Governo manobra alteração na lei de 1967. Relatora está envolvida com três mineradoras. Mudanças incluem aprovação “automática” de licitações, flexibiliza fiscalização e coloca Estado sob comando de empresários.
Paulo Motoryn, Brasil de Fato, 7 de dezembro de 2021.
As mudanças no Código de Mineração que tramitam em um Grupo de Trabalho na Câmara dos Deputados são duramente criticadas por especialistas no tema e movimentos populares, como o MAM (Movimento Pela Soberania Popular na Mineração) e o Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração.
As entidades e deputados da oposição ao governo Bolsonaro apontam uma série de fatores que constam no relatório da deputada federal Greyce Elias (Avante-MG) como temerários. Um deles é aprovação “tácita” e compulsória de projetos minerários que não tenham sido licenciados pela Agência Nacional de Mineração (ANM) no prazo de 180 dias.
A votação do relatório no GT deve ocorrer nesta quarta-feira (8), às 11h. Na semana passada, um pedido de vistas coletivo feito por três deputados adiou a votação. Além das críticas ao texto, congressistas apontaram “conflito de interesses” na articulação para mudança no Código.
O deputado Ricardo Izar (PP-SP) falou sobre notícias veiculadas pela colunista Cristina Serra, do jornal Folha de S. Paulo, e pelo jornalista especializado Maurício Angelo, do Observatório da Mineração, segundo as quais haveria uma possível suspeição da relatora, Greyce Elias, para analisar o tema, por ser casada Pablo César, dono de mineradoras.
“O que me deixou muito preocupado foram algumas reportagens relativas ao seu Pablo [marido da deputada]. Eu não sei se isso tira um pouco da transparência e da independência do nosso grupo de trabalho… então eu queria que fosse pensada a questão da suspeição do relatório por causa do envolvimento direto do Pablo”.
A deputada Greyce Farias repudiou as insinuações de que seria suspeita para relatar o projeto do novo código de mineração. Além de ligado ao setor mineral, Pablo César atua na política. Foi vereador em Belo Horizonte (MG), diretor na Agência Nacional de Mineração (ANM) na gestão Michel Temer (MDB) e, hoje, é assessor do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
“As acusações levianas apresentadas à minha pessoa e à a minha família eu queria responder de forma cabal que eu discordo absolutamente. Se fosse assim, nenhum fazendeiro poderia participar da FPA [Frente Parlamentar da Agropecuária] ou de qualquer frente do agronegócio. Nenhum profissional poderia participar de nenhum debate importante. A empresa dele está sendo beneficiada, se ele tiver empresa?”, argumentou Elias.
Em reportagens veiculadas na imprensa, o marido da deputada afirmou que as duas empresas de que seria sócio já estão desativadas e que já havia vendido a parte dele há mais de seis meses. O Brasil de Fato não conseguiu fazer contato com Pablo César e Greyce Elias.
O deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP) apontou outro aspecto problemático das alterações na legislação. Segundo ele, o novo Código de Mineração deveria ser analisado por uma comissão especial da Câmara, a ser criada especificamente para esta finalidade.
“A comissão especial é prevista no regimento. O grupo de trabalho é uma proposta, é uma ferramenta do presidente da Casa para montar um grupo de estudo, mas ele não obedece aos ritos proporcionais da Casa, das comissões permanentes e das especiais, apontou.”
Em resposta, o coordenador do GT, o deputado federal Evandro Román (Patriota-PR), admitiu que a criação do mecanismo foi uma “alternativa” encontrada pelo presidente da Câmara o deputado Arthur Lira (PP-AL) para levar o projeto direto ao plenário da Casa.
O deputado Airton Faleiro (PT-PA) advertiu que o projeto tem outros pontos preocupantes, como a dispensa de licença ambiental, e fere frontalmente a autonomia dos estados e municípios, aos quais seria vedada a prerrogativa de autorizar e fiscalizar a atividade de mineração.
Segundo Faleiro, outro ponto grave proposto é a imposição da atividade minerária, que se sobreporia às demais atividades, inclusive no que se refere às áreas de interesse público. “Se numa determinada localidade se pretende uma outra atividade, como pequena barragem ou assentamento, a atividade minerária se sobrepõe”, denunciou o parlamentar.
Por outro lado, a Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais e do Brasil (Amig) publicou uma carta defendendo seus interesses na proposta de reforma da legislação e sugerindo mudanças. Nesta semana, entidades ligadas a estados e municípios com atividade mineral foram recebidas por deputados e senadores no Congresso Nacional.
Jarbas Vieira, da direção nacional do MAM, fez duras críticas ao projeto de Greyce Elias em entrevista ao Brasil de Fato: “Foi apresentado pela relatora um projeto que tem um caráter de retirar o papel ativo do Estado dentro do setor sobre os bens minerais. O Estado passa a ser essencialmente um mero organizador dos interesses empresariais. Esse é o caráter geral”.
Em nota, o Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração centrou fogo contra a falta de participação da sociedade civil no Grupo de Trabalho: “Diferentemente da tramitação que houve entre 2013 e 2015, quando ainda houve alguma participação das organizações da sociedade civil que atuam na defesa dos povos e territórios em conflito com a mineração e de grupos ambientais, a atual não os contemplou nos debates e tampouco aderiu às proposições advindas desse segmento da sociedade.”
Entenda quem é quem
Imagem mostra perfis e responsáveis pela articulação em torno das mudanças do Código de Mineração | Arte: Brasil de Fato