Presidente volta a questionar, sem provas, confiabilidade do sistema de voto e ameaçar não realizar pleito. Pacheco descarta “frustração às eleições” e ministro Barroso divulga nota em que associa especulações a violação do regime democrático que poderia levar a impeachment do mandatário
Carla Jiménez e Daniela Mercier, El País Brasil, 9 de julho de 2021
A campanha aberta do presidente Jair Bolsonaro contra as eleições em urnas eletrônicas subiu de tom nesta sexta, 9, e elevou a temperatura da tempestade política em Brasília. Bolsonaro vem repetindo diariamente que há fraude no sistema eleitoral do Brasil, mas nesta sexta ameaçou que as eleições do ano que vem podem não acontecer. “Não tenho medo de eleições, entrego a faixa para quem ganhar no voto auditável e confiável. Dessa forma [como é hoje], corremos o risco de não termo eleições no ano que vem”, disse Bolsonaro a eleitores que o esperavam na saída do Palácio da Alvorada. O mandatário ainda xingou o ministro do Supremo, Luis Roberto Barroso, que preside o Tribunal Superior Eleitoral, chamando-o de “imbecil”, acusando sem provas que existe fraude nas eleições desde 2014, quando a ex-presidenta Dilma Rousseff derrotou o candidato do PSDB, Aécio Neves. É a segunda vez que Bolsonaro faz essa ameaça. Nesta quinta, ele já havia afirmado a apoiadores que “sem eleições limpas não haverá eleições”.
Os ataques, porém, tiveram reações enérgicas na tarde desta sexta. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, convocou uma coletiva para garantir que a democracia está consolidada no Brasil, “assimilada pela nossa sociedade, as instituições assim também assim compreendem, embora especulações possam acontecer”. Pacheco afirmou que o Estado de direito e a democracia são inegociáveis e garantiu que as eleições estão preservadas. “Tudo quanto houver de especulações em relação a retrocesso a democracia, como a frustração de eleições de 2022, é algo com que o Congresso Nacional além de não concordar, repudia”, disse ele. “Não podemos admitir fala, ato, menção que seja atentatória a democracia, ou que estabeleça um retrocesso naquilo que a geração antes da minha conquistou e a nossa geração tem obrigação de manter, que é a nossa democracia”. Sem citar o nome do presidente, o presidente do Senado afirmou que quem pretende trazer algum retrocesso ao Brasil “será apontado pela povo brasileiro e pela história como inimigo da nação”.
O ministro Luís Roberto Barroso, também reagiu, por meio de uma nota nesta sexta em que afirma que a tentativa de impedir as eleições “viola princípios constitucionais e configura crime de responsabilidade”. Barroso ser referiu às declarações do presidente desta manhã como “lamentáveis quanto à forma e ao conteúdo”. No texto divulgado pelo TSE, Barroso afirma que desde a implantação das urnas eletrônicas, em 1996, jamais se documentou qualquer episódio de fraude e que, em relação ao pleito de 2014, o PSDB realizou auditoria no sistema de votação e reconheceu a legitimidade dos resultados. “Nesse sistema, foram eleitos os presidentes Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff e Jair Bolsonaro. Como se constata singelamente, o sistema não só é íntegro como permitiu a alternância no poder”, diz o magistrado. Ele também afirmou que a “acusação leviana” feita por Bolsonaro é ofensiva a todos os ministros do Supremo que ocuparam a chefia do tribunal eleitoral.
O ministro também informou o tribunal já oficiou a Bolsonaro para que apresente as supostas provas de fraude que ele afirma terem ocorrido nas eleições de 2018, mas que nunca houve resposta. “A realização de eleições, na data prevista na Constituição, é pressuposto do regime democrático. Qualquer atuação no sentido de impedir a sua ocorrência viola princípios constitucionais e configura crime de responsabilidade”, concluiu o ministro.
O ministro do STF Alexandre de Moraes, que assume a presidência do TSE no ano que vem, também decidiu se manifestar defendendo a segurança e credibilidade do sistema eleitoral brasileiro em mensagem nas redes sociais. Assim como Barroso, o ministro falou em possibilidade de crime de responsabilidade, o que poderia embasar um pedido de impeachment de Bolsonaro. “Os brasileiros podem confiar nas Instituições, na certeza de que, soberanamente, escolherão seus dirigentes nas eleições de 2022, com liberdade e sigilo do voto. Não serão admitidos atos contra a Democracia e o Estado de Direito, por configurar crimes comum e de responsabilidade”, declarou Moraes. Em reunião com presidentes de 11 partidos no final de junho, incluindo legendas da base de Bolsonaro, Moraes advertiu que a falta de consenso sobre o assunto iria levar à judicialização e à contestação de eleições em todas as instâncias.
Até mesmo o perdedor de 2014, o agora deputado Aécio Neves, rejeitou as ilações do presidente. “Eu não acredito que tenha havido fraudes nas urnas em 2014”, afirmou em nota. O destempero de Bolsonaro mostra que ele está incomodado pelas pesquisas divulgadas nesta semana que apontam uma alta de rejeição à administração Bolsonaro, e uma eventual vitória do ex-presidente Lula da Silva em caso de eleições. A última pesquisa Datafolha, divulgada nesta sexta, mostra que Lula teria 58% dos votos contra 31% de Bolsonaro. O presidente brasileiro vem emulando a campanha que Donald Trump fez contra o sistema eleitoral dos Estados Unidos, que insuflaram seus eleitores a protestar contra o resultado. O ápice foi a invasão do Capitólio no dia 6 de janeiro.
Bolsonaro vive também a pressão das investigações na CPI da Pandemia do Senado, que chegou a suspeitas de corrupção na compra das vacinas contra a covid-19. A pesquisa Datafolha mostra que 56% dos entrevistados reprovam a gestão da pandemia e que 59% não votaria em Bolsonaro de jeito nenhum no ano que vem.