A cada dez segundos é derrubada uma área de floresta tropical correspondente à superfície de um campo de futebol. Estamos produzindo um planeta sem florestas. Mas este é uma Terra inabitável para boa parte da humanidade.
Jorge Paiva, Público, 4 de abril de 2021
Como as árvores são plantas de elevada biomassa, as florestas são ecossistemas de elevada biodiversidade. Infelizmente, temos vindo a destruí-las desde que aparecemos no Globo Terrestre.
A Ilha de Páscoa (Rapa Nui na língua nativa) situada no oceano Pacífico (Polinésia Oriental) e que hoje pertence ao Chile (a 3700 quilómetros da costa oeste deste país) esteve coberta por uma floresta subtropical antes da chegada de polinésios, há cerca de 1600-1700 anos (300-400 depois de Cristo). Esta floresta foi completamente devastada pelos rapanuios, o que, praticamente, provocou a extinção deste povo.
Um exemplo mais recente disso foi o da devastação florestal da Islândia. Antes da colonização humana e da pastorícia, a região de baixa altitude e não muito afastada do litoral era coberta por uma floresta (taiga), predominantemente com árvores de folha caduca (pouco diversificada), arbustos e subarbustos. Seguia-se-lhe, em altitude, a tundra natural e, finalmente, no “andar” confinante com as neves perpétuas e glaciares, o permafrost, com vegetação esparsa, entre rochas e nas anfractuosidades das rochas, e rochedos nus ou cobertos de líquenes ou de líquenes e musgos.
Com a ocupação humana, a floresta foi sendo derrubada, para construção de habitações e embarcações, produção de mobiliário e utensílios, bem como para lenha, acabando por desaparecer quase completamente (existem reduzidas relíquias da taiga natural).
Apesar de se ter este conhecimento, as florestas continuam a ser derrubadas a um ritmo verdadeiramente alucinante e drástico. Actualmente, por cada dez segundos é derrubada uma área de floresta tropical correspondente à superfície do relvado de um campo de futebol, ou seja, o equivalente à área de Inglaterra por ano. Assim, resta no Globo Terrestre pouco mais de 20% da cobertura florestal que existia depois da última glaciação (glaciação de Würm), isto é, após o início do período actual, o Holocénico.
Números da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) revelam que, na década de 2000 a 2010, 13 milhões de hectares por ano dessas florestas tropicais foram derrubados. Por exemplo, no Brasil, que está entre os cinco países com maior área de floresta, a perda chegou a 2,6 milhões de hectares anuais. Da floresta atlântica brasileira (não confundir com floresta amazónica), vulgarmente designada por Mata Atlântica, resta menos de 6% do que existia quando os portugueses descobriram o Brasil.
Entre 1985 e 2018, os humanos alteraram 268 milhões de hectares de solos na América do Sul, segundo imagens de satélite analisadas na edição desta semana da revista Science Advances por Viviana Zalles (e colegas), do Departamento de Ciências Geográficas da Universidade de Maryland, Estados Unidos. “Em 2018, 713 milhões de hectares (ou 40%) dos solos da América do Sul estavam degradados pela actividade humana. Desde 1985, a cobertura natural de árvores decresceu 16%, e os usos de solos para pastagens, agricultura e plantações aumentou, respectivamente, em 23%, 160% e 288%”, refere o artigo científico publicado na última sexta-feira, alertando que “estes resultados ilustram a apropriação em curso dos ecossistemas naturais na América do Sul”, o que intensifica as ameaças às funções prestadas por esses ecossistemas.
Apesar de se saber isso, a grande maioria da população mundial não tem a mínima noção do que está a acontecer ao planeta em que vivemos e que não é mais do que uma pequeníssima “ilha” do Universo, que temos vindo a desflorestar, assim como também é uma enorme “gaiola”, que temos vindo a abarrotar de lixo há milénios.
Já vimos (As Árvores e Nós I) que as árvores são produtoras de nutrientes, fábricas de oxigénio e sequestradoras de carbono e que nós somos consumidores de nutrientes e oxigénio e, com intensa acção poluidora. Também já vimos que todos os animais, por não serem produtores de nutrientes, dependem das plantas: os herbívoros que se alimentam delas; os carnívoros, que se alimentes destes e os omnívoros que se alimentas de plantas e animais.
Sabemos, portanto, que as florestas, particularmente as equatoriais (pluvisilva), devido à elevada biomassa vegetal que elaboram diariamente, são ecossistemas de elevadíssima biodiversidade. Sabemos, ainda, que os seres vivos (biodiversidade) constituem a nossa fonte alimentar, fornecem-nos substâncias medicinais (cerca de 90% são de origem biológica), vestuário (praticamente tudo que vestimos é de origem animal ou vegetal), energia (lenha, carvão, petróleo, ceras, resinas, etc.), materiais de construção e mobiliário (madeiras). Até grande parte da energia eléctrica que consumimos não seria possível sem a contribuição dos outros seres vivos pois, embora a energia eléctrica possa estar a ser produzida pela água de uma albufeira ou por aerogeradores, as turbinas precisam de óleos lubrificantes. Estes óleos são extraídos do “crude” (petróleo bruto, líquido viscoso constituído por uma mistura complexa de hidrocarbonetos), que é de origem biológica, assim como os gases naturais...
Se continuarmos a derrubar as florestas como temos vindo a fazer, calcula-se que no fim deste século o planeta onde vivemos, praticamente, não terá florestas. Isto é, a Terra estará transformada numa “ilha” sem florestas, tal como aconteceu com a Ilha de Páscoa e com a Islândia.
Por outro lado, a humanidade vive, actualmente, numa sociedade de economia de mercado, cuja preocupação predominante é produzir cada vez mais e com maior rapidez, de modo a conseguir-se o máximo lucro. Assim também acontece com os produtos alimentares que, por isso, são de pior qualidade, menos diversificados e mais poluídos.
O outro lado das revoluções
Hoje, a alimentação básica mundial depende de cereais tão altamente seleccionados e uniformes, que catástrofes, devidas a moléstias ou a variações climáticas, podem levar, rapidamente, a humanidade à fome. O mesmo acontece com a produção animal.
A designada “Revolução Verde”, foi iniciada (na primeira metade século XX) como a panaceia que resolveria o problema da fome, através de processos de cultivo intensivo e industrializado (monocultura). Assim, actualmente, utiliza-se na alimentação somente 1% das espécies de plantas, quando já foram utilizadas sete mil espécies. Mas, devido aos processos e interesses actuais, a alimentação humana utiliza, hoje em dia, um número muito limitado de espécies de plantas. A alimentação básica diária da população mundial depende fundamentalmente de oito cereais: trigo, cevada, milho, arroz, centeio, milho-miúdo, aveia e sorgo. Mas a superprodução destes cereais está, actualmente, tão altamente seleccionada e é, portanto, tão uniforme sob o ponto de vista genético que catástrofes, devidas ao aparecimento de qualquer nova doença ou a variações das condições climáticas, podem levar rapidamente a humanidade à fome.
Com a referida Revolução Verde, o mesmo está a acontecer com a produção animal. Hoje em dia, a pecuária intensiva e industrializada baseia-se em três grupos de ruminantes (bovinos, ovinos e caprinos), na suinicultura, na avicultura e na piscicultura. Aqui também os animais estão tão altamente seleccionados, que muitas raças e espécies correm sérios riscos de extinção com a consequente uniformidade genética, o que, também, constitui um elevadíssimo risco para a sobrevivência da humanidade.
Estamos, actualmente, em plena Revolução Biotecnológica com os designados seres transgénicos. Tal como com a Revolução Verde, a Revolução Biotecnológica está a ser propagandeada como a panaceia de poder resolver o problema da fome, parecendo não haver contrapartidas. Com a Revolução Verde não só se abarrotou a biosfera de produtos altamente tóxicos (agroquímicos e pesticidas) de tal modo que, praticamente, a água e todos os alimentos estão “envenenados”, em todo o Globo, como também não se resolveu o problema da fome. Apenas lucraram as grandes companhias de produtos químicos e de produtos alimentares.
Para conseguirem campos de cultivo e pomares uniformes e monoespecíficos, derrubam não só grandes áreas de floresta como todas as árvores dos campos agrícolas e dos pomares, com excepção das fruteiras.
O mesmo acontece com a produção animal. Para conseguirem áreas de pastorícia, não só derrubam florestas, como até as incendeiam, para, mais rapidamente, conseguirem pastagens sem qualquer árvore.
Sem florestas e com campos agrícolas e pastagens sem árvores e uma sociedade consumista não sobreviveremos e a Terra será uma “ilha” desflorestada, poluída, repleta de lixo e desabitada.