Para Adorno, a democracia não é uma realidade plena que o fascismo danificou; é um ideal que ainda não foi realizado e que, enquanto trair sua promessa, continuará a gerar movimentos de ressentimento e rebelião paranoica.
Peter E. Gordon, Carta Maior, 18 de dezembro de 2020
Essa ênfase no particular é imediatamente evidente quando mudamos nossa atenção de clássicos especulativos como “Dialética do Esclarecimento”, escritos por Adorno e Horkheimer, para trabalhos mais empíricos, como os estudos do nazismo de Franz Neumann e Otto Kirchheimer, membros da Escola de Frankfurt cujos nomes muitas vezes passam despercebidos hoje, mas cujas obras já foram centrais para o programa antifascista do instituto. Tampouco devemos negligenciar exercícios de psicologia social como “Estudos sobre a Personalidade Autoritária” e “Experimento de Grupo” em que Adorno e seus colegas pesquisadores reuniram dados quantitativos e qualitativos para desenvolver uma compreensão abrangente do potencial do fascismo em uma cidadania democrática, mergulhando profundamente na psique, mas sem nunca deixar de notar que o autoritarismo não é redutível à psicologia individual, mas, em última análise, reflete as condições objetivas da sociedade moderna. A famosa escala F, introduzida em 1950, foi projetada como uma medida para tendências gerais - como convencionalismo, rigidez e hostilidade à imaginação - que prometiam explicar por que os sujeitos modernos podem se sentir atraídos pelo fascismo ou possuir poucos dos recursos críticos necessários para resistir.
Lendo “Estudos sobre a Personalidade Autoritária” e “Experimento de Grupo” hoje, ficamos impressionados com a riqueza de detalhes empíricos, a prontidão para discernir tendências autoritárias não apenas em instituições políticas específicas, mas também nos aspectos mais comuns da vida cotidiana. O fascismo, argumentavam os estudos, não é um mal sublime ou uma patologia para a qual existe um remédio simples. É algo muito mais inquietante: uma característica latente, mas penetrante, da modernidade burguesa. Com essa definição ampliada, dificilmente se poderia ter conforto com a derrota do fascismo no final da guerra. Naquela palestra de 1959, Adorno deixou este ponto explícito: “O passado do qual se gostaria de fugir ainda está muito vivo.”
Essa compreensão do fascismo como algo interno, não estranho, à democracia liberal também pode refletir a história de Adorno. Mesmo antes da ascensão de Hitler e dos nazistas, ele estava consciente da violência latente que corre nas veias da sociedade burguesa, e nos anos posteriores ele não se envergonhou de invocar até mesmo as memórias mais casuais como evidência. Em sua coleção de aforismos do pós-guerra, Minima Moralia, ele relembrou os valentões do pátio da escola de sua infância, escrevendo: “Os cinco patriotas que atacaram um único colega, espancaram-no e, quando ele reclamou para o professor, o difamaram como um traidor do classe — eles não são iguais àqueles que torturaram prisioneiros para refutar as alegações de estrangeiros de que os prisioneiros foram torturados?” A sugestão pode soar forçada, mas apenas para alguém que se apega à ilusão de que o nazismo era uma alta política sem raízes na conduta cotidiana. Tendo testemunhado a ascensão dos nazistas, Adorno não nutria tais ilusões; muito antes da tomada do poder pelos nazistas, ele estava nas garras de um “medo inconsciente” de que o futuro traria uma catástrofe.
Essas experiências impressionaram Adorno com uma sensação visceral de que o fascismo não é simplesmente uma forma política, mas também uma espécie de regressão, uma descida violenta a modos arcaicos de comportamento coletivo que só poderiam ser compreendidos apelando para as categorias da antropologia e da psicanálise. Estimulado pelo ensaio de Freud, “Psicologia das Massas e Análise do Eu”, ele passou a acreditar que os grupos humanos exibem uma resistência instintiva à mudança e um anseio por autoridade. O grupo, escreveu Freud, "quer ser governado e oprimido", e busca seus heróis não em busca de esclarecimento, mas de "força, ou mesmo violência". Da psicanálise, Adorno também tirou a lição crucial de que a catexia entre um grupo e seu líder é principalmente libidinal, não racional, e qualquer tentativa de explicar a política de massa puramente em termos institucionais ou como uma expressão de interesse próprio racional deixará de perceber os fatores subjacentes que tornam o autoritarismo uma tentação duradoura.
A análise do fascismo como uma ameaça persistente dentro da democracia liberal é um tema recorrente na obra de Adorno. Isso é verdade em 'Estudos sobre a personalidade autoritária', e 'Experimento de Grupo', e nas palestras públicas que ele proferiu após seu retorno à Alemanha. Ele era profundamente preocupado com o surgimento de organizações neofascistas como o Partido Nacional Democrático, pois era, em sua opinião, um sinal de que o espírito do antigo fascismo nunca havia sido realmente derrotado. Ele era igualmente preocupado com o fato de que o público não demonstrava muito interesse em se comprometer com o difícil processo de "trabalhar com o passado". Em seus discursos, se não também em sua filosofia publicada, ele abordou tais preocupações com clareza e urgência moral. A palestra de 1967 sobre o novo extremismo de direita é apenas um modesto e breve exemplar deste trabalho, mas encapsula habilmente sua visão geral de que o fascismo nunca foi realmente derrotado, mas reside nas facetas cotidianas da estrutura social e da conduta pessoal e deve sempre ser combatido de novo.
Peter E. Gordon ensina filosofia e teoria social em Harvard. Seu livro mais recente é “Migrants in the Profane: Critical Theory and the Question of Secularization”. Publicado originalmente em 'The Nation' | Tradução de César Locatelli