Aram Aharonian, Clae/DMT, 12 de maio de 2020
Para ser trabalhador é necessário ter trabalho. Um direito em extinção?
Neste primeiro de maio, trabalhadores e membros de associações, populares, camponeses, indígenas e sindicalistas, estarão juntos aos que menos têm, garantindo a eles pelo menos um prato de comida, com suas panelas populares e sua solidariedade em meio à crise que revelou-se com a pandemia de Covid-19, mas que foi gerada pelas políticas de ajuste dos governos neoliberais da região.
Talvez essa seja a melhor maneira de festejar ou comemorar o Dia do Trabalhador nesta região, a mais desigual do mundo, em um momento em que o trabalho é escasso e ameaça ser um direito humano quase em extinção, abrindo enormes pontos de interrogação na maioria de nossos povoados.
Não há trabalho. Não há saúde, nem alimentação. Trapos vermelhos nas cidades e vilas colombianas dão conta da demanda popular de solidariedade, excluída pelo governo de extrema direita de Iván Duque, que grita “temos fome”. Centenas de gavetas e cadáveres abandonados nas ruas de Guayaquil, panelaços no Equador, no Chile, no Brasil. A reivindicação é, talvez, a mesma de mais de 15 décadas atrás: pão, paz e trabalho.
Milhares de peruanos viajam centenas de quilômetros pelas principais estradas do país, deixando Lima e outras grandes cidades onde até pouco tempo subsistiam, para retornar às suas cidades andinas em busca do sustento da terra que o Estado lhes nega.
Os mártires, o mundo de hoje e o mundo que virá
Em (quase) todo o mundo, todo primeiro de maio é comemorado o Dia Internacional do Trabalhador, em homenagem aos “Mártires de Chicago”, assim chamado um grupo de sindicalistas anarquistas que foram executados em 1886, nos Estados Unidos, por reivindicarem uma jornada de trabalho de oito horas. Nos Estados Unidos, no entanto, o Dia do Trabalho é comemorado na primeira segunda-feira de setembro, em homenagem aos Knights of Labor e para que o povo esqueça as demandas de Chicago.
Em nossa região, abre-se uma nova fase de desenvolvimento das relações de trabalho, na qual o impacto do desemprego, do subemprego e do corte nos salários de setores amplos exige novas soluções econômicas, sociais e jurídicas, de perspectivas nunca antes vistas. A pandemia global alterou tanto esse debate quanto o cenário histórico dos direitos trabalhistas. Os direitos trabalhistas “clássicos”, nascidos há quase um século, foram ultrapassados nas atuais circunstâncias latino-americanas.
Vamos ver o que os estudos dos especialistas nos dizem. Até agora, neste ano, 81% da força de trabalho global – mais de 2,7 bilhões de trabalhadores – sofrem com o desemprego total ou parcial. Se essa tendência continuar, na segunda metade do ano a redução no emprego atingirá 195 milhões de trabalhadores em período integral, com jornada de trabalho de 48 horas semanais.
Segundo a Organização Internacional do Trabalho, 3,3 bilhões de pessoas já estão sendo afetadas, de uma maneira ou de outra, pela crise do trabalho. 1,2 bilhão, ou seja, 38% da população ativa do mundo, está distribuída em setores que experimentam uma queda acentuada na produção, em particular o comércio varejista, serviços de hospedagem e alimentação, e indústrias manufatureiras.
No segundo nível do impacto – mais de 11% – estão os setores das artes, entretenimento, recreação, transporte, informação e comunicação. Entre os setores até agora menos atingidos pelo desemprego estão saúde, educação, serviços públicos essenciais, administração pública e defesa, bem como agricultura e pecuária. Enquanto isso, atividades de construção, mineração, seguros e financeiras estão sendo moderadamente afetadas em todo o mundo.
O alarme soa em relação aos trabalhadores da economia informal, que representam cerca de 2 bilhões de pessoas, a maioria em países emergentes e em desenvolvimento de baixa e média renda. Com o agravante de que, no geral, carecem de proteção básica, cobertura previdenciária, assistência médica e, em caso de doença, substituição de renda.
Regiões inteiras, como a América Central ou a América Andina, são altamente dependentes de atividades informais. Elas também têm uma forte incidência nas concentrações urbanas latino-americanas, de Buenos Aires à Cidade do México, passando por Bogotá, Caracas, Lima ou La Paz.
O setor de telecomunicações, nas mãos de cinco multinacionais, prospera graças à extração de dados pessoais e à venda de previsões sobre o comportamento dos usuários de internet e redes sociais para quem paga por eles. As empresas (e governos) entenderam que, para aumentar os benefícios (financeiros e de manipulação do imaginário coletivo), era necessário tentar modificar o comportamento humano em larga escala.
Hoje, a força de trabalho não é mais configurada por funcionários que recebem um salário em troca de seu trabalho, mas por usuários de aplicativos e serviços gratuitos, satisfeitos em adquiri-los em troca de fornecer, sem consentimento, a várias empresas, um registro de suas experiências de vida.
Foi estimado, antes da pandemia, que até 2030 seriam necessários mais de 600 milhões de novos empregos, apenas para acompanhar o crescimento demográfico. Isso equivale a cerca de 40 milhões de empregos por ano.
Simultaneamente, falou-se da necessidade de melhorar as condições de 780 milhões de mulheres e homens que trabalham, mas que não ganham o suficiente para sair da pobreza de apenas dois dólares por dia.
Este ano e após a pandemia (não se sabe quando será interrompida), o Produto Interno Bruto da América Latina e do Caribe sofrerá uma queda de 5,3% e o número de pobres crescerá 4,4%, ultrapassando os 186 milhões de 2019, para 214,7 milhões, quase 29 milhões a mais, de acordo com o último relatório da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL).
A taxa de desemprego na região será de 11,5%, um aumento de 3,4 pontos percentuais em relação ao nível de 2019 (8,1%), atingindo quase 38 milhões de desempregados, 12 milhões a mais do que em 2019, enquanto a pobreza extrema atingirá 13,5% dos latino-americanos, com um aumento de 16 milhões de pessoas.
Os efeitos da Covid-19 gerarão a maior recessão que a região sofreu desde 1914 e 1930. É esperado um aumento acentuado do desemprego, com efeitos negativos sobre a pobreza e a desigualdade. O acesso a recursos financeiros é urgente para a região, com base no apoio flexível de organizações financeiras multilaterais, acompanhado por linhas de crédito de baixo custo, alívio do serviço da dívida e eventuais cancelamentos da dívida, acrescentou o órgão das Nações Unidas.
Além da pandemia, há questões relacionadas ao futuro do trabalho que afetam o presente e o futuro e, em particular, os grupos mais vulneráveis, como mulheres, migrantes, comunidades rurais e povos indígenas.
Na longa lista está o impacto no emprego, no trabalho e nas condições de trabalho das novas tecnologias. Mas, também, a redução do volume de emprego (desemprego tecnológico), o tele-trabalho, o trabalho autônomo, o empreendedorismo, a precariedade tecnológica e a uberização.
Ficaram no esquecimento os debates sobre movimentos sociais que agrupam os excluídos (um fenômeno transitório resultante da crise capitalista?) e a relação com o sindicalismo; na proposta de renda básica, na passagem da regulamentação trabalhista para a comercial/civil.
Ou para atividades de trabalho sem regulamentação e sobre os desafios para a organização e representação sindical diante das mudanças no sistema de organização empresarial.
Como vem acontecendo historicamente no movimento trabalhista, as opções são de adaptação ou confronto. Neste primeiro de maio, com pandemia, não haverá grandes manifestações, mas a luta continuará a mesma, a esperança de um novo mundo, necessário, essencial para todos, é a bandeira.
Aram Aharonian é jornalista e comunicador uruguaio, mestre em Integração e fundador da Telesur. Ele preside a Fundação para a Integração Latino-Americana (FILA), dirige o Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE) e Sur y Sur TV.