso, se conseguirem lembrar de fazer a pergunta”, confessa, apesar da esperança. "No momento, anima-me que finalmente percebermos como essa guerra para chamar nossa atenção é feroz". Por isso, reitera que o principal é “mudar radicalmente a nossa perspectiva sobre o problema. Não existe um precedente histórico para esse poder de moldar a vida humana em escala. Nem os governos e nem as religiões. Trata-se de um verdadeiro ‘império da mente’”, expressa em alusão ao famoso discurso de Winston Churchill sobre o futuro.
“De particular importância é a necessidade de redesenhar a forma como pensamos e falamos e percebermos que hoje algumas pessoas, em algumas empresas, têm a capacidade de moldar o pensamento e o comportamento de bilhões de seres humanos”. Uma reflexão chocante, seguida por um corolário mais talhante: "Isso não é simplesmente uma questão de distrações menores, é uma questão de sobrevivência do eu do modo como vem sendo entendido no Ocidente há mais de três séculos."