“Cada passo de movimento real é mais importante do que uma dúzia de programas”.
- Karl Marx, sobre o programa aprovado no congresso de Gotha da social democracia alemã.
Afrânio Castelo é militante da Insurgência e membro da Executiva PSOL Ceará
O que vale para as ideias em geral, vale em particular para os debates sobre tática política. Não basta que a análise da realidade empalme tais ou quais elementos da realidade, ou que as fórmulas para ação prática guardem relação com esses. É preciso, do ponto de vista que quer transformar o mundo, que a análise e hipóteses de ação se confirmem na luta política concreta, na movimentação real da luta de classes.
A passagem de Lula pelo Ceará abriu uma nova perspectiva para o amadurecimento de uma política do PSOL para enfrentar os desafios da conjuntura. A decisão da executiva estadual em aceitar o convite da direção petista para um encontro com Lula foi amadurecida entre os principais campos que polarizam o partido no momento político, resultando na apresentação de um documento aprovado consensualmente.
Dirigida à militância e entregue a Lula, a nota da Executiva do PSOL-CE reafirma o lugar histórico ocupado pelo PSOL desde a oposição aos governos presidenciais petistas até a luta contra o impeachment/golpe e as batalhas atuais. Mas faz isso sem abrir mão da luta pela unidade da esquerda com base na independência política e um programa de mobilização em defesa dos direitos.
Ou seja, enquanto os debates congressuais chegam em sua reta final dividindo o partido em meio a disputas muitas vezes pouco politizadas, com alguns dos que defendem uma tática de diferenciação por princípio na esquerda tentando apresentar a luta pela unidade como uma forma disfarçada de impor a desfiguração política e programática do PSOL, a nota da Executiva do PSOL CE pôs à prova da prática os limites das nossas desavenças internas.
A recepção da nota entre a militância de variadas cores, inclusive petista, mostrou que é possível dialogar com o poderoso sentimento de unidade existente na classe trabalhadora organizada, sem abrir mão do perfil do partido e do chamado à luta unitária e do debate de programa para derrotar Bolsonaro e transformar o país. Confirma mais uma vez que frentes e alianças não negam o perfil próprio do partido, e que definições táticas dependem das condições concretas da conjuntura, dos objetivos concretos do partido, do entendimento das tarefas fundamentais num determinado período.
O encontro do PSOL CE com Lula provou que a luta pela unidade, materializada na exigência de uma frente de esquerda com um programa de lutas, não é contraditória com a independência política do PSOL. A postura do PSOL CE é um ótimo indicativo prático de como o partido pode ter um protagonismo na busca da unidade sem rebaixar seu perfil.
Milhões esperam que Lula e o PT estejam à altura do desafio de construir uma unidade para derrotar Bolsonaro e reconstruir o Brasil rompendo com a agenda liberal. E esperam que o PSOL seja protagonista na luta pela unidade da esquerda, e que não seja um fator de divisão. Se Lula e o PT vão estar à altura desse chamado e desse programa, só eles irão responder. Quanto ao PSOL, a prova da prática representada pela experiência da nota da Executiva do PSOL CE mostrou por quais passos devemos caminhar.
Nota da Executiva Estadual do PSOL Ceará à Militância. 22 de agosto de 2021.
Recebemos um convite da direção estadual do PT Ceará para uma conversa com Lula.
Com o objetivo de comunicar nossa militância partidária, emitimos a seguinte nota:
A convite da direção estadual do Partido dos Trabalhadores (PT), o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) irá encontrar-se com o ex-presidente Lula para debater a conjuntura do país e os caminhos da unidade necessária para derrotar Bolsonaro e fazer valer uma agenda de defesa da democracia e dos interesses das maiorias exploradas e oprimidas de nosso país.
Nosso partido comparecerá à reunião através dos membros de sua Executiva Estadual e seus parlamentares, a despeito de qualquer diferença que tenhamos com ele e seu partido, uma vez que o PSOL fez oposição aos governos presidenciais do PT, por um viés programático de esquerda, anticapitalista e ecossocialista.
Lembramos, entretanto, que ainda sim o PSOL teve posição firme contra o impeachment de Dilma e a prisão de Lula pois foram mecanismos de um golpe das elites dominantes, visando o sequestro do poder político central para a imposição de um projeto de interesse exclusivo das classes exploradoras. Foi com esse entendimento que participamos ativamente das lutas contra o golpe político-judicial que afastou Dilma, e combatemos ativamente todas as medidas antipovo impostas por Temer e, agora, por Bolsonaro.
O PSOL se orgulha de ter estado, ao lado de toda a militância dos movimentos sociais e dos partidos políticos de esquerda, nas batalhas contra todas as reformas de cunho ultra e neoliberal, como a previdenciária e trabalhista, entre outras, que golpearam direitos duramente conquistados e, por hora, sacrificados em nome do lucro e dos interesses do mercado.
É também com essa disposição de luta que o PSOL tem procurado alertar a sociedade brasileira para a centralidade da luta contra as formas neofascistas de política, revestidas de milicianismo e militarismo, cuja expressão acabada é o bolsonarismo ora governante. A necropolítica foi alçada à política de Estado com a gestão genocida da pandemia de covid. Não à toa, é no negacionismo anticientífico e no desrespeito às mais básicas medidas sanitárias, que Bolsonaro e seu séquito de seguidores se riem e deliram, desrespeitando a dor e o sofrimento resultante das centenas de milhares de mortes provocadas pela pandemia. Somem-se as mortes, o desemprego e a consequente fome que se abate sobre milhões de lares das famílias trabalhadoras, e teremos uma dimensão mais completa da enorme tarefa histórica que recai sobre a esquerda brasileira. É ciente dessa realidade e das responsabilidades correspondentes que o PSOL Ceará aceitou o convite para conversar com Lula e o PT.
Não há hoje sentimento maior na classe trabalhadora brasileira que a esperança de que a esquerda possa encontrar termos comuns para golpear Bolsonaro com um só e poderoso punho. Uma unidade que potencialize desde agora as mais diversas lutas que nosso povo está movendo, desde os assentamentos da reforma agrária do MST, as ocupações urbanas por moradia do MTST, a defesa dos salários e contra as formas precárias de trabalho feita por sindicatos e centrais sindicais, a defesa da cultura popular e da educação pública e gratuita feita por artistas, intelectuais, professores e estudantes, as lutas contra o racismo, o machismo, a lgbtfobia e todas as demais formas de opressão, a luta ecológica contra a predação capitalista do meio ambiente.
É necessário derrotar Bolsonaro e o fascismo. Mas achamos que só é possível vencê-los com a unidade da classe trabalhadora e dos movimentos sociais. Uma unidade da classe trabalhadora e dos movimentos sociais que tome forma e ganhe força nas ruas, pela derrota imediata de Bolsonaro, sem alianças por cima com golpistas arrependidos e representantes do centrão oportunista.
O PSOL entende que a principal tarefa de hoje para a esquerda brasileira não é debater em torno de nomes para 2022, mas como impulsionar as lutas pelo afastamento imediato de Bolsonaro da Presidência da República e interromper a destruição de direitos sociais, combatendo a pandemia, a fome e o desemprego, e a construção de um "um programa para o Brasil a partir do acúmulo de cada partido em torno de cinco grandes eixos: papel do Estado; medidas concretas de redução da desigualdade social; novo modelo socioeconômico e ambiental distributivista com justiça social; combinação de democracia representativa com democracia direta; relações internacionais pró-ativas, com defesa da soberania nacional”, conforme resolução aprovada em nosso Diretório Nacional.