Gilbert Achcar, Europe Solidaire Sans Frontière, 27 de fevereiro de 2022
A invasão russa da Ucrânia é o segundo momento decisivo da Nova Guerra Fria em que o mundo tem mergulhado desde a virada do século, como resultado da decisão dos EUA de expandir a OTAN. O primeiro momento decisivo foi a invasão do Iraque, liderada pelos EUA, em 2003. Ela terminou no completo fracasso para atingir os objetivos imperialistas dos EUA. O preço que o Iraque pagou - e continua pagando junto com os países vizinhos - foi enorme, mas a propensão do imperialismo norte-americano para invadir outros países foi severamente cerceada, como foi confirmado pela recente retirada dos EUA do Afeganistão.
O destino da invasão russa da Ucrânia determinará a propensão de todos os outros países para a agressão. Se ela falhar, o efeito sobre todas as potências globais e regionais será de uma poderosa dissuasão. Se conseguir, isto é, se a Rússia conseguir "pacificar" a Ucrânia sob as botas russas, o efeito será um grande deslize da situação global em direção à lei da selva desenfreada, encorajando o próprio imperialismo americano e seus aliados a retomarem suas próprias posições agressivas.
Por enquanto, a resistência heróica do povo ucraniano desarticulou todo o espectro de admiradores reacionários de Vladimir Putin, desde a direita e a extrema-direita global até os apoiadores pseudo-esquerdistas do imperialismo russo. Uma vitória de Putin na Ucrânia reforçaria tremendamente esta gama de políticas reacionárias.
Além da condenação geral da invasão russa, houve também alguma confusão nas fileiras dos verdadeiros anti-imperialistas sobre a posição específica a tomar em questões relacionadas com a guerra em curso. É importante esclarecer estas questões.
1. Não basta apelar para que a Rússia pare seus ataques e exija "um cessar-fogo imediato e um retorno à mesa de negociações". Não usamos uma linguagem semelhante à da ONU quando os Estados Unidos invadiram o Iraque, mas exigimos a retirada imediata e incondicional dos agressores, como temos feito em todos os casos de invasão de um país por outro. Da mesma forma, devemos exigir não apenas o fim da agressão, mas também a retirada imediata e incondicional das tropas russas da Ucrânia.
2. A exigência da retirada russa se aplica a cada centímetro do território da Ucrânia - incluindo o território invadido pela Rússia em 2014. Quando há uma disputa sobre o pertencimento de qualquer território em qualquer parte do mundo - como a Crimeia ou províncias na Ucrânia Oriental, neste caso - nunca aceitamos que ela seja resolvida pela força bruta e pela lei do mais forte, mas sempre apenas através do livre exercício pelo povo interessado de seu direito à autodeterminação democrática
3. Somos contra os apelos à intervenção militar direta de uma força imperial contra outra, seja com soldados no território, seja com a imposição de uma Zona de Exclusão Aérea à distância. Como uma questão de princípio geral, somos contra a intervenção militar direta de qualquer força imperialista em qualquer lugar. Pedir a uma delas que entre em conflito com outra é o mesmo que desejar uma guerra mundial entre potências nucleares. Além disso, não há como tal intervenção ser realizada dentro dos limites do direito internacional, já que a maioria das grandes potências imperialistas tem direito de veto no Conselho de Segurança da ONU. Mesmo que se possa compreender facilmente que as vítimas ucranianas da agressão possam fazer tais apelos por desespero, elas são exigências irresponsáveis.
4. Somos a favor da entrega de armas defensivas às vítimas da agressão sem compromissos - neste caso, ao Estado ucraniano que luta contra a invasão russa de seu território. Nenhum anti-imperialista responsável pediu que a URSS ou a China entrassem na guerra no Vietnã contra a invasão dos EUA, mas todos os anti-imperialistas radicais eram a favor do aumento das entregas de armas por Moscou e Pequim à resistência vietnamita. Dar àqueles que estão lutando uma guerra justa os meios para lutar contra um agressor muito mais poderoso é um dever internacionalista elementar. A simples oposição a tais entregas é contraditória com a solidariedade básica com as vítimas.
5. Não temos, em princípio, uma atitude geral sobre sanções. Éramos a favor de sanções contra o estado sul-africano do Apartheid e somos a favor de sanções contra a ocupação colonial da Palestina por colonos israelenses. Éramos contra as sanções impostas ao Estado iraquiano depois de ter sido destruído pela guerra em 1991, pois eram sanções assassinas que não serviam a uma causa justa, mas apenas à subjugação de um Estado ao imperialismo norte-americano a um custo quase genocida para sua população. As potências ocidentais decidiram todo um conjunto de novas sanções contra o Estado russo por sua invasão da Ucrânia. Algumas delas podem de fato reduzir a capacidade do regime autocrático de Putin de financiar sua máquina de guerra, outras podem ser prejudiciais à população russa sem afetar muito o regime ou seus parceiros oligárquicos. Nossa oposição à agressão russa combinada com nossa desconfiança em relação aos governos imperialistas ocidentais significa que nem devemos apoiar suas sanções, nem exigir que elas sejam levantadas.
6. Finalmente, a questão mais óbvia e direta de todas sob uma perspectiva progressista é a exigência de que todas as fronteiras sejam abertas aos refugiados ucranianos, como deveriam ser para todos os refugiados que fogem da guerra e da perseguição de qualquer parte do mundo que venham. O dever de acolher e apoiar os refugiados e o custo disso deve ser compartilhado equitativamente por todos os países ricos. A ajuda humanitária urgente também deve ser fornecida aos deslocados internos dentro das fronteiras da Ucrânia.
Solidariedade com o povo ucraniano!