O relatório da OMM adverte que o aquecimento está avançando tão rapidamente que causará efeitos desproporcionais em habitats e modos de vida devido a alterações drásticas em matéria de saúde, segurança alimentar e crescimento econômico.
Diego Herranz, Público, 9 de novembro de 2020. A tradução é do Cepat.
O diagnóstico é o primeiro que a OMM realiza de maneira monográfica sobre a África. E alerta que a temperatura média em todo o continente já superou, em 2012, um grau centrígrado em relação a 1901, ao mesmo tempo adverte que as previsões analíticas antecipam que excederá dois graus - em comparação ao nível anterior à era industrial -, entre 2080 e 2100, se as emissões de CO2 continuarem no ritmo atualmente registrado pela soma dos países africanos. Nações que já empregam de 2% a 9% de seus PIB em medidas de adaptação climática e de mitigação das consequências do aquecimento.
Ondas de calor, secas prolongadas e trombas de água e enchentes são algumas das inclemências que se tornaram habituais no continente. O calor extremo e as secas tiveram um impacto mais do que notável na produção agrícola, restauraram o número de epidemias, da cólera à malária e o ebola, que agora se conjugam com a covid-19 e aumentaram as dolências e enfermidades.
A variabilidade do clima também gerou conflitos armados, instabilidade social e crises econômicas, bem como a frequência e intensidade das fomes. Os efeitos do ciclone tropical Idai, em Moçambique, foram o grande desencadeador de uma queda acentuada do crescimento do país em 2019. O seu PIB caiu de 6,6%, em 2018, para 2,3%, no ano passado.
Os prognósticos dos especialistas da OMM não são exatamente animadores. No pior cenário, em que o planeta aumente a temperatura em quatro graus centrígrados no final deste século, o espaço geográfico africano assumirá novos territórios sob calor extremo e sofrerá chuvas mais frequentes e maior virulência que levarão a quedas do PIB de 7,1% a 12,1%.
Em horizontes de aquecimento médio, os retrocessos de suas economias oscilarão de 3,3% a 8,2%. Embora os danos colaterais já são vistos com clareza. O impacto das mudanças climáticas na agricultura, setor essencial para o desenvolvimento econômico do continente, embora especialmente nos países subsaarianos, onde os períodos de seca se prolongam, disparou o número de pessoas em estado de desnutrição, 45,6% desde 2012, de acordo com a Agência das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura.
Enquanto isso, as alterações nas chuvas aumentam a presença de insetos em novos locais, o que contribui para a propagação da dengue, malária e febre amarela. Com o consequente aumento do fosso na distribuição da riqueza e nas desigualdades sociais.
Um estudo pouco esperançoso
O estudo da OMM também aponta as consequências devastadoras do aquecimento sobre a agricultura. No cenário mais catastrófico, a lucratividade das safras cairia 13% na África Ocidental e Central, 11% nos territórios do norte continental e 8% no Leste e Sul, em 2050. O milho e o sorgo serão os que melhor vão resistir aos efeitos, enquanto o arroz e o trigo sofrerão impactos de maior dimensão. E registra a alarmante falta de dados para abordar a situação de risco na região.
Entre as nações subsaarianas, somente duas ondas de calor foram oficialmente registradas em bases de dados de informações de emergência, nos últimos 120 anos, em comparação com 83 certificadas na Europa, nas últimas quatro décadas. Embora tenham sido mais frequentes, mais intensas e mais mortíferas em territórios africanos, insiste Friederike Otto, autora do relatório.
“Um déficit de dados que torna muito mais complexo quantificar e identificar a gama de fatores e circunstâncias que propiciam a catástrofe climática”, escreve no estudo. “O alerta precoce é um instrumento essencial para prevenir e combater qualquer emergência”, enfatiza Otto, “que destaca que, no campo do aquecimento global, se conjugam com episódios de exacerbada desigualdade social”. Não apenas porque são nações em desenvolvimento - longe dos sistemas preditivos das potências industrializadas -, mas também porque amplia as lacunas entre os estratos das sociedades civis africanas. “As pessoas que morrem geralmente não são aquelas com ar-condicionado em suas casas”, acrescentou à agência Bloomberg.
A ausência de bases de dados preditivas
Eventos meteorológicos perversos se intensificaram nas últimas décadas, a partir de 1950, especialmente no Oriente Médio, América do Sul e em grande parte da África, explica Luke Harrington, da equipe de pesquisa acadêmica de Otto, no Instituto de Mudança Ambiental. Especialmente nos países subsaarianos, onde o rigor do aquecimento pode ser visto com muito maior precisão. “Combinado com os fluxos migratórios que ocorrem nesses países em direção às cidades, o perigo de exposição aumenta de 20 a 50 vezes nas principais áreas urbanas do continente”, destaca Harrington.
O problema não influenciou a opinião pública mundial porque “seus sistemas de medição e detecção ainda são um desastre, com bases de dados ineficazes”, ainda que tecnologicamente os diagnósticos ambientais poderiam antecipar terremotos e movimentos de extração de petróleo e avaliar o impacto sobre estilos de vida, poder de compra e custos econômicos. É o que vem sendo feito, desde 1988, pelo Banco de Dados de Emergência, com sede na Bélgica, criado pelo Centro de Pesquisa em Desastres Epidemiológicos, mas que detectou apenas duas ondas de calor na África - dentro do espaço subsaariano -, desde o início deste século, relatando 71 mortes prematuras causadas pelo aquecimento excessivo da atmosfera.
Os 83 episódios de calor que detectou na Europa contribuíram, segundo seus mesmos cálculos, para a morte direta de mais de 140.000 europeus. Não se trata, portanto - afirmam Otto e Harrington -, de falta de tecnologia, mas de dar mais atenção às consequências das mudanças climáticas no continente que mais sofrerá seus danos colaterais.
A OMM insiste na capacidade preventiva como uma ferramenta de suma utilidade. No verão de 2003, com o calor acima da média na União Europeia, faleceram mais de 70.000 europeus, apesar dos planos de ação implementados nas regiões e cidades e de uma série de medidas para minimizar os riscos. Da mesma forma, Ahmedabad, na Índia, sofreu uma onda de calor devastadora em 2010. Então, não conseguiram estabelecer soluções urgentes a tempo, mas às suas autoridades chegaram registros de alerta antecipado da onda de calor ainda mais intensa de 2015, o que lhes permitiu implementar medidas e reduzir o excesso de mortalidade registrado cinco anos antes.
Ahmedabad está configurada sob uma estrutura social adaptada para suportar confortavelmente temperaturas acima de 30 graus. Ao contrário das cidades canadenses, que aumentaram o número de mortes em 2018, quando o termômetro atingiu 34 graus. A resistência ao calor não é semelhante em todos os cantos do planeta.
Mesmo assim, os pesquisadores da OMM denunciam abertamente o desconhecimento da realidade africana nas estatísticas associadas aos efeitos climáticos. Por exemplo, a respeito da mortalidade que gera. “Informações que são cruciais para adaptar adequadamente as sociedades ao tempo de superaquecimento que está chegando”, afirma Otto. E para estabelecer critérios e soluções em territórios com maior ou menor incidência climática. Porque, em escalas de dados longos, verifica-se que, em 1992, a região da África Meridional - Moçambique, Zimbabwe, Botswana, Lesoto e grande parte da África do Sul - registou temperaturas de três graus acima da média, durante um período de quatro meses, que coincidiu com uma das secas mais prolongadas do século passado. Contudo, não foram extraídos dados e nem informações suficientes sobre os efeitos na população, sendo uma das áreas mais vulneráveis às mudanças climáticas futuras.
Ameaças e realidades climatológicas na África
Mas, além do déficit de informação e previsão de catástrofes, o aquecimento global continuará estendendo seus tentáculos especialmente sobre a África, afirma o relatório revestido de comunicado oficial por parte de autoridades ministeriais de todo o mundo com responsabilidades em meio ambiente. Nele se enfatiza as crescentes ameaças à saúde, alimentação, segurança do abastecimento de água e economia no continente africano.
“Nos últimos meses, surgiram um maior número de inundações, pragas e secas, também por causa do fenômeno La Niña”, explicam os meteorologistas, que, além disso, se complicou com a epidemia de Covid-19. Após um ano, 2019, que ficou entre os três mais quentes do continente. “Uma tendência que continuará”, alertam.
As previsões da OMM apontam que entre 2020 e 2024 a temperatura continuará subindo e haverá inundações e tempestades no norte e no sul do continente, bem como no Sahel. Até fazer com que o nível do mar suba cinco milímetros por ano em todas as costas africanas. Dois a mais do que a situação das águas em 2019. Com especial incidência nas margens do Oceano Índico, especialmente em Madagascar. Ao mesmo tempo, continuarão a degradação e a erosão costeira, neste caso, de forma mais implacável na África Ocidental. Cerca de 56% dessas costas - Benin, Costa do Marfim, Togo e Senegal - sofrem processos erosivos notáveis.
A subida das águas não é neste momento “um problema central, mas será decisivo se a temperatura do planeta continuar aumentando” de forma descontrolada, explicam. No entanto, segundo os autores do estudo, acontecimentos como o ciclone Idai ou a extensa estiagem sofrida pelos países do sul continental, em 2019, ou a combinação de desertificação e inundações nas nações do chamado Chifre da África, entre 2018 e o ano passado, - e as tempestades sobre o Sahel - são sinais claros de que a mudança no continente já é algo cotidiano.
O FMI destaca que as consequências da catástrofe climática se concentram em áreas com altas temperaturas, onde também costumam se instalar economias de baixa renda. Assim, apoia iniciativas como a Agenda África 2063, elaborada em 2013, que admite que as alterações climáticas são a maior ameaça ao desenvolvimento do continente. E as receitas e diagnósticos que partem da estrutura organizacional da Organização das Nações Unidas. A partir de 2015, os recursos das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC), decorrentes dos Acordos de Paris, passaram a ser os principais instrumentos de articulação de políticas de resposta às mudanças climáticas. A África e as pequenas ilhas do Oceano Pacífico e Índico são os territórios mais vulneráveis a essa ameaça, afirmam os documentos oficiais.
Na agenda africana, são determinados os compromissos de transição para as energias renováveis num curto espaço de tempo. Priorizam 70% desses recursos. Mas o continente exige uma série de receitas para agregar índices de produtividade e competitividade a setores como a agricultura, que emprega 60% da população do continente. Tudo isto por meio do uso intensivo de tecnologia que seja eficiente e que contribua para a redução dos índices de pobreza, com um crescimento sustentado duas ou quatro vezes mais dinâmico do que em qualquer outra indústria.
A combinação de tecnologia digital e projetos de sustentabilidade energética levou a um aumento de painéis solares nas propriedades rurais, com aumento de rentabilidade de mais de 300%, com redução do uso de água em 90% e corte de emissões de CO2 em territórios onde foram implantados. Também serviu para incorporar as mulheres ao mercado de trabalho, uma vez que quase metade do emprego feminino na região está no setor agrícola. E para corrigir a pobreza.