Alex Lubin e Gaye Theresa Johnson*
Futures of Black Radicalism [“Futuros do radicalismo negro”, 2020] é uma obra que reúne militantes, acadêmicos e pensadores da tradição radical negra como um reconhecimento e comemoração da obra de Cedric J. Robinson — o primeiro a cunhar o termo. Os ensaios escolhidos no livro olham para o passado, presente e futuro do radicalismo negro, bem como para as influências que ele exerceu em outros movimentos sociais. O “capitalismo racial”, outra das importantes ideias desenvolvidas por Robinson, tem uma conexão com os movimentos sociais internacionais atuais, explorando as ligações entre a resistência negra e o anticapitalismo. Nesta entrevista, Angela Davis, uma das autoras do livro, aborda diversos pontos dessa tradição política e intelectual. Davis é filósofa e ativista, autora de Mulheres, Raça e Classe (1981); Mulheres, Cultura e Política (1989); e A Democracia da Abolição — para além do império, das prisões e da tortura.
Em sua pesquisa, você se debruça sobre o abolicionismo prisional, o feminismo negro, a cultura popular e os blues, e o internacionalismo negro, com um olhar para a Palestina. De que maneira este livro se inspira na tradição radical negra, enquanto, também, a desenvolve?
Cedric Robinson nos desafiou a pensar no papel que os teóricos e ativistas radicais negros têm na formação de histórias sociais e culturais que nos motivam a vincular nossas ideias e práticas políticas a uma crítica profunda do capitalismo racial. Fico feliz por ter vivido tempo suficiente para poder ver como as gerações mais jovens de acadêmicos e ativistas começaram a desenvolver sua própria noção de uma tradição negra radical.
O marxismo negro desenvolveu uma importante genealogia em torno da obra de C.L.R. James, W.E.B. Du Bois e Richard Wright. Como H.L.T. Quan aponta, se olharmos para a obra de Robinson como um todo, incluindo Black Movements in America (“Movimentos Negros nos EUA”, 1997) e An Anthropology of Marxism (“Uma antropologia do marxismo”, 2001), não podemos deixar de notar como as mulheres foram cruciais para criar uma tradição negra radical. Quan diz que quando lhe perguntam o porquê de haver um foco tão central no papel das mulheres e sua resistência, em seu trabalho, Robinson responde: “E por que não haveria de existir? Toda resistência, com efeito, se manifesta no gênero, se manifesta como gênero. O gênero é de fato uma linguagem de opressão [e] uma linguagem de resistência”[1].
De Robinson, aprendi muito sobre os usos da história — formas de teorizá-la, ou de permitir que seja teorizada, que são cruciais para nossa compreensão do presente e para nossa capacidade de imaginar coletivamente um futuro mais habitável. Cedric explicou que seus notáveis mergulhos na história emanam da suposição de objetivos políticos no presente. Tenho uma grande afinidade com a abordagem que ele utiliza desde a primeira vez que li seu livro sobre o marxismo negro.
O primeiro artigo que publiquei, escrito enquanto eu estava na prisão, com foco nas mulheres negras e na escravidão, foi um esforço para refutar o prejudicial, mas cada vez mais popular, discurso sobre o matriarcado negro, conforme era retratado nos relatórios oficiais do governo, ou por meio de ideias masculinistas generalizadas (como a da necessidade de hierarquias de liderança baseadas em gênero projetadas para garantir o domínio dos homens negros) que circulavam dentro do movimento negro no final dos anos 1960 e início da década de 1970. Embora eu não abordasse o meu trabalho dessa maneira na época, hoje com certeza eu não hesitaria em vincular essa pesquisa ao esforço de tornar mais visível uma tradição radical negra e feminista.
Os estudos críticos sobre a prisão numa estrutura explicitamente abolicionista, situam-se dentro da tradição negra radical — tanto por meio de sua reconhecida relação genealógica com o período da história americana que chamamos de Reconstrução Radical quanto, evidentemente, por meio de sua relação com o trabalho de W.E.B. Du Bois e o feminismo negro histórico. O trabalho de Sarah Haley, Kelly Lytle Hernández e uma empolgante nova geração de acadêmicos, ao vincular suas valiosas pesquisas ao ativismo, está ajudando a revigorar a tradição negra radical.
Parece que a cada geração de ativismo anti-racista, um estreito nacionalismo negro retorna feito fênix para reivindicar a lealdade de nossos movimentos. O trabalho de Cedric foi inspirado, em parte, pelo seu desejo de responder ao mesquinho nacionalismo negro da época de sua (e minha) juventude. É extremamente frustrante testemunhar o ressurgimento de formas de nacionalismo que não são apenas contraproducentes, mas também violam o que deveria ser nosso objetivo: o florescimento negro e, portanto, humano. Ao mesmo tempo, é emocionante testemunhar as maneiras pelas quais novos movimentos de jovens — Vidas Negras Importam, Black Youth Project 100 (byp100), Dream Defenders — vêm ajudando a moldar um novo internacionalismo negro, influenciado por feministas e que destaca o valor das teorias e práticas queer.
Como você avalia o movimento Vidas Negras Importam (Black Lives Matter), particularmente à luz de sua participação no Partido dos Panteras Negras durante os anos 1970? Você acha que o Black Lives Matter possui uma análise e teoria da liberdade consistentes? Você vê alguma semelhança entre os dois movimentos?
Quando consideramos a relação entre o Panteras Negras e o Vidas Negras Importam, parece que as décadas e gerações que os separam criaram uma incomensurabilidade — consequência das mudanças econômicas, políticas, culturais e tecnológicas. Mudanças essas que tornam o momento contemporâneo tão diferente, em muitos aspectos importantes, do que era nos anos 1960. Por isso, talvez devêssemos buscar as conexões que se revelam não tanto nas semelhanças, mas nas diferenças radicais entre os dois movimentos.
O Panteras Negras surgiu como uma resposta à ocupação policial de comunidades em Oakland, Califórnia, e em regiões urbanas negras de todo o país. Patrulhar os bairros com armas e tratados de direito para controlar a polícia, foi um gesto brilhante de Huey Newton e Bobby Seale. Ao mesmo tempo, sua estratégia também foi inspirada pelo surgimento das lutas de guerrilha em Cuba, dos exércitos de libertação na África do Sul e no Oriente Médio e na resistência bem-sucedida da Frente de Libertação Nacional no Vietnã. Olhando para trás, isso também reflete uma falha em reconhecer que “as ferramentas do proprietário nunca desmancharão a sua casa” — como dizia Audre Lorde. De certa forma, o uso de armas, embora principalmente como um símbolo de resistência, transmitiu a mensagem de que a polícia poderia ser efetivamente desafiada por meio de estratégias policiais.
A hashtag #BlackLivesMatter, desenvolvida por Patrisse Cullors, Alicia Garza e Opal Tometi após o assassinato de Trayvon Martin nas mãos de um segurança, começou a se transformar numa rede, como resposta direta aos crescentes protestos em Ferguson, Missouri — que manifestavam um desejo coletivo para exigir justiça para Mike Brown e para todas as vidas negras sacrificadas no altar do terror policial racista. Ao demandar de nós uma resistência radical à violência racista no cerne das estruturas e estratégias da polícia, o Black Lives Matter reconheceu desde o início que, se quiséssemos avançar coletivamente em direção a uma nova ideia de justiça, teríamos que colocar, no centro de nossos esforços, a demanda pela desmilitarização da polícia. Em última análise, esta reflexão está ligada a uma abordagem que exige a abolição da vigilância policial tal como a conhecemos e vivenciamos, expondo a forma como as estratégias policiais foram transnacionalizadas dentro dos circuitos que ligam os pequenos departamentos de polícia dos EUA com Israel, e que dominam este campo através da polícia militarizada envolvida na ocupação da Palestina.
Aprecio a análise mais complexa adotada por muitos ativistas do Black Lives Matter, porque reflete com precisão uma leitura histórica que é capaz de construir, assumir e criticar radicalmente teorias e ativismos anti-racistas do passado. Enquanto o Panteras Negras tentava, às vezes sem sucesso, abraçar os feminismos emergentes e o movimento que mais tarde foi chamado de libertação gay, os líderes e ativistas do Black Lives Matter desenvolveram abordagens que incorporam teorias e práticas feministas e queer de forma mais produtiva. Mas as teorias da liberdade são sempre errantes e provisórias. Aprendi com Cedric Robinson que qualquer teoria ou estratégia política que afirma possuir uma teoria total da liberdade, ou que afirma poder ser categoricamente compreendida, não leva em consideração a multiplicidade de possibilidades. Isso significa que, talvez, uma teoria da liberdade só possa ser representada de forma evocativa no reino da cultura.
Sua pesquisa mais recente é focada na questão da Palestina e sua respectiva conexão com o movimento de libertação negro. Quando essa conexão se tornou visível e quais circunstâncias, ou conjunturas, tornaram essa ideia possível?
Na verdade, minhas palestras e entrevistas mais recentes refletem uma compreensão cada vez mais extensa da necessidade de uma estrutura internacionalista, dentro da qual a tarefa contínua de desmantelar as estruturas de racismo, heteropatriarcado e injustiça econômica dentro dos Estados Unidos possa ser mais duradoura e mais relevante. Em minha própria trajetória política, a Palestina sempre ocupou um lugar fundamental, precisamente pelas semelhanças entre Israel e os Estados Unidos: seu colonialismo e seus processos de limpeza étnica com respeito aos povos originários, seu uso da lei, seus sistemas de segregação e para promover repressão sistemática, etc. Costumo ressaltar que minha consciência da situação na Palestina se remonta aos meus anos de graduação na Universidade Brandeis, que foi fundada no mesmo ano que o Estado de Israel. Além disso, durante meu próprio encarceramento, recebi o apoio de prisioneiros políticos palestinos, bem como de advogados israelenses que defendiam os palestinos.
Em 1973, quando participei do Festival Mundial de Jovens e Estudantes em Berlim (na República Democrática Alemã), tive a oportunidade de conhecer Yasser Arafat, que sempre reconheceu a relação entre a luta palestina e a luta pela liberdade negra nos EUA. Assim como o Che Guevara, Fidel Castro, Patrice Lumumba e Amílcar Cabral, Arafat era uma figura reverenciada dentro do movimento de libertação negra. Naquela época, o internacionalismo comunista — na África, Oriente Médio, Europa, Ásia, Austrália, América do Sul e Caribe — era uma força poderosa. Eu certamente teria seguido uma trajetória diferente se esse internacionalismo não tivesse desempenhado um papel tão importante.
Os encontros entre as lutas de libertação negra nos EUA e os movimentos contra a ocupação israelense da Palestina têm uma longa história. Alex Lubin, em seu livro Geographies of Liberation: The Making of an Afro-Arab Political Imaginary [Geografias da Libertação: A criação de um imaginário político afro-árabe], tenta mapear alguns aspectos relevantes dessa história. No entanto, muitas vezes não é no campo explicitamente político que os momentos de contato são descobertos. Como Cedric Robinson apontou, às vezes eles operam no reino cultural. Freedom Dreams: The Making of the Black Radical Imagination [“Sonhos de liberdade: A criação da imaginação negra radical”], de Robin Kelley, aponta o campo do surrealismo como uma zona de contato particularmente produtiva.
No final do século XX, foi June Jordan, a poeta feminista negra, quem trouxe à tona a questão da ocupação da Palestina. Apesar dos ataques que sofreu com o sionismo e de ter perdido temporariamente a amizade com Adrienne Rich [2] (que mais tarde também se tornou crítica à ocupação), June se tornou uma poderosa defensora da Palestina. Em sua poesia ela personificava a causa da libertação negra e palestina: “Nasci mulher negra / e agora me tornei palestina / contra o riso implacável do mal / há cada vez menos espaço para morar / e onde estão meus entes queridos? / É hora de voltar para casa” [3].
Numa época em que feministas negras tentavam criar estratégias baseadas no que hoje chamamos de interseccionalidade, June, representando o melhor da tradição negra radical, nos ensinou sobre o potencial das afinidades políticas para além das fronteiras nacionais, culturais e supostamente raciais, ajudando-nos a imaginar futuros mais acolhedores.
Como já comentei muitas vezes, tive a impressão de ter entendido perfeitamente a ocupação quando, em 2011, me juntei a uma delegação de ativistas acadêmicas feministas indígenas e de mulheres de cor na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental. Embora todos nós já estivéssemos ligados ao movimento de solidariedade, todos ficamos completamente chocados com o quão pouco sabíamos realmente sobre a violência diária da ocupação. Na conclusão de nossa visita, decidimos coletivamente dedicar nossas energias para participar da campanha de Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS) e para ajudar a aumentar a conscientização de nossos vários grupos sobre o papel dos Estados Unidos na manutenção da ocupação militar. Portanto, continuo profundamente conectada a esse projeto, com Chandra Mohanty, Beverly Guy-Sheall, Barbara Ransby, Gina Dent e os outros colegas da delegação.
Nos anos que se seguiram à nossa viagem, muitas outras delegações de estudiosos e ativistas visitaram a Palestina e ajudaram a acelerar, expandir e intensificar o movimento de solidariedade. Na medida em que os promotores do movimento BDS se inspiram na campanha contra o apartheid na África do Sul, os ativistas americanos apontam que podem ser obtidas lições profundas dessa política de boicote. Muitas organizações e movimentos nos Estados Unidos viram a incorporação de estratégias anti-apartheid em suas agendas transformar radicalmente seu próprio trabalho. A campanha anti-apartheid não só ajudou a fortalecer os esforços internacionais para acabar com o estado de apartheid, mas também revitalizou e enriqueceu muitos movimentos nacionais contra o racismo, a misoginia e a injustiça econômica.
Da mesma forma, a solidariedade com a Palestina tem o potencial de transformar e ampliar a consciência política de nossos movimentos contemporâneos. Os ativistas do Black Lives Matter e outros ligados a este importante momento histórico, demonstram, neste campo, uma crescente consciência coletiva que pode desempenhar um papel importante para forçar outros setores do ativismo de justiça social a assumir a causa palestina, principalmente, o BDS. Alianças em campus universitários que incluem organizações estudantis negras, Students for Justice in Palestine [Estudantes pela Justiça na Palestina] e a Jewish Voice for Peace [Voz judaica pela Paz], nos fazem lembrar da profunda necessidade de unir nossos esforços anti-racistas e desafiar a islamofobia e o anti-semitismo por meio da resistência global às políticas e práticas de apartheid do Estado de Israel.
Teórica e ideologicamente, a Palestina também nos ajudou a ampliar nossa visão da abolição, compreendida como a abolição do encarceramento e da vigilância. A experiência palestina nos leva a revisitar conceitos como o do “estado-prisão” para entender profundamente as vicissitudes diárias da ocupação e vigilância — não só pelas forças israelenses, mas também pela Autoridade Palestina. Isso, por sua vez, tem estimulado outras vias de pesquisa sobre os usos do encarceramento e de seu papel, por exemplo, na perpetuação de noções binárias sobre gênero e na naturalização da segregação com base na capacidade física, mental e intelectual.
Que tipos de movimentos sociais podem ou deveriam existir na conjuntura atual, levando em consideração a hegemonia global dos Estados Unidos, as relações econômicas neoliberais, a contra-insurgência militarizada dentro do país e o “daltonismo” racial?
Num momento em que o discurso popular muda muito rapidamente, em resposta direta às pressões que emanam dos protestos contra a violência de Estado e das práticas de representação relacionadas às novas tecnologias de comunicação, acredito que precisamos de movimentos que prestem tanta atenção à educação política popular, quanto às mobilizações que conseguiram colocar a violência policial e o encarceramento em massa na agenda política nacional. Acho que isso significa tentar criar uma análise da conjuntura atual que extraia lições importantes dos ciclos relativamente recentes — e que empurraram nossa consciência coletiva para além dos limites anteriores. Em outras palavras, precisamos de movimentos preparados para resistir às pressões inevitáveis de assimilação. O movimento Occupy nos permitiu desenvolver um vocabulário anti-capitalista: 99% versus 1% é um conceito que foi incorporado à linguagem popular. A questão não é apenas como preservar este vocabulário, como fez, por exemplo, a plataforma de Bernie Sanders, mas também como construí-lo ou enriquecê-lo com a ideia de capitalismo racial, que não pode ser expresso em termos que pressuponham a homogeneidade sempre subjacente ao racismo.
Cedric Robinson não deixou nunca de pesquisar ideias, produtos culturais e movimentos políticos do passado. Ele tentava compreender por que as trajetórias de assimilação e resistência coexistiram nos movimentos de libertação negra nos Estados Unidos. As estratégias assimilacionistas, que mantêm as circunstâncias e estruturas perpetuadoras da exclusão e a marginalização intactas, sempre foram oferecidas como a alternativa mais razoável à abolição — que, é claro, não requer só resistência e desmantelamento, mas também reinvenção e reconstrução radicais.
Talvez, seja chegada a hora de criar as bases para um novo partido político, que fale para um número muito maior de pessoas do que os partidos políticos progressistas tradicionais têm se mostrado capazes de fazer. Este partido teria que estar organicamente ligado à gama de movimentos radicais que surgiram após a ascensão do capitalismo global. Refletindo sobre o valor da obra de Robinson em relação ao ativismo radical contemporâneo, me parece que esse partido teria de estar ancorado à ideia de capitalismo racial: seria anti-racista, anti-capitalista, feminista e abolicionista. Mas o mais importante de tudo, teria que reconhecer a prioridade dos movimentos em terreno, movimentos que reconheçam a interseccionalidade dos problemas atuais, movimentos abertos o suficiente para permitir, no futuro, o surgimento de problemas, ideias e deslocamentos que hoje não conseguimos nem começar a imaginar.
Em sua pesquisa e ativismo, você faz alguma distinção entre marxismo e “marxismo negro”?
Passei a maior parte da minha vida estudando as ideias marxistas e fui me identificando com grupos que além de abraçarem as críticas de inspiração marxista à ordem socioeconômica dominante, também lutam para compreender a relação co-constitutiva entre racismo e capitalismo. Tendo seguido especialmente as teorias e práticas de comunistas negros e antiimperialistas nos Estados Unidos, África, Caribe e outras partes do mundo, e tendo trabalhado por vários anos no Partido Comunista com uma formação negra que teve como referência Che Guevara e Patrice Lumumba, o marxismo, do meu ponto de vista, sempre foi um método e um instrumento de crítica. Consequentemente, eu não vejo as expressões “marxismo” e “marxismo negro” como necessariamente opostas.
Levo muito a sério os argumentos de Robinson em Black Marxism: The Making of the Black Radical Tradition [“Marxismo Negro: A criação da tradição negra radical”] [4]. Se assumirmos a indiscutível centralidade do Ocidente e seu desenvolvimento econômico, filosófico e cultural, logo, os modos econômicos, as histórias intelectuais, as religiões e culturas associadas à África, Ásia e povos indígenas não serão reconhecidos como dimensões significativas da humanidade. O próprio conceito de humanidade sempre esconderá uma racialização interna e oculta, o que excluirá as possibilidades de igualdade racial. Não é preciso dizer que o marxismo está firmemente ancorado nessa tradição iluminista. As brilhantes análises de Robinson revelaram novas formas de pensar e agir, geradas justamente pelos encontros entre o marxismo e os intelectuais e ativistas negros, que ajudaram a constituir a tradição radical negra.
Dos conceitos associados ao marxismo negro, “capitalismo racial” é o que eu considero mais produtivo e potencialmente mais transformador. Embora “Capitalismo e Escravidão”, de Eric Williams, tenha sido publicado em 1944, os esforços acadêmicos para explorar essa relação ficaram relativamente marginalizados [5]. Se dermos sorte, novas pesquisas sobre capitalismo e escravidão ajudarão a legitimar ainda mais a noção de capitalismo racial. Embora seja importante reconhecer o papel fundamental que a escravidão desempenhou na consolidação histórica do capitalismo, os desenvolvimentos mais recentes ligados ao capitalismo global não poderão ser compreendidos direito se a dimensão racial do capitalismo for ignorada.
Notas:
[1] H.L.T. Quan: "Geniuses of Resistance: Feminist Consciousness and the Black Radical Traditio" en Race & Class vol. 47 N° 2, 2005.
[2] Poeta, intelectual, crítico, feminista e ativista lésbica americana (1929-2012) [N. do E.].
[3] "I was born a Black woman / and now / I am become a Palestinian / against the relentless laughter of evil / there is less and less living room / and where are my loved ones? / It is time to make our way home".
[4] Em breve será publicado em espanhol pela Traficantes de Sueños.
[5] Há uma edição em espanhol: Traficantes de Sueños, Madrid, 2011.
(*) Este artigo foi publicado em Nueva Sociedad (Nuso). Foi traduzido ao português e publicado em Outras Palavras, em 611/2020. Tradução de Simone Paz.