Resolução do Anticapitalistas, seção espanhola da IV Internacional. 31 de maio de 2022. Tradução livre de Daniel Lopes.
A inaceitável invasão da Ucrânia pelo regime de Putin trouxe a guerra de volta à Europa e desencadeou uma série de consequências inerentes ao capitalismo. Esta resolução visa nos fornecer uma base para reflexões ao debate da Ucrânia, da maneira mais concisa possível, reunindo uma série de posições produzidas pelos debates em andamento em nossa organização.
1.- A invasão da Ucrânia pelo regime de Putin é uma invasão imperialista, na qual um poder regional estruturado em torno de um regime oligárquico, reacionário e ultra-conservador tenta manter sua esfera de influência através da guerra, estabelecendo seus próprios governos ao seu redor através do exercício da força política/militar. Somos inequivocamente contra esta invasão e solidários com o povo ucraniano.
2.- Nesta guerra existem pelo menos três fatores interligados que formam uma estrutura complexa e difícil. Por um lado, a invasão imperialista russa impulsionada pelo regime de Putin. Por outro lado, uma guerra civil em uma parte da Ucrânia que já dura há 8 anos, gerada por uma burguesia ucraniana com um projeto etno-nacionalista, incapaz de oferecer um projeto multinacional, e encorajada pelo intervencionismo russo. Ambos os setores são co-responsáveis pelo fracasso dos acordos de Minsk.
Por outro lado, um conflito inter-imperialista entre blocos. Os EUA, com a cumplicidade subalterna da UE, estão tentando transformar o legítimo direito do povo ucraniano de resistir em uma guerra de "procuração" (indiretamente através de terceiros países) em um enfraquecimento da Rússia, mas visando a China, com a intenção de reforçar seu papel de hegemonia no capitalismo global. Os carregamentos de armas militares e as sanções contra a Rússia não são um sinal de solidariedade com o povo ucraniano, mas fazem parte desta estratégia.
É óbvio que o regime de Putin não alcançou seus objetivos imediatos nesta guerra: a Ucrânia resistiu à invasão, apoiada em parte pelo apoio militar e financeiro das potências ocidentais, mas sustentada pela vontade da maioria do povo. A guerra está estagnada, se tornando crônica e parece arrastada: nenhum dos lados parece ser capaz de encontrar uma saída para o conflito.
Nossa posição neste conflito se baseia em três princípios socialistas fundamentais: independência de classe em relação aos governos capitalistas, solidariedade internacionalista e direito de autodeterminação dos povos. A este respeito, estamos preocupados com os efeitos da guerra tanto na Ucrânia quanto na Rússia, e alertamos que o prolongamento da guerra exacerba as tendências mais reacionárias no terreno, bem como o perigo de escalada nuclear e extensão territorial do conflito.
O governo Putin reprimiu duramente os setores antiguerra na Rússia e promove um nacionalismo reacionário e neo-czarista exacerbado, que procura coexistir o país em torno de sua turma oligárquica a fim de enquadrar a população diante da crise de guerra. O governo de Zelensky ilegaliza a oposição e fomenta os laços da burguesia ucraniana com os EUA, enquanto busca um modelo de nacionalismo ucraniano anti-polinolinista. Em ambos os países, a extrema direita se normalizou e está aproveitando a dinâmica da guerra para se fortalecer.
5.- Não há dúvida que ambos os regimes são contrários aos interreses da classe trabalhadora, das mulheres, dos LGBTQAI+ e de qualquer projeto socialista. Um movimento internacionalista emancipatório deve lutar por uma solução que recupere o horizonte de outro tipo de relações entre os povos: ou seja, que coloque no centro a solidariedade e as relações fraternas entre os povos russo e ucraniano, pondo fim à grande opressão russa da Ucrânia e ao intervencionismo dos Estados Unidos e da OTAN na região.
6.- A este respeito, estamos conscientes de que há uma série de contradições.
O reconhecimento do direito do povo ucraniano de resistir à invasão não pode de forma alguma implicar em endossar o projeto etnorracionalista excludente Zelensky, ignorando os laços do governo ucrâniano com os EUA ou fazendo vista grossa à ascensão da extrema direita. O mesmo vale para a Rússia: opor-se ao expansionismo da OTAN também significa rejeitar o regime de extrema-direita de Putin e suas tentativas de reconstruir sua esfera de influência em torno de uma ordem imperial, que está ajudando a esmagar revoluções na Síria e revoltas dos trabalhadores no Cazaquistão, ao mesmo tempo em que impõe políticas antitrabalhadores e movimentos anti-LGBTI e feministas dentro do país. Nesse sentido, uma tarefa fundamental do socialismo internacional é fortalecer os setores de esquerda na Ucrânia e na Rússia.
Esta é a melhor maneira de evitar uma deriva ainda mais reacionária e de gerar alguma esperança para o futuro. Nossa modesta, mas necessária campanha de solidariedade proporcionou fundos a ambos os setores.
7.- Dito isto, estamos conscientes da atual correlação de forças, propomos um plano de luta baseado em uma mobilização popular em escala global para deter uma guerra desastrosa nos seguintes motes:
- Retirada imediata das tropas russas da Ucrânia.
- Autodeterminação do povo ucraniano, defendendo sua neutralidade e não-alinhamento a todos os imperialismos.
- Direito de autodeterminação para o Donbass sob a supervisão de países não-alinhados no conflito.
- Cancelamento da dívida externa da Ucrânia.
- Desmilitarização e desnuclearização de fronteiras. Um fim aos carregamentos de armas dos países imperialistas.
8.- Esta guerra mostrou toda a hipocrisia racista e colonial do capitalismo ocidental. A UE acolhe refugiados ucranianos enquanto fecha suas fronteiras para a população de outros países. Os EUA e a UE armam a Ucrânia, mas se recusam a apoiar a resistência saharaui ou palestina. Somos totalmente solidários com o povo refugiado por causa desta guerra e estendemos nossa solidariedade a todos os povos que sofrem com a guerra e a opressão, exigindo que nosso governo estatal conduza uma política consistente.
9.- A guerra terá efeitos brutais em escala global. Por um lado, as potências imperialistas tentarão reordenar o mundo através deste conflito. Os EUA subordinaram a Europa a suas políticas e procuram subjugá-la economicamente através de hidrocarbonetos, exportando assim seu processo inflacionário. Por outro lado, estamos testemunhando uma preocupante escalada de remilitarização, que está tomando a forma de expansão da OTAN (por exemplo, na Suécia e na Finlândia), um aumento drástico das despesas militares e uma aceleração no desenvolvimento de "forças destrutivas" que ameaçam a vida no planeta, aprofundando assim a dimensão ecológica da crise. Também gerará uma crise de abastecimento básico em grande parte do mundo, sendo os países mais empobrecidos os que mais sofrem.
10.- É uma questão política central neste período lutar contra esta remilitarização da Europa, contra a drenagem dos recursos sociais que isto implica e contra as políticas neo-imperialistas e racistas de nossos governos. Nesse sentido, e como conclusão final: se os blocos capitalistas estão se preparando para a guerra, a classe trabalhadora deve se preparar para a luta contra a classe dominante. Devemos convencer pacientemente a classe trabalhadora de que vale a pena lutar contra o militarismo, pois, neste momento de crise, ele estará associado a uma forte deterioração, via inflação, das condições de vida de grandes setores da sociedade. Nossa tarefa é contribuir para ligar as duas questões, construindo o mais amplo movimento anti-militarista e anti-crise possível.
11.- Neste sentido, o governo de coalizão espanhol assumiu sem reservas a agenda remilitarizante da OTAN e anunciou aumentos acentuados nas despesas militares. Tanto o PSOE, como todos os setores que atualmente compõem a "Unidas Podemos", assumiram na prática esta agenda, que busca fortalecer os laços do Estado espanhol com o bloco da OTAN, como tem se refletido não só na política relativa à guerra na Ucrânia, mas também na vergonhosa política levada a cabo em relação ao Saara ou no apoio à expansão da aliança atlântica. O aumento dos gastos militares e a subordinação à política imperialista andam de mãos dadas e, apesar da retórica verde e social, a maioria dos partidos de esquerda parlamentares (UP, Bildu, Mas País, ERC) assume e endossa esta política apoiando os orçamentos, fazendo parte do governo ou, em outros casos, apoiando a mesma.
Opor-se à remilitarização imperialista no Estado espanhol significa opor-se a esta política de rearmamento levada a cabo pelo governo, que drena os recursos públicos, que se opõe completamente a qualquer política ambientalista e que prepara para o conflito entre blocos em escala global, exigindo que os partidos de esquerda rompam com esta política na prática, mas construindo uma posição independente e um movimento contra a guerra e as políticas que ela implica.