Reduzir a guerra a um conflito entre Ocidente e Rússia trata a Ucrânia como um peão. Há uma dimensão que só se entende a partir da centralidade da luta anticolonialista pela independência, face à dominação russa e à do ocidente. E isto não deve impedir de ver os interesses de classe comuns.
Ashley Smith entrevista Yuliya Yurchenko, Spectre / Esquerda.net, 30 de abril de 2022
Ashley Smith, da revista Spectre, conversou com Yuliya Yurchenko, autora de Ukraine and the Empire of Capital: From Marketization to Armed Conflict (Pluto, 2018). Yuliya Yurchenko é Professora de Economia Política no Political Economy, Governance, Finance and Accountability Institute da Universidade de Greenwich, no Reino Unido. É também Vice-presidente da Critical Political Economy Research Network.
Ashley Smith (AS): Qual a situação atual das pessoas, na Ucrânia, no meio desta guerra? Qual é o estado da resistência militar e civil à invasão pela Rússia?
Yuliya Yurchenko (YY): Antes de mais, é muito bom ter a oportunidade de conversar consigo e contar a história desta guerra e resistência de um ponto de vista ucraniano e de esquerda. Penso que todos sabem que os bombardeamentos da Rússia danificaram gravemente cidades inteiras, especialmente Mariupol, e mataram um número incalculável de pessoas. Os ataques pelo exército russo e por mísseis expulsaram um grande número de refugiados do país e deslocaram ainda mais pessoas internamente. Ninguém sabe os números exatos.
Milhões de refugiados fugiram para os países vizinhos, onde foram acolhidos e receberam abrigo e ajuda. Ao mesmo tempo, houve casos de migrantes e refugiados não brancos que foram bloqueados nas fronteiras ou deixados em situação de espera. Isto provocou alguns confrontos desagradáveis na fronteira.
Estou atualmente em Vinnytsia, aproximadamente a meio caminho entre Kiev e Lviv. É considerada uma das cidades mais calmas da Ucrânia. Temos sido atingidos por mísseis russos, mas não tão frequentemente como outros locais. Temos muitas pessoas deslocadas que fugiram para cá e encontraram alojamento em escolas, hotéis, apartamentos alugados e casas de pessoas. As redes de voluntários estão a fornecer-lhes comida, vestuário e medicamentos.
Desde que foi declarada a lei marcial e há requisição de medicamentos para as tropas, o acesso a medicamentos é um problema sério. Nesta situação, em que as pessoas não conseguem ver os seus médicos de família e na qual o fornecimento é pequeno, existem dificuldades reais em obter receitas de insulina e medicamentos anticoagulantes.
Assim, as pessoas deslocadas internamente enfrentam problemas de saúde graves, apesar de toda a ajuda dos voluntários. Só saberemos a extensão dos danos causados pela guerra depois de esta ter terminado mas, para já, as pessoas, de modo massivo, estão a pagar um preço enorme em vidas, saúde e especialmente em saúde mental.
No entanto, a resistência é massiva. Um grande número de pessoas tem-se voluntariado para servir nas forças armadas, mais do que, de facto, os militares poderiam acomodar. Por enquanto, aqueles que não tinham qualquer formação militar prévia não foram aceites.
Assim, existem grandes reservas de pessoas dispostas a juntar-se à resistência militar, que foram treinadas para combater sob o antigo sistema soviético. A Rússia certamente não se pode gabar do mesmo. Não tem confiança política para sequer chamar reservas, porque os russos não têm razões convincentes para lutar, salvo alguns mitos imperiais pouco credíveis.
Para os ucranianos, trata-se de uma luta existencial. A identidade do nosso país, as fronteiras territoriais e a nossa própria existência estão a ser atacadas neste momento. Por isso a solidariedade e mobilização em defesa do país, a nível nacional, tem sido grande, apesar da esmagadora vantagem militar da Rússia.
As pessoas não estão a desistir, apesar do impacto inevitavelmente desumanizante da guerra, da violência sexual e das desmoralizadoras imagens, vídeos e histórias da destruição em muitas partes do país. Estamos a fazer a invasão russa recuar. É uma resistência popular total que nos faz sentir muito orgulhosos.
Poucas pessoas na Ucrânia esperavam este nível de resistência militar e civil, mesmo aqueles mais otimistas e patrióticos. Isto também foi uma surpresa para as potências ocidentais, que, na minha opinião, inicialmente minimizaram a ameaça de invasão russa e depois de ela se ter iniciado pensaram que a Ucrânia capitularia rapidamente. Pensaram que seria feio, mas que estaria terminado em algumas semanas.
Putin também pensava isso. Por isso, a resistência chocou o mundo. Mas realmente não deveria ter surpreendido toda a gente. A Rússia desencadeou uma resistência que está profundamente enraizada numa luta secular dos ucranianos contra o imperialismo russo.
AS: Uma coisa que tem sido percetível é a resistência nas zonas de língua russa da Ucrânia. Como sabemos, a Rússia tem tentado explorar as divisões entre falantes de língua ucraniana e russófonos desde a Revolta Euro-Maidan, em finais de 2013. A Rússia também anexou a Crimeia e apoiou as chamadas Repúblicas Populares em Luhansk e Donetsk. Como está a ser a resistência, nas áreas predominantemente de língua russa?
YY: A resistência nas áreas de língua russa, como por exemplo em Mariupol, tem sido inspiradora. Desfez o mito difundido por Putin de que estava a libertar os ucranianos russófonos da opressão fascista. Já ninguém pode acreditar nisso.
Ao mesmo tempo, precisamos de compreender de onde veio a divisão entre ucranófonos e russófonos. Ela foi sendo construída na consciência pública desde a campanha presidencial de 2004 e solidificou-se após a revolta de Maidan em 2013-4. Maidan foi uma revolta popular não tanto sobre a adesão à União Europeia, mas contra os oligarcas que controlam o país, contra a brutalidade do governo para com os manifestantes e contra a frustração das pessoas face a décadas de anarquia e corrupção.
Nessa revolta, a extrema-direita, que foi apenas uma pequena parte do protesto, desempenhou um papel de grande envergadura em termos organizativos. A comunicação social favorável aos oligarcas russos, e o próprio Estado russo, mostraram essa extrema-direita na televisão, retratando a Ucrânia como invadida por fascistas. Não digo isto para negar a existência da extrema-direita na Ucrânia ou a ameaça que ela constitui, mas apenas para dizer que foi exagerada por razões políticas pela Rússia e pelos seus aliados – razões que os levaram a justificar a sua anexação da Crimeia e o seu apoio aos separatistas russos em Luhansk e Donetsk, tendo aliás muitos dos líderes separatistas sido aí colocados pela própria Rússia.
As reações populares na Crimeia e nas chamadas Repúblicas Populares foram fenómenos complexos. Não temos um sentido preciso e objetivo do que as pessoas pensavam. Mas é evidente que muitos receavam a violação dos seus direitos linguísticos e, ao mesmo tempo, muitos queriam continuar a fazer parte da Ucrânia.
Era um quadro muito complexo que até dividia famílias. Muitos também estavam preocupados por não terem futuro no país devido à pobreza sócio-económica que qualquer um dos regimes podia trazer. Dados sociológicos revelam um quadro complexo por detrás de erros marginais ou preconceitos.
O conflito militar entre o governo ucraniano e as milícias paramilitares de direita do Donbass exacerbou estas divisões e provocou todo o tipo de atrocidades de ambos os lados. Houve fuga das pessoas residentes na área, muitas para a Ucrânia e algumas para a Rússia.
Em resultado de tudo isso, a composição da população da Crimeia e das chamadas Repúblicas mudou drasticamente. Mas isso não significa que toda a gente nesses territórios esteja desesperada por fazer parte da Rússia. E sabemos que nessas áreas há atualmente muita resistência à invasão russa.
Na Crimeia, a população tártara, que foi oprimida pelo Czar e depois por Estaline, tem resistido à repressão do Estado russo. Existem também graves problemas nas ditas Repúblicas que levaram a uma profunda alienação dos separatistas que as controlam. Tem havido um processo de desindustrialização e o encerramento de algumas minas, o que resultou nos protestos dos sindicatos contra os separatistas estatais, que responderam com repressão e violações dos direitos humanos.
Na realidade, as chamadas Repúblicas Populares não são nem do povo nem repúblicas. Estão agora sob controlo semi-ditatorial e estão em dívida para com o Estado russo. E Putin nem sequer confia na sua lealdade e fiabilidade! Na preparação da invasão, a Rússia começou por ordenar aos funcionários separatistas destas repúblicas para se prepararem para serem mobilizados para o ataque que se avizinhava. Nem todos ficaram entusiasmados com isso, nem mesmo os funcionários. Para assegurar a sua lealdade, Moscovo levou as suas famílias para a Rússia – basicamente como reféns para os forçar a obedecer.
Embora a Rússia tenha apoiantes nas repúblicas separatistas, também existe aí desaprovação e mesmo alguma oposição direta à guerra. Isto é verdade até na Crimeia onde, apesar do apoio mais amplo à Rússia, há também dissidência e oposição.
AS: Vamos dar um passo atrás nestas dinâmicas para explorar as causas subjacentes à guerra. Por que razão não é correto reduzir a guerra a um simples conflito inter-imperialista entre os EUA/NATO e a Rússia? Como é que isto apaga a luta pela libertação nacional?
Reduzir esta guerra a um conflito entre o Ocidente e a Rússia ignora a Ucrânia e trata-a como um mero peão entre potências. Esta análise nega aos ucranianos a nossa subjetividade e a nossa capacidade de ação própria no conflito. Também suprime a discussão sobre o nosso direito à autodeterminação e a nossa luta pela libertação nacional.
É claro que há uma dimensão inter-imperialista em tudo isto. Isso é óbvio. Mas há também uma dimensão nacional que deve ser reconhecida. E, para a reconhecer, é preciso usar as teorias da decolonização.
É preciso basearmo-nos em todas as lições aprendidas com as lutas de libertação nacional em África e noutros lugares. Mesmo nos casos em que estiveram envolvidas potências concorrentes, houve também a luta nacional pela libertação de pessoas oprimidas. E os pensadores e líderes anticoloniais ensinaram-nos a dar voz a essas pessoas e à sua luta.
A Ucrânia está a travar uma luta semelhante. É frequentemente esquecido que sofremos séculos de imperialismo russo, sobretudo sob o regime de Estaline durante o período soviético. No período de Khrushchev essa opressão foi menor, em certa medida.
É verdade que a língua ucraniana era ensinada nas escolas, mas principalmente como segunda língua. É verdade que a cultura ucraniana era permitida, mas muitas vezes era reduzida a estereótipos, como algo exótico. Por detrás deste reconhecimento superficial da Ucrânia, a Rússia – a sua língua e cultura – mantinha o seu reinado. Se uma pessoa realmente quisesse fazer alguma coisa na vida, tinha de escrever em russo, adotar a cultura russa ou seguir as normas artísticas russas.
Este chauvinismo cultural intensificou-se na Rússia de Putin. Como foi desacreditada internacionalmente pelos EUA, a elite russa sonhou restaurar o seu domínio sobre as suas antigas colónias, como a Ucrânia, de modo a reconstruir a sua esfera de influência. Naturalmente, isso colocou a Rússia em conflito com os EUA, que continua a ser o poder hegemónico global.
Neste conflito, a Rússia não pode de forma alguma ser considerada um projeto diferente dos EUA e do resto das potências capitalistas. Tal como eles, a Rússia é um Estado capitalista neoliberal que luta por mais terra, recursos e lucro. Os seus governantes não se preocupam em melhorar a vida dos russos no dia-a-dia, que são explorados e oprimidos.
Em algumas cidades, como São Petersburgo, as condições são melhores. Têm melhores infraestruturas, salários e pensões. Mas, fora delas, o país está destruído. Aqui na Ucrânia ouvimos essa descrição por parte dos soldados russos capturados, geralmente recrutados a partir de cidades mais pequenas e mais pobres. Eles ficam absolutamente chocados ao verem coisas simples como estradas pavimentadas nas aldeias e no campo na Ucrânia.
O regime russo, a burocracia estatal e os oligarcas espoliaram o seu próprio país e agora governam através da repressão e desvio da atenção popular para ameaças externas de mudança de regime e fantasias imperiais de reconstrução do seu império perdido. Isso levou-os a desafiar os EUA e a ganhar pelo menos o apoio tácito da China.
Esta dimensão inter-imperial não deve impedir-nos de reconhecer a centralidade da luta da Ucrânia pela independência, quer face à dominação russa quer face à dominação do Império Ocidental. E a luta entre impérios não deve impedir-nos de ver os interesses de classe internacional comuns que atravessam o conflito.
Há oligarcas russos que exploram a mão-de-obra russa. Há oligarcas americanos que exploram a mão-de-obra dos EUA. Há oligarcas ucranianos que exploram a mão-de-obra ucraniana. E há oligarcas chineses que exploram a mão-de-obra chinesa. E os oligarcas transnacionais exploram-nos a todos. Essa análise de classe aponta para os nossos interesses comuns contra este bando de irmãos capitalistas em guerra.
AS: Gostava que nos falasse um pouco do desenvolvimento do capitalismo oligárquico na Ucrânia que analisa no seu livro Ukraine and the Empire of Capital. Quais são as suas características económicas e as suas características políticas? Em que medida o atual presidente, Zelensky, se enquadra nesse sistema?
YY: As últimas décadas testemunharam uma expansão maciça do império do capital. Esse processo espalhou-se por todo o Sul global após os seus projetos desenvolvimentistas terem sido minados, enfraquecidos e derrotados. O império do capital fez o mesmo na Europa de Leste e na Rússia após a queda da União Soviética.
A Rússia herdou todas as responsabilidades legais da URSS, as obrigações decorrentes de tratados internacionais, a moeda e o acesso ao capital. Sob pressão do sistema e dos seus conselheiros neoliberais, a Rússia sofreu uma privatização maciça, os oligarcas aproveitaram as políticas de livre mercado para concentrar o capital nas suas mãos e Putin construiu um novo Estado capitalista neoliberal e repressivo para dominar o país.
Após a queda da União Soviética as outras antigas repúblicas ficaram subitamente independentes, sem moeda própria e desprovidas de capital. Não tiveram outra alternativa senão recorrer às instituições financeiras internacionais, como o FMI e o Banco Mundial.
A Ucrânia recorreu ao FMI em 1992. Sob a sua tutela, o novo governo ucraniano privatizou a propriedade estatal, que era quase tudo no país. É claro que as pessoas tinham os seus próprios bens pessoais, como por exemplo carros. Mas quase tudo o resto, desde a terra à habitação, era propriedade do Estado.
A habitação, por exemplo, era construída pelo Estado e entregue a trabalhadores ligados a determinadas empresas. De repente, tudo isso foi vendido ao desbarato. Os trabalhadores podiam privatizar – ou "comprar" – as suas casas a baixo preço e é por isso que a propriedade da casa própria é tão elevada na Ucrânia.
O mesmo tipo de programa de privatizações foi levado a cabo na indústria estatal. Foram criadas ações para empresas e distribuídas aos trabalhadores como vouchers. Mas os trabalhadores, que estavam empobrecidos pela inflação galopante, precisavam de dinheiro para manter as suas vidas e venderam os vouchers aos gestores. Coisas semelhantes foram feitas com terra, água e serviços, com algumas diferenças entre regiões e setores económicos. Os gestores apoderaram-se do país.
No fundo a Ucrânia testemunhou aquilo a que Marx chama a acumulação primitiva ou original de capital. E havia muito para acumular pelos novos oligarcas capitalistas. Na região do Donbass, por exemplo, existe indústria pesada e muitos recursos naturais como gás natural, minério de ferro, minerais e carvão. Os oligarcas emergentes ficaram com a maior parte.
No processo de tomada destes bens, os oligarcas e as suas redes políticas e criminosas construíram grupos industriais financeiros, compostos tanto por empresas como por bancos, conglomerados que são altamente concentrados e diversificados.
Os oligarcas usam este poder capitalista para controlar direta e indiretamente a política. Alguns oligarcas tornaram-se políticos. Outros utilizaram políticos fantoche. Contrataram consultores, agências de relações públicas e tecnologias de engenharia eleitoral e manipulação política ao Ocidente para criar círculos eleitorais de modo a ganharem cargos de administração eleitos.
O seu controlo do Estado permitiu-lhes, por sua vez, acelerar ainda mais a acumulação nos anos 90. Tinham mão livre, pois o capital europeu estava preocupado com a Europa Central, a Rússia estava enfraquecida e o capital multinacional ainda não tinha entrado em jogo. Deste modo os oligarcas pilharam a propriedade do Estado para o seu próprio enriquecimento.
Os oligarcas também competiam uns com os outros, numa competição feita de acordo com divisões territoriais e linguísticas entre ucranianos russófonos e ucranófonos. Estas divisões foram aliás alimentadas pelos oligarcas para o seu próprio ganho político durante as campanhas eleitorais, tendo os oligarcas transformado diferenças preexistentes, e em grande parte não conflituosas, em novas animosidades e preconceitos.
Foi uma estratégia eficaz para dividir e dominar a população que continuava a resistir à pilhagem com ondas de resistência vindas de baixo, a Revolução Laranja em 2004 e a revolta de Maidan em 2013. Estas divisões foram ainda amplificadas pelo alinhamento de diferentes oligarcas com a UE e a Rússia, que as manipularam e utilizaram para estabelecer relações com qualquer uma dessas potências.
Tudo isto veio à tona durante os protestos de Maidan. As pessoas levantaram-se contra os oligarcas e o governo, os nacionalistas de direita exploraram essa sublevação e os partidos de direita e extrema-direita tentaram manipulá-la. Na sequência, os separatistas russos criaram as suas ditas “repúblicas”, a Rússia anexou a Crimeia e iniciou-se o conflito armado em Donbass. Foi neste contexto que o batalhão fascista Azov se desenvolveu.
Mas sejamos claros: a Ucrânia não é o viveiro de fascismo que a propaganda russa proclama. Por exemplo, os partidos de extrema-direita foram severamente derrotados nas eleições de 2014, tendo a sua votação descido drasticamente e tendo perdido muitos deputados.
A eleição de Zelensky foi uma rejeição popular das divisões chauvinistas e uma expressão de esperança na paz. É uma figura estranha. Por detrás dele há um conjunto de forças oligárquicas e foi eleito com uma campanha baseada na promessa, mesmo que ingénua, de paz e anti-corrupção.
Afinal, acabou por governar como qualquer outro político neoliberal, não conseguiu garantir a paz e manteve a corrupção e o saque oligárquico. Para além disso, revelou-se um governante incompetente. A sua popularidade diminuiu à medida que o nível de vida da população ia caindo.
Antes da guerra, era altamente improvável que Zelensky tivesse sido reeleito. Mas agora é um herói de guerra e tem a garantia de ganhar um segundo mandato se a Ucrânia existir como um Estado-nação com um processo eleitoral democrático no final desta guerra.
AS: Até agora, falámos sobretudo do papel do imperialismo russo na Ucrânia. O que tem a dizer sobre o imperialismo ocidental, nomeadamente as suas políticas económicas?
YY: Temos suportado o domínio ditatorial dos Estados ocidentais e das suas instituições financeiras internacionais (IFI), que têm executado a receita de Francis Fukuyama, no início dos anos 90, segundo a qual o livre mercado e a sua lógica de concorrência capitalista deveriam ser deixados à solta.
As IFI concederam empréstimos na condição de o Estado se retirar da propriedade da indústria e serviços, desregulamentar a economia, enfraquecer os direitos laborais e dar tratamento preferencial e proteção aos investidores, tudo para supostamente melhorar a competitividade da economia. O papel do Estado foi reduzido à manutenção da ordem social.
Por outras palavras, proteger os ricos dos pobres. Assim, longe de democratizar a sociedade, a receita do livre mercado permitiu a viragem autoritária a que assistimos na Europa Oriental, Rússia e Ucrânia.
O Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento (BERD), o FMI e o Banco Mundial permitiram apenas um determinado tipo de medidas económicas e políticas. Estas receitas neoliberais pretendiam, alegadamente, melhorar a competitividade e a eficiência, sendo todas elas, naturalmente, discutíveis. Na realidade, permitiram a ascensão dos oligarcas, a sua concorrência, semi-criminalidade e, em alguns casos, guerra claramente criminosa pela propriedade da indústria, serviços e terras privatizadas.
O que estas políticas económicas realmente não conseguiram foi eficácia nos serviços públicos. Porquê? Porque se os serviços estão sujeitos à concorrência, eles inevitavelmente excluem pessoas, definindo preços estabelecidos pelo mercado. Isso mina a prestação básica de serviços universais em todas as áreas, desde a educação aos cuidados de saúde, o que por sua vez enfraquece a reprodução social da força de trabalho do capital. A austeridade resulta do neoliberalismo. E, longe de ajudar ao crescimento das economias dos países, ela na realidade impede o seu crescimento, produzindo subdesenvolvimento.
A Ucrânia é um exemplo paradigmático. Era uma economia industrializada com infraestruturas desenvolvidas, serviço de saúde, serviços públicos e uma força de trabalho altamente qualificada e capacitada. A imposição ocidental do neoliberalismo destruiu essa economia. Em 1991, a sua economia era da dimensão da francesa; agora é o país mais pobre da Europa. Isto não foi por acaso. Foi deliberado, planeado.
Cada ronda de empréstimos do BERD e do FMI apenas torna este “des-desenvolvimento” ainda pior. Estamos literalmente a afogarmo-nos em dívidas como outros países em África, na América Latina e no resto da região pós-soviética. A Ucrânia deve 129 mil milhões de dólares a várias instituições financeiras internacionais e Estados, o que representa quase 80% do nosso PIB.
AS: Como é que as relações dos imperialismos ocidental e russo com os governantes da Ucrânia levaram às divisões dentro do país, especialmente entre ucranianos russófonos e ucranófonos?
Essas relações ampliaram as divisões. Um exemplo-chave é a dinâmica que levou à revolta de Maidan em 2013-4 e ao seu rescaldo. O Presidente Yanukovych tinha planeado assinar um acordo de associação com a União Europeia, mas recuou no último minuto.
Apesar de ser um oligarca criminoso, tinha razão em não assinar esse acordo. Houve alguns casos em que realmente acertou em cheio. O acordo não era favorável à Ucrânia, pelo que se recusou a assiná-lo, para choque total de todos. Isso desencadeou protestos, que o governo reprimiu brutalmente, desencadeando a revolta em massa e toda a sequência de acontecimentos que descrevi.
As pessoas ficaram tão surpreendidas porque Yanukovych conhecia os termos do acordo desde o início. Ou seja, Yanukovych não recuou devido à preocupação com a Ucrânia. A verdadeira razão pela qual ele não assinou o acordo foi que a Rússia e os oligarcas associados à Rússia o pressionaram para não assinar. Muitos dos bens destes oligarcas localizam-se na região do Donbass, em indústrias de uso intensivo de energia que dependem de gás e petróleo russos baratos para as suas linhas de produção. Estes oligarcas espalharam a notícia de que se o acordo fosse assinado os preços da energia subiriam (como a Rússia estava de facto a ameaçar fazer), as indústrias fechariam e as pessoas perderiam os seus empregos.
Isto contrasta com a parte ocidental do país que tem estado historicamente ligada à Europa Ocidental. E as empresas tendem a estar mais orientadas para esse mercado do que para a Rússia.
É claro que tudo isto é mais complexo no terreno; os interesses empresariais não se alinham de forma simples ao longo destas divisões territoriais. No entanto, o conflito inter-imperial aprofundou divisões entre oligarcas que depois forjaram círculos eleitorais baseados em lealdades ao Ocidente ou à Rússia, tornando as novas divisões territoriais muito visíveis.
Com esta situação instalada, os diferentes blocos oligárquicos e os seus políticos fantoche usaram ameaças de limitação dos direitos linguísticos para disfarçar as suas medidas de austeridade em curso, desviando a raiva de classe para conflitos linguísticos e culturais. Isto levou ao aparecimento dos separatistas de extrema-direita ucranianos e russos, com cada lado a desumanizar cada vez mais o outro.
Tudo isto é de facto uma política abjeta. As fações políticas oligárquicas criaram uma situação de escolha civilizacional entre o Ocidente e a Rússia. Aqueles mais orientados para o Ocidente apresentaram a UE – que, devemos lembrar, é fonte de tanta austeridade – como a esperança de liberdade e democracia depois do passado soviético.
Os que preferiam a Rússia retrataram os ucranianos ocidentais como russófobos e fascistas ameaçando os direitos linguísticos dos ucranianos russófonos e apresentaram a Rússia como a última esperança de os defender contra esta onda reacionária.
AS: Até agora, temos falado principalmente das potências imperialistas e da classe dominante da Ucrânia. E o que se passa com a luta dos trabalhadores e das classes mais oprimidas contra os oligarcas, os políticos e as potências imperialistas? Com que obstáculos políticos e organizacionais se depararam?
YY: É verdade que temos assistido a uma crescente resistência cidadã sob as condições que descrevi do capitalismo oligárquico. Isso teve expressão na revolta Euro-Maidan, especialmente depois da polícia ter agredido os manifestantes. As pessoas estavam finalmente fartas. A brutalidade policial veio acumular-se a anos de dor e frustração com toda a corrupção, anos de ira contra a conivência da polícia com as redes criminosas oligárquicas e a sua repetida capacidade de fugir a qualquer responsabilidade pelos seus abusos.
Toda esta resistência foi reativa, não foi guiada por um sentido claro de um programa alternativo e de um conjunto de exigências. Isso permitiu à direita apropriar-se da revolta. A direita estava organizada e tinha forças para lançar nos protestos. O conflito que se seguiu, entre o governo ucraniano e os separatistas, amorteceu parcialmente a intervenção e luta cidadã.
Mas nos últimos anos as frustrações com os oligarcas e políticos corruptos aprofundaram-se e, de forma recorrente, a direita andou a tirar do poder um grupo para o substituir por outro grupo igualmente horrível. Ou seja, trata-se na verdade de uma crise de representação. Não existe ainda uma alternativa clara, capaz de criar um desafio político para os oligarcas e os seus políticos. E a esquerda é, infelizmente, ainda bastante pequena.
Ao mesmo tempo, há uma luta popular fora da política eleitoral, particularmente entre os sindicatos. Isto surgiu fora dos antigos sindicatos da URSS, que eram essencialmente sindicatos de indústrias. Novos sindicatos independentes desenvolveram-se dentro de setores-chave (e mesmo em algumas pequenas e médias empresas!). Um dos mais relevantes encontra-se na indústria ferroviária, que é o maior empregador do país.
Estes sindicatos têm sido um elemento crucial na resistência à invasão russa, por exemplo levando mantimentos para pessoas idosas sob fogo de artilharia. Os sindicatos mineiros têm sido particularmente importantes, lutando contra o encerramento de minas e defendendo salários e direitos. Os trabalhadores da saúde também começaram a organizar-se.
As pessoas aprenderam que se os políticos não promovem as mudanças, devem fazê-lo elas próprias, através da luta coletiva no seu local de trabalho. Até consultaram os maiores sindicatos e confederações sindicais a nível internacional sobre como se organizar.
Esta ação dos sindicatos aumentou enormemente com a resistência à invasão russa, à medida que as pessoas procuram solidariedade e apoio uns nos outros. Nas últimas semanas, os trabalhadores de várias empresas encarregaram-se de distribuir bens para satisfazer as necessidades das pessoas no meio da guerra, existem muitos relatos desse tipo de ações, provenientes de diferentes cidades. Por exemplo, os trabalhadores de um armazém local de alimentos que ajudaram refugiados que precisavam de alimentos; ou gerentes de lojas de material de construção que entregaram bens para uso nas fortificações da cidade. Uma espécie de expropriação dos expropriadores!
No meio desta guerra, a resistência solidifica a capacidade das pessoas de influenciarem a mudança. Isso será importante após a guerra, à medida que a batalha sobre como fazer a reconstrução e em benefício de que interesses se tornar a questão central. Espero sinceramente que, uma vez terminado este inferno, esse espírito de solidariedade coletiva possa forjar um novo caminho para a Ucrânia.
Se isto acontecer abrirá novas oportunidades para a esquerda ucraniana. Teremos de adaptar um pouco o nosso discurso e linguagem para que o nosso programa faça sentido para as pessoas que têm realmente más recordações do passado estalinista. No entanto, as pessoas andam à procura de soluções sociais coletivas para problemas profundos do capitalismo ucraniano e global.
Os socialistas têm de se inserir nestas lutas por melhorias imediatas nas condições de vida das populações e mostrar que temos ideias importantes sobre como reconstruir a nossa sociedade. Se o conseguirmos fazer com sucesso, poderemos ajudar a superar a crise de representação que tem assolado as ondas de resistência e oferecer uma verdadeira alternativa aos oligarcas e à direita.
AS: Uma questão que Putin e a esquerda “campista”1 exageraram, de modo a atingir os seus próprios objetivos políticos, é o surgimento da extrema-direita no país. Qual é a verdade sobre a extrema-direita na Ucrânia? Como se desenvolveu, quais são as suas várias forças e qual a sua real influência no sistema político e militar?
YY: Esta é uma questão muito importante e, francamente, assustadora. Porque a verdade é que a política na Ucrânia está no fio da navalha e poderá cair para o lado da direita e não apenas para a esquerda. Embora concorde consigo sobre o facto de que o papel e a importância da extrema-direita têm sido exagerados, ela constitui uma questão real e uma verdadeira ameaça.
É evidente que isso tem sido exagerado pelos separatistas, por Putin e pelos seus estranhos apoiantes no Ocidente. Todos eles têm mostrado pessoas com símbolos nazis e pintado a Ucrânia como um governo e uma nação de fascistas, ou pelo menos governada por eles. Isto é completamente falso. O apoio aos partidos de extrema-direita tem diminuído drasticamente.
A maioria das pessoas, mesmo dentro do Batalhão de Azov, não se apercebem das associações nazis dos símbolos que usam, não conhecem a história de Stepan Bandera, que vêem como alguém que lutou pela liberdade da Ucrânia. Mas existe uma minoria que está muito consciente deste passado nazi e é fascista, especialmente na liderança de alguns dos partidos de extrema-direita e do Batalhão de Azov. Isso faz-me sentir profundamente preocupada com eles, considero-os uma ameaça.
Por isso, seria um erro descartar a ameaça da extrema-direita. Os partidos de extrema-direita são uma força pequena mas significativa, tal como o Batalhão Azov o é face ao exército em geral. O Azov tem bastante força. Tem campos de Verão para recrutar pessoas para as suas fileiras. E pode ganhar mais apoio à medida que as suas forças vão sendo aclamadas como heróis da guerra na defesa de Mariupol.
Estas forças de extrema-direita representam uma ameaça para o futuro de uma Ucrânia multiétnica. Têm feito pressão para a aprovação de leis linguísticas terríveis que discriminam os ucranianos russófonos, leis que não apenas são erradas como irão ainda alimentar a narrativa dos separatistas russos.
É claro que a Ucrânia precisa de decolonização e “des-russificação”. O russo continua a ser a língua principal na maior parte do país. E, para ser claro, os ucranianos russófonos não são, em geral, oprimidos. Mas os ucranianos ucranófonos têm-no sido. Por exemplo, quando frequentei a escola, fui alvo bullying por falar ucraniano.
A solução não é imitar o colonizador no processo de decolonização e reprimir os russófonos e a língua russa. Tem de haver igualdade de direitos linguísticos e não novas formas de discriminação. Esta será uma questão urgente no processo de reconstrução do país.
Sou pela vitória da Ucrânia na restauração das suas fronteiras e pelo fim da ocupação russa. Mas isso irá iniciar todo um processo de reconciliação para terminar com o conflito cultural que os oligarcas e os seus políticos fabricaram e armaram. Isto será um enorme desafio porque a invasão russa despertou um grau saudável de nacionalismo ucraniano, especialmente quando o pretexto de Putin para a guerra foi o de que o nosso país nem sequer era um país. Temos de evitar que isso se transforme em xenofobia e etno-nacionalismo.
Teremos de ultrapassar o desejo de renovar símbolos antigos e problemáticos, recuperados do passado, num esforço para provar que somos uma nação. Em vez disso, temos de aproveitar a oportunidade histórica de reconstruir a Ucrânia como um país multiétnico, multi-religioso, no qual todas as minorias têm direitos iguais à sua língua, ensino e cultura.
Essa é a tarefa da esquerda e das organizações da classe trabalhadora e implicará desafiar o domínio dos oligarcas, dos seus políticos e da direita. A política de solidariedade tem de triunfar; caso contrário arriscamo-nos a confirmar a mentira obscena de Putin de que somos uma nação de intolerantes e fascistas.
AS: Isto levanta a questão de qual será o resultado da guerra. Parece que Putin foi forçado a desistir do seu objetivo de mudança de regime, tentando agora devastar a parte ocidental da Ucrânia e dividir o país, assegurando o controlo de Donbass como uma ponte terrestre para a Crimeia. Que impacto terá isso na Ucrânia, na resistência e na economia política do país?
YY: Se me tivesse feito esta pergunta há apenas três semanas, eu teria dito que se Putin concordasse em retirar-se e se se agarrasse apenas a essas ditas repúblicas, os ucranianos poderiam aceitar uma proposta nesse sentido. Mas agora, depois dos horrores desta guerra, da destruição de Kharkiv e Mariupol, dos horrores dos arredores de Kyiv, do enorme número de vidas perdidas, brutalizadas e de pessoas deslocadas, os ucranianos não irão ceder.
O povo ucraniano tentou de tudo para pôr fim a este pesadelo. Tentámos conversações de paz através do processo de Minsk. Mantivemos um cessar-fogo (mesmo continuando o fogo inimigo) de modo a não dar a Putin a desculpa para lançar uma guerra. Nada disto funcionou. O chamado processo de paz acabou por abrir o caminho para Putin invadir o país num ataque completamente não provocado. Há anos que planeiam isto, chantageando pessoas, mentindo sobre os acontecimentos e enviando milhares de agentes para se infiltrar no país, identificar alvos e sinalizá-los.
Agora temos milhares de mortos, milhões de deslocados e destruição de infraestruturas no valor de centenas de milhões de dólares. Depois de tudo isto, poucos concordarão em entregar partes inteiras do país aos invasores. Os ucranianos estão a aperceber-se de que, se não ganharmos esta guerra, não haverá Ucrânia. Se houver partes ocupadas do país, haverá uma insurreição contra as forças russas, que por sua vez irão inventar outra guerra. Não haverá paz.
Putin não reconhece o direito da Ucrânia a existir como país independente e, por isso, temos de contra-atacar. Não aceitaremos a divisão do país em algo como a Coreia do Norte e do Sul. Isso significa uma longa luta, mas as pessoas levá-la-ão a cabo.
Há muita coisa indefinida neste momento. O resultado irá depender de sermos capazes de garantir armas para nos defendermos e recuperarmos o nosso país, de sermos capazes de manter as nossas exigências nestas ditas “negociações” e do regime russo entrar ou não em colapso. Mas não nos contentaremos com nada menos do que a reunificação e a independência da Ucrânia.
AS: Há um debate importante na esquerda internacional sobre qual a posição a tomar em relação à guerra e quais as exigências a colocar. O que é que defende que devemos fazer?
YY: Mais uma vez, a esquerda internacional deve utilizar uma perspetiva decolonial ao pensar na Ucrânia. Nós estamos a lutar contra a Rússia, o nosso opressor imperial histórico. Há muito tempo que somos política, económica, cultural e linguisticamente dominados e colonizados.
Penso que algumas pessoas ainda têm a visão turvada por uma oposição unidimensional apenas ao imperialismo dos EUA. Mas os EUA não são o agressor nesta situação. A Rússia é que é. É claro que a NATO é um fator, mas não o determinante. Deverá a NATO existir? Claro que não. Já devia ter sido desmantelada há muito tempo. Todos estamos de acordo quanto a isso.
Mas vamos concentrar-nos na questão central: o imperialismo russo e a luta de libertação ucraniana. Putin deixou muito claro durante anos que não reconhece a Ucrânia como uma entidade separada, afirmando na sua recente declaração que o país foi criado pelos bolcheviques. Ele quer recuperar a Ucrânia, submetendo-a ao domínio russo, e tem vindo a atacá-la militarmente desde 2014, levando a cabo uma divisão do país completamente ilegal, fabricada e violenta.
A esquerda internacional deve ser solidária com a Ucrânia enquanto nação oprimida e com a nossa luta pela autodeterminação. Isto inclui o nosso direito a garantir armas para os nossos combatentes e voluntários conquistarem a nossa liberdade.
Mas a esquerda não deve apoiar os apelos para o encerramento dos céus ou o pedido de uma zona de exclusão aérea imposta pela Nato. Isso significaria uma guerra aérea entre combatentes americanos e europeus, de um lado, e combatentes russos do outro, que arriscaria tornar-se uma guerra mais vasta entre potências nucleares. Basta ver o que as intervenções dos EUA têm feito noutras partes do mundo, como o Iraque e o Afeganistão.
Os combatentes dos EUA e da Nato não se preocupariam com os danos que a sua guerra aérea causaria na Ucrânia. Ordenar-nos-iam que evacuássemos as cidades para que pudessem levar a cabo um ataque militar em grande escala contra as forças russas, destruindo ainda mais o nosso país e matando inevitavelmente mais ucranianos nesse processo.
Na sequência desta guerra atual, iremos precisar de algum tipo de força de manutenção da paz, talvez de forças de manutenção da paz da ONU. Mas isso será difícil, pois a ONU é uma organização fundamentalmente antidemocrática, tendo países (como a Rússia) que podem vetar no Conselho de Segurança uma tal força de manutenção da paz. Mas iremos precisar de forças internacionais sujeitas a algum tipo de supervisão para evitar mais conflitos. Será necessário construir uma nova ordem de segurança internacional, com suspensão automática dos agressores, sem vetos, sem membros permanentes de um Conselho de Segurança, com garantias mútuas reais, de modo a que se possa evitar sofrimento futuro num mundo desmilitarizado.
Ashley Smith é um escritor e ativista socialista residente em Burlington, Vermont. Tem escrito em numerosas publicações, incluindo o Truthout, International Socialist Review, Socialist Worker, ZNet, Jacobin, New Politics, Harpers e muitas outras publicações impressas e online. Está atualmente a trabalhar num livro a publicar pela editora Haymarket intitulado Socialismo e Anti-Imperialismo.
Este artigo foi originalmente publicado a 11 de abril no Spectre(link is external). Traduzido por Paulo Antunes Ferreira para o Esquerda.net.
Nota:
1 “O campismo foi a ideologia mais poderosa na esquerda durante a etapa da guerra fria, quando o estalinismo era uma corrente muito mais influente do que hoje: sustentava que o mundo estaria dividido em dois campos, o socialista e o capitalista, e a URSS seria a retaguarda histórica da luta pelo socialismo. Era a forma teórica da justificação de que os interesses diplomáticos da URSS deveriam ser considerados prioritários na luta contra a dominação imperialista do mundo”. In Valerio Arcary, Bielorússia: internacionalismo socialista e campismo russófilo(link is external). Os campistas acreditam que o mundo está dividido em dois campos: o imperialista e o anti-imperialista. É, portanto, dever dos socialistas apoiar o lado do campo anti-imperialista. Na prática, isto equivale a opor-se ao imperialismo dos Estados Unidos, suspendendo ao mesmo tempo as capacidades de pensamento crítico em relação ao imperialismo de outros países. Para os campistas, apenas os EUA (o líder do campo imperialista) são culpados de imperialismo. Nota do Tradutor.