O conjunto de ações e omissões, que o ministro do Meio Ambiente tão bem sintetizou na infame expressão “passar a boiada”, é que provoca diretamente o descontrole do desmatamento, que transforma o Brasil em pária internacional.
Observatório do Clima, 7 de agosto de 2020
Somente alguém que tenha chegado ontem de um outro planeta poderia se surpreender com a nova alta nos alertas de desmatamento na Amazônia, que atingiram imorais 9.205 quilômetros quadrados em 2020. A elevação de 34% na velocidade da devastação neste ano, medida pelo sistema Deter, do Inpe, tem dois agravantes: ela vem após um ano que já havia tido o maior desmatamento desde 2008. E ocorreu mesmo após três meses de presença das Forças Armadas na floresta – em tese para combater o desmatamento.
Desde a campanha eleitoral que levou Jair Bolsonaro à Presidência da República, a área de alertas de desmatamento dobrou na Amazônia. Os alertas do Deter são uma subestimativa; a taxa oficial de devastação, dada pelo sistema Prodes, mais preciso, será conhecida apenas no fim do ano. No entanto, se a variação entre os dados do Deter e os do Prodes ficar na média histórica, poderemos ter cerca de 13.000 quilômetros quadrados de desmatamento, a maior taxa desde 2006 e três vezes mais do que a meta da Política Nacional de Mudança do Clima para 2020. Será também a primeira vez na história que o desmatamento na Amazônia tem duas altas seguidas na casa dos 30%.
Isso não acontece por incompetência do governo no combate à devastação; acontece porque a agenda do governo Bolsonaro é promover ativamente a devastação. Não é inépcia; é projeto.
Desde o início do governo um amplo grupo de atores – que vai de cientistas a povos indígenas, passando por ex-ministros, organizações ambientalistas, servidores federais e Ministério Público – vem denunciando o desmonte sistemático da governança ambiental brasileira: o fechamento branco do Ministério do Meio Ambiente, o enterro dos planos de combate ao desmatamento na Amazônia e no Cerrado, a banana dada ao Acordo de Paris, a perseguição a fiscais e a omissão ideológica e ilegal em investir no combate a ilícitos ambientais mesmo tendo quase R$ 2 bilhões em caixa.
Tal conjunto de ações e omissões, que o ministro do Meio Ambiente tão bem sintetizou na infame expressão “passar a boiada”, é o responsável direto pelo descontrole do desmatamento, que transforma o Brasil em pária internacional e ameaça levar embora investimentos no momento em que eles são mais necessários, o de recuperação econômica no pós-pandemia.
Declarações de integrantes do Observatório do Clima
“A explosão do desmatamento na Amazônia tem como causa importante o discurso do Presidente da República, que deslegitima a fiscalização ambiental ao mesmo tempo em que estimula a ocupação da região em modelo predatório. O Ministro do Meio Ambiente segue as ordens de seu patrão. Quem lucra com isso é o desmatador ilegal, o grileiro, o investidor no garimpo sem controle que explora trabalho escravo. Se quisesse controlar o desmatamento, e essa realmente não parece ser a intenção, o governo retomaria o Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia e reforçaria a atuação do Ibama e outros órgãos ambientais, no lugar de gastar dinheiro com a atuação teatral das Forças Armadas.” – Suely Araújo, especialista-sênior em Políticas Públicas do OC.
“Os números mostram, mais uma vez, a verdade que o governo trabalha para esconder. Combate ao desmatamento se faz com transparência, ciência, áreas protegidas, órgãos especializados eficientes e controle social. Tudo o que Bolsonaro odeia. A política de destruição promovida pelo governo empodera os que lucram com a floresta no chão e ameaça os que lutam para mantê-la em pé, arrastando o Brasil para o atraso. Ao ignorar a importância de conservar nossas riquezas naturais, o governo Bolsonaro impacta de forma negativa os brasileiros, a economia do país e o clima global.” – Mariana Mota, coordenadora de Políticas Públicas do Greenpeace Brasil.
“Será difícil conter o desmatamento se o governo continuar a intenção de alterar a legislação fundiária para legalizar áreas desmatadas e invadidas ilegalmente. A grilagem de terras públicas é um vetor do desmatamento, que é estimulado com a expectativa de anistia e legalização” – Brenda Brito, pesquisadora-associada do Imazon.
“Os dados do Inpe indicam que o Brasil fracassou no cumprimento de sua lei de clima, cuja meta para 2020 era limitar o desmatamento na Amazônia a no máximo 3.925 km2. Isso também nos desvia da rota do Acordo de Paris, o que criará uma série de dificuldades comerciais para o Brasil no período crítico de recuperação econômica no pós-pandemia. O crime tomou conta da Amazônia, incentivado pelo próprio governo Bolsonaro.” – Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima.
“A alta nos alertas de desmatamento entre o ano da eleição e este ano é de 101%. Como lembrou um amigo meu, a ex-presidente Dilma Rousseff dizia que quanto atingisse a meta dobraria a meta. Jair Bolsonaro acabou com a meta e dobrou o desmatamento.” – Caetano Scannavino Filho, coordenador do Projeto Saúde e Alegria.