A Rússia é um país onde a riqueza se encontra distribuída de forma bastante desigual e a maioria da riqueza não fica no país. Sanções eficazes têm de incluir o congelamento dos ativos da oligarquia do país.
Esquerda.net, 3 de março de 2022
Numa altura em que se discutem as melhores sanções económicas a aplicar à Rússia, para que atinjam sobretudo a oligarquia que rodeia Putin e não a generalidade das pessoas, vale a pena ter em conta as características da distribuição de rendimento no país.
A Rússia é um país onde a riqueza se encontra distribuída de forma bastante desigual e a maioria da riqueza não fica no país. Um estudo(link is external) dos economistas Gabriel Zucman, diretor do Observatório Fiscal da UE, Annette Alstadsæter e Niels Johannesen, publicado em 2018, mostra que a Rússia é um dos 4 países do mundo com maior percentagem da sua riqueza em centros financeiros offshore. É entre os mais ricos que esta tendência é mais expressiva: o mesmo estudo conclui que mais de metade da riqueza dos 0,01% do topo da Rússia está colocada em offshores.
Na última década, sucederam-se vários escândalos relativos aos esquemas utilizados pelos mais ricos para desviar o dinheiro para paraísos fiscais. A oligarquia russa surge envolvida em quase todos eles.
Em 2013, as primeiras revelações(link is external) deram a conhecer os esquemas de investimento russo em “empresas-fantasma” nas Ilhas Virgens Britânicas. As empresas-fantasma são estruturas não têm atividade real no país em que estão sediadas e que operam como veículos para capitais provenientes de outros lugares. A ideia passa por escapar aos impostos e ao escrutínio das autoridades. Os documentos analisados pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação davam conta do envolvimento de vários magnatas, incluindo os diretores de importantes empresas russas, como a Gazprom ou a Oboronprom, bem como a mulher do vice-primeiro-ministro russo.
Dois anos mais tarde, em 2015, surgiram os Swiss Leaks(link is external), um esquema desenhado para escapar aos impostos e que era sustentado pelo banco HSBC na Suíça. Entre os clientes envolvidos, estavam 740 cidadãos russos, que detinham ativos de cerca de 1,8 mil milhões de euros no banco.
Seguiram-se os Panama Papers, em 2016. Os documentos revelados(link is external) mostravam uma nova face do recurso a offshores: além da fuga aos impostos e do secretismo sobre a origem do dinheiro, também permitiam à oligarquia russa contornar sanções impostas pelos países do Ocidente. Um dos beneficiários destas empresas-fantasma era Yuri Kovalchuk, líder do Rossiya Bank, conhecido como o “banqueiro pessoal de Putin”.
Os Panama Papers revelaram também a utilização de empresas-fantasma na Suíça como parte de um esquema para desviar à volta de mil milhões de dólares de alguns bancos públicos russos. O dinheiro era usado para adquirir iates e financiar estadias em resorts de ski ou cerimónias de casamento para a elite mais próxima de Putin.
Os sucessivos escândalos financeiros evidenciaram as ligações da oligarquia russa aos paraísos fiscais. De resto, o mesmo sucedeu com boa parte das elites europeias e norte-americanas, que veem nos offshores uma forma de escapar ao escrutínio das autoridades, evitar o pagamento de impostos ou financiar operações ilícitas. É difícil encontrar motivos para defender a manutenção destes regimes.