“Justiça por Moïse até o final”, esse foi o pedido de dona Ivone Lay, mãe de Moïse Kabagambe, 24 anos, morto de forma cruel após cobrar seu direito à renda em um quiosque na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro. Ela esteve neste sábado, 5 de fevereiro, no local do assassinato, onde aconteceu o ato #JustiçaporMoise, na orla do bairro da zona oeste carioca. O jovem estava há 8 anos no Brasil. Em 2014, refugiou-se por aqui ao chegar no Rio durante a guerra em seu país.
A família de Moïse, refugiados, estudantes e imigrantes de vários países da África, além de movimentos sociais, partidos, coletivos e ativistas ocuparam a orla da Barra para pedir apuração e responsabilização pela morte do congolês, ocorrida no dia 24 de janeiro, porém se tornando notícia de relevância pública somente uma semana depois. “Precisamos continuar exigindo a responsabilização dos assassinos que mataram covardemente um jovem vinte e quatro anos sem ter feito absolutamente nada”, afirmou a advogada, representante da família e dos refugiados junto à justiça.
Há indícios de que quiosques da região seriam administrados ilegalmente por um PM, sendo esse o real motivo do atraso na divulgação do caso. Ao mesmo tempo, na última semana, a família de Moïse denunciou tentativas de intimidação por parte de agentes. Apesar deste esforço de silenciamento, o caso chegou à Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Alerj, presidida pela deputada estadual do PSOL, Dani Monteiro. A partir de então, a CDDHC vem dando assistência à família e questionando o Estado sobre o andamento das apurações. Para a parlamentar, Moïse teve seu direito à renda negado, mas não o último:
Nós estamos dando garantia ao último direito humano que podemos ter: a garantia da memória e da justiça. Se para Moïse não lhe foi garantido o direito ao trabalho, direito à cidadania, dignidade, especialmente, à renda, que ao menos a sua família e a comunidade congolesa possam ter o direito à memória e à justiça pela brutalidade que aconteceu. – Dani Monteiro (PSOL RJ)
Falta de emprego e de políticas públicas para refugiados
Para a também deputada do PSOL, líder da bancada na Alerj, Renata Souza, “Moïse é vítima do racismo que mata preto e pobre todo dia, que não entrega emprego para a sua juventude”. Sua morte reflete o cotidiano da juventude negra do Rio. Ameaçada pela falta de emprego e pela precariedade, mas também, alvo preferencial da violência. A vereadora Thais Ferreira, da bancada do PSOL Carioca, pede para que refugiados tenham seus direitos garantidos e respeitados:
Também presentes no ato, as Mães de Manguinhos, coletivo de mulheres que perderam filhos assassinados pelo Estado, lamentaram estar mais uma vez em um ato pedindo justiça pela morte de um jovem negro: “O Brasil se tornou um berço de sangue”. Elas estiveram na Barra em solidariedade à mãe de Moïse. “Não aceitaremos mais mães como a de Moïse, chorando sobre o corpo de seus filhos e lamentando esta violência”. Já David Gomes, diretor da Federação das Associações de Favelas do Estado do Rio de Janeiro – Faferj, lembrou que o assassinato de jovens como Moïse é uma prática cotidiana em que o capitalismo associado ao racismo segue fazendo suas vítimas:
Nós temos a obrigação de denunciar que o que aconteceu com o Moisés não é o caso isolado, é o caso cotidiano do racismo e do capitalismo dependente brasileiro – David Gomes (Faferj)
O ato contou com falas contundentes e momentos especiais. A tia de Moïse emocionou a todas e todos afirmando que não estavam ali fazendo festa, mas sim, revoltados. Apesar da tristeza, celebraram a memória de Moïse com danças, batuques e cânticos ao longo de todo o percurso, que durou cerca de 3 horas. A jovem Fatou Ndiaye, de origem senegalesa, lembrou que a maioria das pessoas escravizadas no início da colonização eram de origem banto, a mesma dos congoleses: “Todos nós temos um pouco de Congo dentro de si. Gritem por todos os brasileiros, gritem por mim que tenho 16 anos, gritem por minha irmã que tem 9 anos, gritem por Moïse que não pôde gritar hoje. Viva senegal, viva África, viva o Brasil, viva Congo”, completou arrancando aplausos durante o ato.