Argentina entra na Rota da Seda e consegue financiamento chinês
Rubén Armendáriz, Carta Maior, 8 de fevereiro de 2022
O presidente da Argentina, Alberto Fernández, assinou acordos em Pequim para a incorporação de seu país à iniciativa chinesa do Cinturão e Rota da Seda, que envolve financiamento da nação asiática por 23,7 bilhões de dólares, e que é visto com certa desconfiança de países do Ocidente, como os Estados Unidos.
A iniciativa da Nova Rota da Seda é um projeto ambicioso de comércio, transporte, comunicações e infraestrutura que a China vem desenvolvendo em colaboração com outros países desde 2013, e que se espalhou pela Ásia Central e pelo Pacífico Sul para outros continentes, somando 140 nações.
Assim, a Argentina se une ao grupo de países latino-americanos como Brasil, Chile, Peru, Bolívia e Venezuela, que hoje têm a China como seu principal parceiro comercial. O chanceler argentino, Santiago Cafiero, afirmou que a incorporação do país à Rota da Seda é “uma decisão estratégica”, e também “um novo marco na relação bilateral” com a China.
Os acordos alcançados estão relacionados ao desenvolvimento verde, economia digital, desenvolvimento espacial, tecnologia e inovação, educação universitária, agricultura, ciências da terra, mídia pública e energia nuclear.
Fernández aproveitou para participar da cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de Inverno, e conseguiu que o presidente chinês Xi Jinping indicasse que a China está disposta a estudar projetos para canalizar direitos especiais de saque do FMI (Fundo Monetário Internacional). O mandatário argentino enfatizou que “a decisão da China, de incentivar um maior uso de moedas nacionais no comércio e investimento, e de apoiar a demanda da Argentina pela revisão da política de sobretaxa do FMI, são avanços cruciais”.
De acordo com um comunicado presidencial, a Argentina receberá financiamento em duas parcelas, uma inicial de 14 bilhões de dólares, divididos em dez projetos de infraestrutura -os quais incluem o de uma quarta usina nuclear, linhas de transmissão, gasodutos, barragens e ferrovias – e a segunda de 9,7 bilhões.
Os líderes destacaram a renovação do Acordo SWAP de 2020. A China expressou seu apoio à Argentina em seus esforços para preservar a estabilidade econômica e financeira, e prometeu facilitar às empresas de ambos os países a redução de custos e do risco cambial.
O documento indica que os investimentos da China na Argentina serão direcionados a setores estratégicos como energia e eletromobilidade. Também será feito um trabalho para ampliar a participação de fornecedores argentinos em obras de infraestrutura, e serão aceleradas as negociações e autorizações sanitárias e fitossanitárias para estimular as exportações argentinas para a China.
A China é o primeiro parceiro comercial do país fora do Mercosul, o segundo destino das exportações agroindustriais e primeiro investidor em energias renováveis. Por sua vez, financia diversos projetos de infraestrutura, energia e transporte, aos quais se soma a colaboração entre os dois países nas áreas de agricultura, educação, cultura e esportes.
Dessa forma, o gigante asiático consolida sua já vasta presença na América Latina, região na qual é o segundo maior parceiro comercial, depois dos Estados Unidos. Também é um dos principais credores dos países latino-americanos.
O aumento acelerado da cooperação entre a China e a América Latina representa um desafio para Washington, na medida em que, há quase dois séculos, o poder dos Estados Unidos exerce uma influência política, econômica e estratégica indiscutível na região, a qual os estrategistas estadunidenses consideram como o seu quintal.
Cabe lembrar que o neocolonialismo de Washington não só se traduziu em intervenções permanentes e na formação de governos submissos, mas também em imensa depredação econômica e humana nos campos extrativista, agrícola e industrial. O surgimento de governos que reivindicam a soberania sinaliza o declínio da hegemonia dos Estados Unidos na América Latina.
A concorrência europeia, na segunda metade do Século XX, e desinteresse da Casa Branca pelos países da região desde o governo de Donald Trump contribuíram para esse declínio. Durante o trumpismo, Washington tentou reviver aquele isolacionismo típico dos anos que antecederam a Segunda Guerra Mundial, enquanto Xi Jinping fez constantes viagens pela América do Sul e colheu acordos de livre comércio com as nações da quase toda a região.
Com esses acordos firmados com a Argentina, a presença chinesa na América Latina passou a ser um fato consumado. Mas, ao contrário dos norte-americanos e europeus, os chineses fazem essa aproximação deixando de lado questões políticas e ideologias e se concentrando no desenvolvimento dos laços econômicos. Espera-se que isso não aprofunde as tensões entre os Estados Unidos e a China, pare que não sejam justamente as nações da região as que paguem pelos possíveis confrontos futuros entre essas potências pela hegemonia mundial.
Rubén Armendáriz é jornalista e analista político associado ao Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE). Publicado originalmente em estrategia.la | Tradução de Victor Farinelli