O dia 6 de abril foi o palco de greves e manifestações da mesma importância que o 28 de março e, segundo os sindicatos, 2 milhões de pessoas estiveram nas ruas. Um grande número de bloqueios, de ações espetaculares, como quando uma faixa foi hasteada no topo do Arco do Triunfo. O mais espetacular é certamente o número e a massividade das manifestações em muitas cidades pequenas e médias do interior. Espetacular também é a rejeição persistente da reforma de Macron por 80% da população ativa, a grande maioria das classes trabalhadoras.
Mas, isolado, Macron espera se livrar do aperto de um movimento social que, ainda que menos poderoso nas últimas semanas, está provocando agora uma crise política no país.
Nas últimas semanas, as greves renováveis marcaram o passo claramente, entre os trabalhadores que recolhem e tratam o lixo e os resíduos, nas refinarias, na SNCF (ferroviários). Apenas os trabalhadores das indústrias de eletricidade e gás (IEG) estão mantendo um movimento de cortes seletivos. Os sectores que, desde o início de março, tinham engajado uma queda de braço para bloquear a vida económica, com todas as suas forças, chamaram há um mês os outros sectores a se juntarem a eles, não querendo repetir os episódios de “greves por procuração“. Mas houve dificuldades objetivas reais em muitos sectores dos assalariados – e até entre os jovens escolarizados hoje em dia- e a opção da União Intersindical por um ritmo de um dia de greve por semana, alinhando-se com os sectores menos mobilizados, tomando o risco de não atuar como força motriz para construir greves renováveis com os sectores mais combativos. Esta escolha correspondia claramente a um compromisso com a posição da liderança confederal da CFDT, que se comprometeu na manutenção da Intersindical em torno da rejeição dos 64 anos, do apelo a greves, manifestações e até bloqueios, mas se opõe a uma táctica de paralisia da vida económica do país. A ampla unidade sindical, possibilitada pela rejeição popular dos 64 anos, e que ajudou a consolidar esta rejeição, teve como corolário esta moderação no confronto até hoje. Isto não impede a multiplicação de bloqueios e greves que muitas vezes misturam equipas CGT, Solidaires, FO, FSU e CFDT, ajudando a manter, para além dos dias nacionais, um clima de mobilização prolongada.
A paralisia política do governo levou-o durante os últimos dez dias a jogar nitidamente a carta da repressão policial, da violência, a carta também da denúncia da “extrema esquerda violenta”. Neste movimento, Macron aparece, com Darmanin [Ministro do Interior, “da polícia”], como o defensor da ordem para confortar um eleitorado vacilante, esperando também semear a divisão na União Intersindical e reduzir o apoio inabalável à mobilização e mesmo aos bloqueios pela população. Nesses dois últimos pontos, o fracasso é total, mas Darmanin não deixou de pressionar as forças policiais, acobertando todas as violências, o uso de armas e munições de guerra.
Esta escolha de escalada, que se manifestou em Sainte Soline no 23 de março e nas cargas policiais contra os cortejos sindicais, reforça a determinação do movimento. À rejeição da injustiça social dos 64 anos, à recusa da violência institucional do 49.3, junta-se agora a recusa da violência policial. Esta rejeição levou a um protesto de várias associações, especialmente a Liga dos Direitos Humanos. A LDH teve um papel central na denúncia do comportamento da polícia em Sainte Soline, fornecendo provas áudio do bloqueio dos serviços de emergência pela polícia. A LDH também iniciou uma campanha para proibição das BRAV-M [brigadas motociclistas de caça aos manifestantes], das armas de guerra. Esta ação democrática acaba de levar Gérald Darmanin a dar um passo que nenhum ministro do Interior tinha se atrevido a dar ao ameaçar diretamente a LDH, dizendo que iria “olhar de perto” os subsídios que esta recebe. Sob Macron e Darmanin, os deslizes se seguem, pondo em causa direitos democráticos e sociais que existem há décadas, sobre a declaração e proibição de manifestações e mesmo sobre o direito à greve.
Confrontado com poderosas greves nas refinarias e no tratamento do de resíduos, o governo tinha multiplicado as requisições dos grevistas para quebrar o movimento. A lei francesa permite requisições em casos de “manifesta perturbação da ordem pública”. O prefeito da Seine Maritime requisitou pessoal das refinarias da Total Energias devido ao “aumento previsível do tráfego durante o feriado da Páscoa”. O tribunal administrativo já tinha denunciado as proibições de última hora de manifestações. Agora decidiu que estas requisições “violavam séria e manifestamente o direito à greve”. Claramente, o governo está testando até onde pode levar a interpretação das leis e quer preparar o terreno para duas novas leis apresentadas pelos Republicanos no Senado limitando o direito à greve nas refinarias e nos transportes públicos. No registo dos direitos democráticos, os Republicanos [direita] o Rassemblement National [extrema direita] e os deputados na maioria de Macron acabam de adoptar, a toque de caixa, no Senado e na Assembleia Nacional, uma lei “Jogos Olímpicos” que, sob o pretexto de segurança, estabelece permanentemente dispositivos de controlo, filtragem e vigilância de massa em locais públicos e de transporte com uso da videovigilância e de ferramentas algorítmicas de análise do comportamento, que podem ser armazenadas. A França estaria assim na vanguarda de novas técnicas que poderiam muito facilmente ser novos instrumentos contra os direitos de reunião, de demonstração e para a criminalização de ações em edifícios públicos.
Nos últimos dias, as consequências da mobilização das aposentadorias deslocaram-se assim para questões de direitos democráticos, mas o próprio movimento está também polarizado pelas decisões a serem tomadas pelo Conselho Constitucional dia 14 de Abril. Esta instituição, cujos membros foram nomeados pelos presidentes da República e pelos presidentes da Assembleia Nacional e do Senado, atua como censor das leis, julgando a sua conformidade total ou parcial com as normas constitucionais.
Assim, o Conselho tornara publica dia 14 de abril sua decisão sobre a Lei de Financiamento da Segurança Social, que contém os ataques às aposentadorias e o aumento da idade da reforma para 64 anos. Decidirá também se deve ou não ser lançado um Referendo de Iniciativa Partilhada sobre um projeto que limita a idade de aposentadoria a um máximo de 62 anos, tal como proposto pelos eleitos do NUPES. Se o Conselho ratificar a lei, conferindo-lhe um verniz de legitimidade, esta poderá ser promulgada por Macron.
Macron não estaria, no entanto, fora dos apuros. A primeira questão será obviamente a do movimento social e da sua capacidade de ultrapassar este novo obstáculo e de o fazer mantendo a sua unidade. Mas para Macron, a questão da continuação do seu mandato de cinco anos virá à tona em qualquer caso.
Quanto ao diálogo social com os sindicatos, depois de ter desprezado as lideranças sindicais, a Primeira-Ministra não tem como lhes pedir que aceitem a reforma dos 64 anos e que se empenhem numa nova fase sobre questões sociais. Até mesmo a CFDT não está pronta para o fazer, dado a relação de força social que o movimento tem construído. [Elizabeth] Borne também não tem como encontrar uma aliança maioritária estável na Assembleia Nacional, como Macron lhe pediu. Os Republicanos, enfraquecidos pela sua posição sobre as aposentadorias, não têm interesse em ser um remendo para o governo Borne. Os dias deste governo estão provavelmente contados, e a própria Borne não acredita no seu futuro nesta posição, mas os parâmetros dificilmente serão alterados no caso de uma mudança de primeiro(a)-ministro.
A Intersindical apela a um novo dia de ação no 13 de abril, mas sem apresentar qualquer outra perspectiva para o movimento do que esperar pelas decisões do Conselho Constitucional. Para restabelecer a relação de força seria necessário apresentar objetivos específicos, tais como uma manifestação nacional ou a preparação de uma nova vaga de greves renováveis.
Um outro problema é cada vez mais óbvio. Se, no fundo, o movimento é um movimento de classe reunindo, na ação ou no apoio, a grande maioria dos trabalhadores tendo como pano de fundo a recusa de continuar a pagar a manutenção de um sistema que atinge as classes trabalhadoras, não brota no movimento a expressão de exigências que vão para além da questão dos 64 anos de idade. A ampla dinâmica criada pela unidade de todos os sindicatos têm como limite imediato a impossibilidade de ir mais além da questão dos 64 anos, a própria CFDT sobre a questão das aposentadorias tendo já aceite a reforma Touraine de 2014 que eleva a 43 anos o tempo de contribuição. Consequentemente, a Intersindical não apresenta quaisquer exigências sobre o financiamento das pensões, tais como o fim das isenções e renúncias [em favor das empresas] e o aumento das contribuições dos empregadores, ainda menos uma volta atras em relação a reforma de Touraine e à de Woerth em 2010 que passou a idade da aposentadoria de 6- para 62 anos. Do mesmo modo, não existe uma base intersindical comum a nível confederal sobre as outras questões sociais urgentes, que estão muito presentes nas manifestações, sobre os salario-desemprego ou sobre a luta pelos salários e contra os aumentos de preços.
O papel da Intersindical nacional serviu de ponto de apoio nas cidades, mas também limitou a extensão da plataforma das Uniões Intersindicais locais. Pode parecer uma questão secundária que não impediu o desenvolvimento de uma mobilização de uma profundidade provavelmente sem precedentes. Mas todos entendem que a relação de força entre as classes só pode ser mantida se, na consciência daqueles que participam no movimento ou o apoiam, a questão contra quem estamos lutando esta claramente colocada. A questão dos 64 anos não é o capricho de um autocrata delirante, é uma escolha política de classe que corresponde aos interesses dos grupos capitalistas que promoveram reformas idênticas nos outros países europeus.
Trata-se, portanto, de contestar a distribuição da riqueza e as escolhas feitas no interesse dos capitalistas, escolhas feitas na Europa pelos partidos que apoiam o liberalismo, incluindo a extrema direita de partidos semelhantes ao RN, como o Fratelli d’Itália de Meloni, que aplica a reforma completa aos 67 anos de idade no quadro das exigências orçamentais da União Europeia. Combater o conto da fada do “RN defensor das aposentadorias” não pode ser feito sem apoiar o movimento com base uma plataforma que questiona as escolhas capitalistas do governo e apresenta reivindicações em linha com os interesses das classes trabalhadoras. Ausente do movimento, silencioso em qualquer plataforma política de defesa das aposentadorias, para além do natalismo e das medidas anti-imigrantista, o RN posiciona-se para colher os frutos de uma mobilização social que, objetivamente, visa os capitalistas.
Macron e Darmanin, por outro lado, estão constantemente tecendo aproximações em direção aos republicanos e à extrema-direita enquanto criminalizam e demonizam o NUPES. Além disso, numa eleição legislativa parcial em Ariège, o segundo turno viu uma frente comum do partido de Macron, os Republicanos, o Rassemblement Nacional, apoiar uma candidata socialista contra a NUPES para derrotar a candidata da France Insoumise.
A situação também é obviamente dificultada pela ausência de construção de uma frente social e política comum no coração deste movimento, pela ausência mesmo, fora da Assembleia Nacional, de uma ampla iniciativa política unitária que permitisse liderar um debate e apresentar propostas unitárias para construir nas cidades e ao nível nacional as estruturas unitárias sobre as questões sociais e democráticas da hora, em fase com a mobilização social.
A força do movimento e as dezenas de milhares de militantes que o estruturam terão talvez a força para ultrapassar estes obstáculos nas próximas semanas.