10 de Fevereiro de 2023. Fernando Silva, Tostão. Jornalista, membro do Diretório Nacional do PSOL e da Coordenação Nacional da Insurgência.
Não há dúvidas de que o ex-presidente Jair Bolsonaro foi o eixo da conspiração golpista desde o final das eleições no 2º turno. Mesmo a atabalhoada denúncia do senador Marcos do Val, teve como único denominador comum, em todas as suas versões, a presença de Bolsonaro na reunião armada para tentar convencer o senador a gravar Alexandre de Moraes, com o objetivo de incriminá-lo no processo eleitoral e por essa via tentar mudar o resultado das eleições.
Por mais de dois meses os golpistas do alto escalão buscaram formas de mudar o resultado eleitoral. Não cessam a produção de provas e isso porque ainda há muitos, talvez centenas de celulares para serem periciados. No STF passou a existir a percepção de que crescem os indícios para pedir a prisão de Bolsonaro.
As investigações têm avançado, mas precisam ser iguais para todos, precisa chegar pra valer nos financiadores e nas altas patentes das Forças Armadas envolvidas na conspiração. Pois também não há dúvidas do envolvimento de generais mais próximos a Bolsonaro no antigo governo e do papel do Exército na manutenção dos acampamentos golpistas nos quartéis.
A tentativa de golpe foi derrotada, mas não se deve perder o momento. Sem anistia! É o que se espera tanto pela tentativa de golpe como no genocídio dos Yanomamis. E por altas patentes entenda-se também Bolsonaro.
Não há unidade possível com a agenda liberal do mercado
Mas de outro lado, a ampla unidade de ação constituída para deter o golpe e mesmo para rechaçar o genocídio dos Yanomamis se esgota nessas pautas. Nelas, o bolsonarismo fica isolado. O resultado das eleições no Congresso Nacional, especialmente no Senado, foram outro momento de derrota do bolsonarismo.
Porém, a esquerda em geral passa longe de ser maioria no Legislativo. O Centrão, a direita liberal e fisiológica, ainda que em grande parte na base do governo e no próprio governo, controlam o parlamento e, como estamos presenciando, se opõem fortemente em rever a privatização da Eletrobrás, a autonomia do Banco Central e insistem com a "âncora" fiscal.
O fato é que a agenda liberal unifica o mercado, a mídia corporativa, o bolsonarismo, a maioria do Congresso e mesmo parte do governo. Em que pese a correção do presidente Lula em pautar os temas que contrariam essa grande aliança pró-capital, estão nítidos os limites e contradições insolúveis de uma composição de sustentação governamental com setores do capital e os partidos fisiológicos da classe dominante.
As tarefas no terreno econômico, social e ambiental são nítidas: acabar com a fome, avançar numa reforma tributária essencialmente progressiva, que isente os mais pobres, garantir reajustes reais no salário mínimo e recuperar a renda, revisar a privatização de serviços estratégicos, avançar na reconstrução dos direitos sociais e serviços públicos, promover uma profunda mudança na política ambiental diante da emergência climática, começando pelo fim do desmatamento da Amazônia. Sem falar nas necessárias revogações das reformas trabalhista e previdenciária, pautas não abandonadas nos movimentos sociais, mas rejeitadas pelo governo.
Mas nenhuma sequer dessas urgências será possível com um Banco Central a serviço do mercado financeiro, juros nas alturas e ajustes fiscais.
São estas as tarefas que estão no horizonte para pautar as quedas de braço que se iniciam. O argumento (correto) da existência de uma forte extrema direita no país, não podem permitir recuos nessas pautas no enfrentamento com os interesses do Capital.
O lugar da mobilização popular
A luta e os desafios aqui serão de outra qualidade. Não há maioria no Congresso Nacional que aceite sequer debater a sério os temas propostos pelo próprio presidente Lula. Mas poderemos ter maioria social em favor destas bandeiras. Esse é o centro da questão que precisamos avançar e ver como desenvolver. Para começar, como ponto de partida, sempre é bom lembrar que Lula venceu as eleições. Embora com apertada maioria, venceu defendendo várias propostas e levantando vários temas que estão sendo pautados agora.
É preciso, portanto, sacar conclusões daquilo que está por vir. Se de um lado a primeira tarefa é derrotar de vez o golpismo, a luta pelos direitos sociais vai exigir muita capacidade de pressão e mobilização popular. Será um novo beco sem saída se o governo Lula cometer o mesmo erro dos governos petistas anteriores: o de esvaziar o chamado à mobilização popular. Pois não podemos esperar as decisões judiciais e institucionais passivamente, mesmo em relação aos golpistas.
Portanto, precisamos construir um grande movimento de massas democrático e anti-neoliberal, que tenha capacidade de derrotar e de neutralizar qualquer outra tentativa golpista; de levar às ruas as reivindicações sociais, econômicas e ambientais; um movimento que seja fortemente de oposição à agenda liberal e ao mercado, que pressione o Congresso Nacional; que exija consultas e plebiscitos populares em relação à política econômica e ao Orçamento, que pressione o governo a não recuar destas pautas e que defenda a saída dos ministros que defendem a agenda liberal.
Um movimento que tenha capacidade de inserir-se e dialogar em todas as periferias, que tenha capacidade de derrotar as fake news e disputar ideias e posições.
Precisamos lutar por um Brasil cada vez mais democrático, mas também por uma autêntica república de direitos, que derrote tanto o fascismo como a agenda liberal. Para isso, o estratégico será a pressão, a mobilização e participação popular.
Sem anistia, sem fome, sem agenda neoliberal!