Rosto maquiado, roupas femininas e pulseiras com sinos nos pulsos e tornozelos que tilintam durante os espetáculos de dança e música com que entretêm os convidados do seu patrão. Este é o retrato dos bacha bareesh, meninos com idades entre 8 e 18 anos explorados sexualmente por senhores locais, homens de fé, funcionários do governo e pessoal militar no Afeganistão e obrigados a servir o seu bacha baz (o patrão) até que a primeira barba apareça.
Futura D'Aprile, Domani / IHU-Unisinos, 19 de agosto de 2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
A prática de tomar ao próprio serviço crianças e garotos ainda imberbes de quem podem abusar para seu próprio prazer, conhecida como bacha bazi, é particularmente difundida no país asiático há muito tempo, mas corre o risco de se expandir ainda mais agora que os talibãs voltaram ao poder. Quem acaba na rede dos bacha baz são principalmente menores que vivem em condição de extrema pobreza e desprotegidos, cedidos por suas próprias famílias em troca de dinheiro, raptados ou enganados para entrar no harém masculino de algum poderoso local com a promessa de uma vida melhor. Depois de se tornarem de pleno direito uma propriedade do bacha baz, essas crianças aprendem a cantar e dançar antes de serem exibidas durante as festas como símbolo de bem-estar e riqueza, bem como objeto de entretenimento.
Violências psicológicas
A tarefa dos bacha bareesh é entreter seu patrão e seus convidados com shows de dança e música, mas não só. Essas crianças são abusadas e estupradas repetidamente por seus bacha baz, bem como por seus amigos, que com o consentimento do "proprietário" podem obter serviços sexuais e serem entretidos de acordo com seus gostos.
Tudo isso na mais absolta impunidade, graças à proteção oferecida aos criminosos por um sistema corrupto e pelo estigma social que atinge as vítimas e suas famílias, obrigando-as a calar-se para preservar a honra. A condição de escravidão e exploração a que os bacha bareesh são condenados costuma durar até os 18 anos: quando chegam à idade adulta, os garotos são libertados, mas alguns deles não têm outra escolha a não ser continuar no caminho da prostituição.
Desprovidos de educação, de uma família e incapazes de se reintegrarem à sociedade pela vergonha e traumas psicológicos decorrentes de sua condição, esses jovens têm pouquíssimas perspectivas de futuro e poucas oportunidades de emancipação. As violências sexuais a que foram submetidos durante o crescimento e a negação de sua própria identidade de gênero têm um impacto particularmente negativo na formação de sua personalidade, muitas vezes relegando-os à margem da sociedade e incentivando-os ao abuso de álcool e drogas.
Os jovens que por anos serviram como bacha bareesh, de acordo com o denunciado pela Comissão Independente para os Direitos Humanos do Afeganistão (Aihrc), também apresentam distúrbios pós-traumáticos e vivem na ansiedade de que sua condição de escravos sexuais seja descoberta pela comunidade de pertença. Apesar disso, em vários casos, os bacha bareesh se transformam de vítimas em perpetradores, comprando por sua vez crianças para serem abusadas para seu próprio prazer e através das quais mostrar seu status social. Mas os abusos psicológicos não são os únicos com o qual essas crianças precisam lidar. Conforme revelado pela investigação conduzida pela Aihrc, os bacha bareesh também estão sujeitos a violências físicas que lhes causam hemorragias internas, protrusão de intestinos, lesões na garganta, fraturas de membros e outros tipos de abusos que em alguns casos podem até levar à morte.
Os algozes
O bacha bazi era inicialmente difundido no norte do Afeganistão entre os mujahideen que combatiam contra os soviéticos na década de 1980, mas nas últimas décadas tem encontrado cada vez mais espaço no país, tornando-se uma prática comum até mesmo entre as forças de segurança treinadas pelos Estados Unidos. Hoje é considerado normal que ex-senhores da guerra, funcionários do governo, militares, chefes de polícia ou cidadãos abastados tenham ao próprio serviço bacha bareesh.
Apenas no período entre 1996 e 2001, sob o regime dos talibãs, houve uma diminuição dessa prática por ser considerada incompatível com a lei islâmica, mas com a queda do Emirado voltou a se espalhar incontestada no Afeganistão. Conforme destacado por um relatório da ONU de 2019, a instabilidade crônica, a desigualdade de gênero, os serviços inadequados e as práticas discriminatórias resultantes da invasão do país e da guerra civil contribuíram para o aumento da violência sexual no Afeganistão, principalmente contra mulheres e crianças. Com a eclosão da guerra, o bacha bazi se tornou uma prática comum não apenas no norte, mas também nas áreas de maioria pashtun do sul e nas grandes cidades como Cabul e Kandahar, graças também a um vazio legislativo preenchido apenas em 2018.
Para complicar essa situação também contribuiu a difusão desse uso entre os oficiais da polícia afegã treinados por soldados dos EUA, que foram proibidos de intervir para proteger os menores abusados. Conforme revelado em uma investigação do New York Times de 2015, as tropas EUA foram obrigadas a ignorar esse tipo de violência e a tolerar o bacha bazi como fenômeno culturalmente aceito no Afeganistão.
Na realidade, de acordo com dados da Aihrc, a maioria da população é contrária ao bacha bazi, mas denunciar esse tipo de abuso é efetivamente impossível. O sistema judicial corrupto, o envolvimento de figuras políticas influentes e o estigma social que afeta as vítimas e as suas famílias contribui para cobrir com um véu de silêncio essa prática. Os poucos menores que no passado denunciaram seu carrasco foram acusados de homossexualidade e condenados a penas de prisão ou mesmo à morte naquelas aldeias onde o poder de decisão ainda está nas mãos dos senhores locais.
As relações entre pessoas do mesmo sexo são consideradas contrárias à lei islâmica e punidas severamente, mas aqueles que praticam o bacha bazi afirmam que não têm relações homossexuais no sentido estrito, não estando apaixonados pelos meninos que compraram. A falta de denúncias e o silêncio geral sobre essa prática dificultaram o apuramento da extensão do fenômeno, também devido ao desinteresse da classe política.
O fracasso das leis
Escravizar sexualmente menores é ilegal segundo várias convenções internacionais assinadas pelo governo afegão, mas a legislação nacional só recentemente enfrentou o problema.
Em 2018, o parlamento revisou o código penal e criminalizou a prática do bacha bazi, criminalizando tanto aqueles que compram crianças quanto aqueles que participam de eventos que envolvem a exploração e o abuso de menores. Uma punição ainda mais severa está prevista pelas forças da ordem envolvidas no bacha bazi, que correm o risco de serem condenadas a até quinze anos de prisão. A modificação do código, no entanto, não coincidiu com a sua implementação, nem com um aumento real da tutela em relação aos menores e às suas famílias, que continuam a não confiar numa instituição estatal muitas vezes ausente antes da sua queda final.
Para que esse fenômeno seja definitivamente erradicado é necessário eliminar a corrupção do sistema judiciário e policial, além de propiciar mudanças sociais e culturais. A difusão do bacha bazi deriva de uma situação de pobreza e insegurança que atinge os menores, mas também tem suas raízes na segregação de gênero e na falta de relações de igualdade entre homens e mulheres. Esperar esse tipo de mudança agora que os talibãs recuperaram o controle do país é, no entanto, impossível.