Há décadas o episcopado brasileiro não se manifestava de maneira tão contundente. Na semana passada, mais de 152 bispos, arcebispos e bispos eméritos — quase metade dos 320 em atividade no Brasil — assinaram um manifesto crítico ao governo Bolsonaro.
No texto, intitulado Carta Ao Povo de Deus, o grupo critica a “incapacidade e incompetência” do governo no combate ao coronavírus. Acusam-o de tentar “naturalizar ou normalizar” o drama das vítimas da covid-19 “tratando-o como fruto do acaso ou do castigo divino”. Também há queixas no campo econômico: segundo os signatários, o governo defende uma “economia que mata”.
Consideram ainda que o Brasil atravessa um dos períodos “mais difíceis de sua história”. Também fazem um alerta para a “tensão que se abate sobre os fundamentos da República” e que, segundo eles, é provocada por Jair Bolsonaro e alguns setores da sociedade. O texto termina em tom desafiador: “Despertemo-nos, portanto, do sono que nos imobiliza e nos faz meros espectadores da realidade de milhares de mortes e da violência que nos assolam.”
Apesar da ampla adesão, o documento não tem, contudo, qualquer o aval da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.
A articulação começou há cerca de um mês, com 25 bispos da ala mais progressista do episcopado, ligados a Dom Claudio Hummes e à região pan-amazônica. Uma dos motivos dessa articulação independente foi o adiamento da assembleia-geral da CNBB por conta do coronavírus. Sem debates oficiais, os bispos buscaram outros caminhos para expressar o sofrimentos dos mais pobres em suas dioceses, especialmente os que acompanham povos indígenas e comunidades tradicionais.
Conforme o interesse dos signatários ia crescendo, surgiu a ideia de pedir o aval da CNBB. A ala conservadora do catolicismo reagiu e a carta, que seria divulgada no dia 22, teve sua publicação suspensa até que um conselho da entidade aprovasse a publicação. O combinado, segundo interlocutores, seria aprovar uma versão mais light do texto. Mas a versão original veio a público antes. CartaCapital teve acesso ao documento na sexta-feira 24.
Haverá ou não nova versão da carta? Reservadamente, avalia-se que vazamento colocou os planos em suspenso. Ao mesmo tempo, desautorizar publicamente o texto divulgado seria um “tiro no pé”.
A CNBB nega vínculos com a carta. Procurada, a entidade declarou, via assessoria, que o documento “nada tem a ver” com a conferência, e que “quem a escreveu não levou à CNBB para a apreciação”. Interlocutores ouvidos por CartaCapital garantem, porém, que a carta foi encaminhada oficialmente no dia 23 de julho, por meio de Dom Adriano, bispo de São Félix do Araguaia. Por e-mail e também por Sedex. Interpelada novamente, a assessoria disse não haver registros do envio.