Foram, ao todo, 16 vetos ao texto. O que faz dele o projeto de lei mais vetado na história brasileira, segundo o Cimi (Centro Indigenista Missionário).
Em geral, a justificativa foi a de que a lei não poderia criar despesa obrigatória sem demonstrar o impacto orçamentário e financeiro. Acontece que, ainda em março, o STF autorizou o governo a descumprir leis orçamentárias para poder gastar mais durante a pandemia. “A base legal para aprovar o auxílio emergencial, por exemplo, é a mesma para implementar medidas como essas”, explica Juliana Damasceno, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), no El País.
Chama a atenção, ainda, uma outra justificativa: para se esquivar de garantir acesso facilitado ao auxílio emergencial, o presidente alegou que a proposta é contrária ao interesse público “em razão da insegurança decorrente da necessidade de deslocamento da entidade pagadora a milhares de comunidades do Brasil, algumas das quais não se tem um mapeamento preciso, o que revela a real impossibilidade operacional de pagamento em tempo oportuno”. Já comentamos mais de uma vez como a necessidade de ir à cidade para buscar o auxílio é um fator importante de disseminação do coronavírus pelas comunidades adentro. Mas, para o governo Bolsonaro, perigoso é o deslocamento da entidade pagadora.
Segundo a Apib,453 indígenas já morreram por covid-19 e 12.768 foram infectados. Entre quilombolas, são 128 óbitos e 2590 casos confirmados, conforme um levantamento da Conaq (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas) e do Instituto SocioAmbiental. Já que o presidente só gosta de falar em mortos por milhão, ficamos assim: hoje, entre indígenas, há 566 mortos por milhão no Brasil, contra 324 na população em geral. Em relação aos quilombolas, a conta nem é possível, já que até hoje o país não tem dados oficiais sobre quantas pessoas vivem nessas comunidades.
Em tempo: o presidente da Funai está com a doença e já afirma tomar hidroxicloroquina.
Para derrubar
A lei sancionada por Bolsonaro saiu no Diário Oficial na madrugada de ontem e começou a repercutir durante a manhã. Horas depois, o ministro do STF Luís Roberto Barroso determinou – a partir de uma ação movida na semana passada pela Apib e seis partidos – cinco medidas que o governo federal precisa adotar para proteger as comunidades indígenas (mas não as quilombolas): instalar em até 72 horas, uma Sala de Situação para a gestão de ações de combate à pandemia, com a participação de comunidades indígenas, Procuradoria Geral da República (PGR) e Defensoria Pública da União (DPU); em até dez dias, ouvir a Sala de Situação para elaborar um plano com criação de barreiras sanitárias em terras indígenas; em 30 dias, elaborar um Plano de Enfrentamento da Covid-19 para os Povos Indígenas Brasileiros, com a participação das comunidades indígenas e do Conselho Nacional de Direitos Humanos; estabelecer nesse Plano medidas de contenção e isolamento de invasores em relação a terras indígenas; garantir que o Subsistema Indígena de Saúde atenda também aos indígenas que vivem nas cidades ou em terras e reservas ainda não-homologadas. Os prazos determinados porém, não nos parecem muito satisfatórios.
O melhor é que o Congresso derrube os vetos do presidente. Nesse sentido, a oposição começou a pressionar o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, para convocar uma sessão conjunta de deputados e senadores. Segundo o Estadão, a próxima reunião está prevista para a semana que vem e há outros vetos na frente (como aquelas exceções à obrigatoriedade do uso de máscaras) que precisam necessariamente ser votados antes. Porém, a oposição pede que os vetos contra indígenas e quilombolas sejam incluídos na mesma sessão.
Várias epidemias
Quarta-feira é dia de divulgação do boletim epidemiológico do Ministério da Saúde sobre o coronavírus. É um olhar pelo retrovisor, mais especificamente para o período entre 28 de junho e 4 de julho. Na semana passada – a 27ª “semana epidemiológica” (que corresponde à 27ª do ano) –, foram registrados 263.337 novos casos. Um número 7% maior na comparação com o período anterior. Mas olhando ainda mais para trás, entre a semana 25 e 26 o crescimento havia sido maior, de 13% e, antes disso, o salto tinha sido de 22%.
Para o governo, isso indica que a velocidade caiu, como já havia acontecido antes entre abril e maio. Não quer dizer muita coisa, já que podemos voltar a pisar no acelerador de novo. E há duas regiões onde isso está acontecendo. No Sul, o número de infectados cresceu 36%, chegando a 25.493 registros em uma semana. No Centro-Oeste, os casos saltaram 22%, totalizando 28.764 novas infecções.
Em relação aos óbitos semanais, essas regiões também estão bem distantes da média nacional. Isso porque da semana 26 para a 27, houve um aumento de 1% nas mortes. Passamos de 7.094 para 7.195 – uma cifra que o próprio Ministério reconhece que é alta. Mas no Centro-Oeste, o aumento foi de 27% e no Sul, de 18%. O Nordeste se manteve estável (-0,05%). Nesse caso, a média está sendo puxada para baixo por Norte (-5%) e Sudeste (1%). Aliás, os casos só não estão subindo no Norte. Apesar de registrar menos mortes, o Sudeste registrou ligeiro crescimento de casos (1%) e o Nordeste um relevante aumento de 15%.
No total, chegamos a 1.713.160 casos ontem, nas contas do Ministério – e a 1.716.196, na apuração do consórcio de veículos da imprensa. Lembrando que em três dias saltamos mais de cem mil casos, pois foi no domingo que o país atingiu a marca de 1,6 milhão.
Nas últimas 24 horas, também foram registradas 1.187 mortes, elevando o total de óbitos no país para 68.055.
Interiorização
O novo coronavírus avançou mais um tanto na conquista do território brasileiro. Na semana passada, ele havia chegado a 5.371 cidades, o equivalente a 96,4% dos municípios do país. Antes, esse número era de 90,1%. Mas o Ministério da Saúde ressaltou que a epidemia está no começo na maior parte desses lugares: 71% têm, no máximo, dez casos registrados. Daria tempo para fazer bons trabalhos de testagem, isolamento de infectados e rastreamento de contatos – se houvesse coordenação nesse sentido.
No prazo de uma semana, mais 289 municípios entraram na lista dos que registraram mortes, que perfaz 2.840 – ou 51% do total.
Apesar da evidente interiorização da doença, as capitais ainda sofrem – nem que seja por receber doentes de outras cidades. Na semana passada, Natal e Rio Branco eram as únicas com mais de 90% dos leitos de UTI ocupados. Agora, o levantamento feito pela Folha junto às secretariais estaduais já inclui outros quatro centros: Florianópolis (90%), Curitiba (92%), Cuiabá (92%) e Belo Horizonte (91%). Aracaju está no limite para entrar no alerta vermelhíssimo, com 88% dos leitos de terapia intensiva ocupados. Ontem, a Justiça Federal determinou que o governo de Sergipe suspenda a flexibilização das medidas de isolamento social. A ocupação precisa retroceder a 70% para que a reabertura volte a acontecer. A decisão liminar foi tomada a pedido dos ministérios Federal, Estadual e do Trabalho. O governo de Belivaldo Chagas (PSD) disse que vai cumprir a decisão, mas pretende recorrer.
Profissionais
Ontem, o governo trouxe dados sobre a contaminação de profissionais de saúde. Segundo o sistema de informações do Ministério, um total de 173.417 já foi infectado. A enfermagem é, de longe, a categoria mais afetada. Os trabalhadores de nível médio – técnicos ou auxiliares – respondem por 34% das confirmações da covid-19, seguidos pelos enfermeiros (15%). Médicos (11%), agentes comunitários de saúde (5%) e recepcionistas (4%) completam a lista dos mais atingidos.
O número pode ser maior, já que Paraná e Espírito Santo não estão integrados ao sistema usado pela pasta para acompanhar esses dados. Além disso, apenas no fim de março foi incluído o campo “ocupação” nas fichas usadas para registro.
A essa altura
O Brasil já assumiu há tempos o segundo lugar em número de casos no mundo, mas a gravidade da situação sanitária não é o suficiente para impedir que as entidades de classe médicas lutem com todas as forças para barrar planos de contratação emergencial de profissionais formados no exterior sem diploma revalidado por aqui.
O Conselho Federal de Medicina (CFM) – aquele mesmo que dá “liberdade” para que os médicos prescrevam cloroquina e hidroxicloroquina, drogas banidas nas principais economias do mundo, e se prestou ao papelão de apresentar o parecer a Jair Bolsonaro –, avalia que há um movimento “político” para tentar burlar as regras de revalidação vigentes. Para o presidente da autarquia, Mauro Ribeiro, a tentativa de reforçar os serviços de saúde feita principalmente por governadores do Norte e do Nordeste é “casuísmo”. Para ele, vale a lei do mercado: “onde tem mercado tem médicos, e onde não tem mercado há dificuldades em alocá-los”.
Lembremos: médicos formados no exterior precisam passar por uma prova que não é feita há dois anos pelo Inep. Diante da pandemia, governadores e prefeitos têm assinado decretos e editais para contratar os profissionais mesmo sem essa revalidação. Essas normas provisórias são derrubadas na Justiça, ou por ação de conselhos regionais de medicina, ou por ação da própria União – com uma mãozinha de juízes conservadores.
A Defensoria Pública da União chegou a entrar, no fim de abril, com um pedido para que o CFM e a União não impedissem governos de contratar esses profissionais. Na decisão, o juiz entendeu que nem a pior pandemia de gerações justifica “permitir a contratação de profissionais médicos que não atendam a requisitos legais”.
Sempre a cloroquina
Mayra Pinheiro é uma personagem que volta e meia aparece por aqui. Secretária de Gestão do Trabalho e da Educação no Ministério da Saúde, ela acha que a Fiocruz tem um pênis na porta de sua sede no Rio. Mayra ficou conhecida por vaiar médicos cubanos quando era presidente do sindicato da categoria no Ceará. Foi candidata ao Senado pelo PSDB nas últimas eleições. Derrotada nas urnas, foi convidada por Luiz Henrique Mandetta para compor seu time.
A última dela é usar as redes sociais para desancar governadores, prefeitos e secretários de saúde, bem ao estilo do presidente. O ataque é direcionado especialmente a João Doria (PSDB), Wilson Witzel (PSC) e Camilo Santana (PT). Ela afirma que eles “impediram ou dificultaram o acesso a medicações para tratamento” da covid-19. Mayra Pinheiro acredita na cloroquina.
E falando em cloroquina, uma reportagem da BBC Brasil revela como a Procuradoria Geral da República (PGR) resolveu ir contra sua missão fiscalizatória para livrar o Ministério da Saúde de constrangimentos. No dia 29 de junho, o Gabinete Integrado de Acompanhamento à Epidemia do Coronavírus e a 1ª Câmara de Coordenação e Revisão decidiram não encaminhar à pasta uma recomendação feita por procuradores de SP, Rio, Pernambuco e Sergipe. Eles pediam que o Ministério reavaliasse a indicação de cloroquina e hidroxicloroquina nos estágios iniciais da covid-19 e pediam que o governo não voltasse a indicar medicamentos sem eficácia comprovada cientificamente.
“Nesses casos, a praxe é que a PGR receba as indicações dos procuradores e as encaminhe para o ministério correspondente. Não foi o que aconteceu desta vez, no entanto”, conta o repórter André Shalders, que apurou que tanto o Gabinete quanto a Câmara estão sob influência de Augusto Aras. Entre as justificativas para deixar na gaveta a recomendação, está a de que violaria o princípio da independência e da separação dos poderes (...).
O fim da picada
A espiral conservadora em que o Brasil se meteu chegou a um novo ponto inimaginável: afetou um texto proposto por países africanos na ONU para banir a mutilação genital feminina. O motivo? O documento traz o termo “saúde sexual e reprodutiva”. Todos os estudos apontam para a importância desse tema justamente no combate à mutilação. Os autores do texto explicam que, para essas mulheres, pode ser até mesmo uma questão de vida ou morte. Mas, como lembra a reportagem do El País, a conduta do Itamaraty tem sido a de pedir a exclusão de qualquer referência a isso nos textos. Alega, é claro, que a garantir a mulheres o acesso à saúde sexual pode justificar no futuro práticas de aborto, um dos inimigos maiores do governo federal.
Embora o histórico recente da diplomacia brasileira já não fosse dos melhores, o novo posicionamento “foi recebido com choque pelas demais delegações”, segundo a reportagem. Em Brasília, ele causou a indignação dos próprios funcionários do Itamaraty, que “agora é visto como retrógrado pelos países africanos e como bárbaro pelos governos europeus”. Recentemente, numa resolução que propõe uma luta contra a discriminação contra mulheres e cita a garantia de acesso universal à educação sexual, o Brasil também foi contra, junto com Arábia Saudita, Catar, Bahrein, Iraque e Paquistão.
Mortos de fome
Até o fim deste ano, o mundo pode vir a se deparar com a morte diária de 6 a 12 mil pessoas por fome. O alerta vem da ONG Oxfam, em um relatório divulgado ontem. No pior cenário, seriam mais óbitos diários por fome do que pelo coronavírus. O documento, porém, não sugere que o remédio contra a pandemia (medidas de prevenção e contenção) sejam piores do que o vírus, como afirmam alguns governantes. “Cabe aos Estados garantir a sobrevivência dessas pessoas e, ao mesmo tempo, dar condições para que o isolamento seja posto em prática, diz ao Globo Maitê Gauto, da organização.
Países como Brasil, Índia e África do Sul estão entrando em situações críticas durante a pandemia, e o Brasil pode se tornar um dos epicentros da fome no mundo. Por aqui, diz o texto, em junho só haviam sido distribuídos 10% do auxílio prometido pelo governo federal aos trabalhadores e às empresas via Programa Emergencial de Suporte ao Emprego (PESE). “Os riscos de disparada da fome no país são imensos quando o Estado brasileiro falha em garantir as condições mínimas de sobrevivência a todas as pessoas impactadas pela pandemia. Não basta criar programas de proteção, o que muda a vida das pessoas é fazer os recursos chegarem na ponta”, reforça Gauto, na Rede Brasil Atual.
O problema tende a ser muito pior nos países que hoje já são os focos da fome e da insegurança alimentar no mundo, em geral marcados por conflitos. O Conselho de Segurança da ONU aprovou este mês uma resolução sobre um cessar-fogo global durante a pandemia, e apelos nesse sentido têm sido feitos desde março. O Iêmen, devastado por cinco anos de guerra, tem dois terços da população passando fome e mais de dois milhões de crianças sofrendo de desnutrição moderada ou grave. No Afeganistão, onde já havia 2,5 milhões de famintos no ano passado, houve acréscimo de mais um milhão com a pandemia. Hoje, 10 países e regiões concentram os piores cenários de fome extrema: Iêmen, República Democrática do Congo, Afeganistão, Venezuela, Sahel, Etiópia, Sudão, Sudão do Sul, Síria e Haiti. Juntos, representam 65% das pessoas que enfrentam situações de fome no mundo.
Enquanto isso, ainda segundo a ONG, oito das maiores empresas de alimentos e bebidas do mundo pagaram mais de US$ 18 bilhões a seus acionistas só este ano. Em comparação, em maio a ONU fez um apelo por doações: pretendia chegar a US$ 6,7 bi para ajudar dezenas países de baixa e média renda a proteger as populações da covid-19 e da pobreza extrema.
Consequencia da birra
Quase 30 organizações já assinaram uma carta aberta à sociedade, aos gestores do SUS e ao legislativo em defesa da importância para o SUS da participação brasileira na Opas (Organização Pan-Americana de Saúde). Como temos visto por aqui, o governo brasileiro acumula uma dívida de US$24 bilhões com a entidade e, recentemente, embarcou na onda de Donald Trump ameaçando abandoná-la.
Se o resultado disso seria um desastre para a manutenção da Opas, para a saúde dos brasileiros seria também catastrófico. Por meio da Opas, os países conseguem comprar, com preços reduzidos, uma série de medicamentos e produtos, como vacinas, imunobiológicos, tratamentos para HIV/Aids e hepatites virais, anti reumáticos, fatores de coagulação para hemofilia e quimioterápicos. Além disso, tem acesso a pesquisas e assessoria técnica. “A saída da Opas ou a simples redução de repasses enfraquece a Organização e tem um potencial de prejudicar especialmente o fornecimento de medicamentos pelo SUS por estados e municípios. Qualquer agressão à Organização é uma ameaça ao sistema público brasileiro, especialmente para usuários em tratamento de câncer, de doenças autoimunes, de doenças reumáticas, de certas hepatites virais, assim como para o fornecimento de vacina”, diz o documento.
Com aval
O Instituto Butantã recebeu ontem o aval da Conep (a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa) para começar os testes clínicos com a Coronavac, vacina desenvolvida em parceria com a empresa chinesa Sinovac. Ea o último requisito necessário a realização dos ensaios, que, segundo o governo de São Paulo, devem começar no dia 20.