Dardo Justino Rodríguez, Latinoamerica 21, 30 de setembro de 2021
2020 foi o ano mais letal para aqueles que defendem seus lares, seus meios de subsistência, a terra e os ecossistemas. Assim diz a ONG britânica Global Witness em seu relatório “Última linha de defesa”. Além dos terríveis efeitos sobre a mudança climática, a exploração irresponsável dos recursos, baseada na ganância sem freio, desencadeou uma violência que vem crescendo e que fez da América Latina o lugar mais perigoso do mundo para os defensores da terra.
Os exploradores, entretanto, já não se limitam a atentar contra os líderes de grupos ambientalistas, agora também atacam simples aldeões que procuram resguardar seus entornos e suas parcelas. Três em cada quatro pessoas assassinadas por razões ambientais no mundo são latino-americanas. No total, 227 pessoas foram mortas em 2020, em comparação com as 219 do ano anterior na região.
A nível global, os países que lideram a lista dos mais perigosos são a Colômbia com 65 assassinatos, o México com 30, e as Filipinas com 29 mortes. Além dos homicídios, há toda uma série de ataques de vários tipos e gravidades, tais como prisões arbitrárias, ameaças, assédio, campanhas de difamação, violência sexual, assédio e processos judiciais não fundamentados (lawfares).
Colômbia, o país mais perigoso do mundo
Na Colômbia, o país mais perigoso do mundo para os defensores do meio ambiente, aproximadamente um terço das agressões foram contra nativos de diferentes etnias e contra populações afrodescendentes. Quase metade desses ataques foram contra pessoas envolvidas na agricultura de pequena escala. Estes dados devem se enquadrar em um contexto geral de ataques sistemáticos contra líderes sociais e ex-combatentes das FARC que assinaram o acordo de paz.
No México, onde a situação também é muito grave, foi registrado o maior aumento de violência e assassinatos de defensores ambientais em comparação com o ano anterior. De acordo com informações oficiais e ONGs ambientalistas, a exploração florestal está vinculada a um terço desses ataques, e metade deles foram dirigidos contra as comunidades indígenas. No México, aproximadamente 95% dos crimes ficam impunes.
Os números da Colômbia e do México são seguidos pelo Brasil com 20 assassinatos, Honduras com 17 e Guatemala com 13. Mas se levarmos em conta o número de assassinatos per capita, ou seja, o número de pessoas mortas em relação ao tamanho da população total, Nicarágua, Honduras, Colômbia e Guatemala encabeçam a lista.
Por que os matam?
Segundo o relatório da Global Witness, mais de um terço dos ataques mortais estão vinculados à exploração de recursos florestais, mineração e agronegócio em grande escala. Esta última indústria é especialmente perigosa no Brasil e no México, de acordo com dados de ONGs não incluídas no relatório da Global Witness. Outras causas de atentados são as disputas sobre a construção de barragens hidrelétricas e outras infraestruturas, em grande parte ilegais ou pelo menos irregulares.
O caso da líder Berta Cáceres, que foi assassinada por se opor à construção da barragem no rio Gualcarque em Honduras, teve o maior impacto a nível internacional e é um claro exemplo da situação prevalecente.
A Global Witness aponta em seu relatório que, apesar da gravidade dos dados, este não é um verdadeiro reflexo da extensão do problema, pois em muitos países a situação real enfrentada pelos defensores do meio ambiente é quase impossível de ser medida. O relatório observa que as restrições à liberdade de imprensa e a ausência de registros independentes de ataques resultam em subnotificações significativas. Portanto, os números publicados no relatório são, infelizmente, uma subestimativa do estado real da situação.
O papel das empresas
O relatório observa que “muitas empresas se envolvem em um modelo econômico extrativista que prioriza o lucro de forma esmagadora” sobre questões como os direitos humanos e o meio ambiente. Este poder corporativo desproporcional e irresponsável “é a força subjacente que não só levou a crise climática à beira do colapso, mas perpetuou a matança de seus defensores”.
Em muitos países ricos em recursos, esses predadores operam com impunidade quase total e, em algumas ocasiões, em cumplicidade com os governos, por isso é pouco frequente que os culpados paguem por seus crimes. E nos casos onde a justiça interfere, ela acaba agindo contra os autores materiais, mas nunca contra os responsáveis intelectuais. No caso do assassinato de Berta Cáceres e outros líderes Lencas, embora os autores materiais tenham sido condenados, a justiça se nega a abrir uma investigação sobre os autores intelectuais.
Embora não seja comum que os criminosos paguem por seus crimes, em muitos casos são os próprios defensores do meio ambiente que acabam presos. Em Honduras, esta situação é evidente. No caso do rio Guapinol, os defensores do rio que se opuseram a um projeto de mineração estão em prisão preventiva há dois anos, em um julgamento baseado em argumentos insustentáveis e orquestrado pelo poder político-institucional e em defesa dos interesses de um empresário local.
Neste contexto, cabe afirmar que enquanto os recursos continuarem sendo explorados de forma irresponsável e com total impunidade, os ataques contra os defensores do meio ambiente e a própria crise climática continuarão se agravando. Somente os governos, aprovando novas leis e aplicando-as, podem reverter esta situação para proteger o meio ambiente e os direitos humanos.
Dardo Justino Rodríguez é analista, comunicador e consultor independente de agências e organizações internacionais. Diretor nacional da Presagio Consulting Honduras. Tradução do espanhol por Maria Isabel Santos Lima