Henrique Lemos
GOIÂNIA - Os economistas ortodoxos, neoliberais, e tambem os keynesianos ao pé da letra, colocam como limite do arranjo social o controle da inflação. Não importa o tamanho da dívida pública de um país, se a inflação for controlada. A busca por manutenção de índices baixos de inflação foi um dos pilares da enorme repactuação capitalista na economia global, que se deu durante os anos 80 do século XX, para impor a visão e a prática neoliberais como “pensamento único”: cortes draconianos de gastos públicos, privatizações generalizadas, destruição de sistemas da saúde, educação, transporte, dolarização das economias com taxas de câmbio flexíveis (leia-se ao sabor do mercado financeiro global) e metas de inflação.
Essas políticas anti-inflacionárias levadas ao cabo por governos de todas partes do globo, a partir dos anos 90, resultaram da adequação dos países a padrões internacionais estabelecidos pelo Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial – em nome dos interesses hegemônicos do capital financeiro. Esse quadro econômico nos trouxe a uma situação em que a maior parte da população mundial com menos de 40 anos não vivenciou jamais altos índices de inflação. O dragão da inflação, remarcação de preços mais de uma vez ao dia, corrida a supermercados, inflação de 70 ou 80% em um único mês pareciam ser tristes lembranças do passado.
“Esquecemos” assim (de fato o neoliberalismo impôs esse esquecimento) que outro e fundamental fator para a manutenção de patamares aceitáveis de inflação é a soberania e a segurança alimentar, que consiste na capacidade de o estado nacional garantir a produção, beneficiamento, escoamento, estocagem, importação e exportação de produtos alimentícios de consumo básico. Em suma, garantir de que não haja interferência brusca entre oferta e procura na fixação dos preços.
Ora, desde antes do cárcere dos hebreus no Egito (ou, nas Américas, desde antes da chegada violenta dos colonizadores), os estados servem para estocar grãos, e fazer com que, entre uma safra e a outra, as pessoas não morram de fome. Tanto para a regulação de preços, como para garantir abastecimento das suas populações, os estados mantêm estoques reguladores. O Brasil tem políticas de armazenagem e estocagem de gêneros desde o fim do Império. Sendo a armazenagem uma parte da política agrícola como política de Estado no Brasil.
E o que fez o atual governo brasileiro? Fortemente apoiado e apoiador do agronegócio exportador, aprofundou a liberação da exportação de tudo que produzimos. Paralelamente, não raciocinou que, com a retomada das atividadades e os efeitos benéficos do auxílio emergencial, aumentaria a procura de bens de consumo primário. Seria uma bela equação um país vender seus produtos no mercado exterior e lucrar com isso, sem provocar falta de produtos para seus cidadãos. O problema é que teria que haver proporcional aumento da produção, o que é em geral impossível de forma tão rápida. Enfim, o governo Bolsonaro fez tudo errado, porque se esqueceu que a população precisa consumir produtos básicos; ou seja, comer.
Os ineptos que nos governam caíram como patos no autoengano neoliberal. Há maior procura por produtos alimentícios, simultaneamente à desvalorização importante do real frente ao dólar. É do beabá da economia que uma forte desvalorização da moeda incentiva (como incentivou) os que detêm os produtos a exportar o que produzem, com enormes lucros em vendas de arroz, soja, milho, etc. no mercado internacional. Consequência: a volta do dragão da inflação, que ameaça crescer ainda mais.
Por que é um governo que se autoengana? Porque, como todo governo ou indivíduo neoliberal, o Posto Ipiranga sabe muito bem, apesar dos discursos em contrário, que qualquer economia equilibrada tem o estado como controlador do preço dos alimentos básicos. O dragãozinho pode acelerar o desprestígio e o fim desse governo. Bolsonaro e Guedes mereciam ser derrotados por outros motivos e formas, mas vai ser ao custo da piora brutal das condições de vida do povo. A carestia virá e com ela mais um fronte de crise do governo. Sejamos fortes para construirmos uma oposição à altura e projetarmos saídas.
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