Mandato Renato Roseno, Ceará, novembro de 2023.
A Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Ceará (CDHC/Alece), presidida pelo deputado estadual Renato Roseno (Psol), realizou uma audiência pública para debater a política de reparação aos ex-presos e vítimas da ditadura civil-militar no Brasil, nesta sexta-feira (1º). Além de discutir ações que reforçam a memória, o encontro serviu para pensar uma atualização da lei estadual (nº 13.202/02), que reconhece o direito à indenização às pessoas detidas por motivos políticos.
A audiência ocorreu em momento simbólico: dias após a Lei da Anistia, que concedeu o perdão aos perseguidos políticos no período da ditadura militar e abriu caminho para a redemocratização do Brasil, completar seus 44 anos, em 28 de agosto. Além disso, o encontro projeta as ações em memória dos 60 anos do golpe de 1964, a partir do ano que vem.
Autor do requerimento, o deputado Renato Roseno ressalta que, embora a chamada Lei da Anistia (Lei n° 6.683) tenha sido sancionada em agosto de 1979, após ampla mobilização social, as violações de direitos e o estado de exceção perdurou por mais seis anos. “Inexistiu uma política de punição aos que patrocinaram ou praticaram crimes de tortura e assassínios durante a Ditadura Militar”, reforça.
Em 10 de janeiro de 2002, o Ceará reconheceu o direito à indenização de até R$ 30 mil às pessoas detidas ou torturadas durante a ditadura militar. A legislação estadual engloba aqueles que tenham “ficado sob a guarda e responsabilidade de órgãos do Estado do Ceará, ou em quaisquer dependências desses órgãos, bem como às que sofreram sevícias que deixaram comprometimento físico ou psicológico”. Contudo, o período compreendido pela lei é de 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto 1979.
“A gratificação não corresponde à reparação necessária para pessoas que tiveram o curso de suas vidas alteradas, muitas tendo interrompido estudos e carreiras profissionais, ou que mantêm sequelas físicas e problemas de saúde que incidem negativamente sobre suas condições de existência. São situações que inspiram a demanda de instituição de uma renda básica permanente, como forma de lhes assegurar uma subsistência digna”, acredita o parlamentar.
Outro ponto defendido por Renato é a criação de uma Política Estadual de Memória, que realize seminários e debates em instituições de ensino e equipamentos culturais, assim como a identificação dos locais no Ceará onde houve crimes políticos na ditadura. “Esses locais de memória têm que estar todos mapeados, os trajetos e percursos de memória. Temos que fazer essa política estadual”, reforça.
Preso político durante o regime, o presidente da Comissão Especial de Anistia Wanda Sidou, Francisco Leunam Gomes, foi perseguido por ajudar na alfabetização de adultos em áreas rurais do Ceará através do rádio. “A polícia nos procurava para dar explicações de palavras que foram usadas no programa de rádio. Exigiram que nossos programas só fossem ao ar após a liberação, e após informar no ar que havia sido autorizado”, relatou.
Uma das lideranças do Comitê de Memória e Verdade do Ceará, o professor Walter Pinheiro acredita que a ausência de punição para aqueles que praticaram crimes durante a ditadura militar deixou graves sequelas no país, com a manutenção das práticas de tortura e o espaço para apoiadores do regime. "Nós temos um estado democrático burguês para as elites. Estamos longe de ter um estado de direito”.
Entre os encaminhamentos da audiência pública, estão a construção de um projeto de indicação para a atualização do valor da indenização a ex-presos políticos e perseguidos pela ditadura, estendendo isso às suas famílias; uma audiência com as secretarias de Direitos Humanos e da Educação para tratar da disciplina eletiva sobre memória história, uma reunião com a Secretaria de Cultura do Ceará sobre o Memorial da Resistência; e uma visita à Secretaria de Cultura de Fortaleza para debater a efetivação dos pontos de memória na capital cearense.