Prestes a bater meio milhão de mortos na pandemia, país registra 2.997 óbitos em 24 horas e mais de 95.000 casos. Cobertura vacinal lenta e fim precoce de restrições formam coquetel da terceira onda antecipada por especialistas.
Flávia Marreiro, El País Brasil 16 de junho de 2021
Não há surpresas. Como antecipado por especialistas ao longo de maio, o Brasil mostra sinais mais contundentes da terceira onda da pandemia. O país registrou nesta quarta-feira mais 2.997 mortes causadas pelo coronavírus, atingindo desde o início da crise sanitária 493.693 óbitos, segundo dados do Ministério da Saúde. Desde o fim de abril não havia um número tão alto de mortos registrados em 24 horas. A alta do número de casos ―mais de 95.000 diários― também é preocupante e casa com um alerta divulgado pelo Imperial College, de Londres, que afirmou que a taxa de transmissão (RT) do coronavírus subiu esta semana e está em 1,07. Ou seja, pelos cálculos da instituição britânica, cada 100 pessoas transmitem a doença para outros 107 brasileiros.
A média móvel de óbitos nos últimos sete dias ―a soma dos dados de sete dias e a divisão do resultado por sete, para corrigir mudanças bruscas nos registros nos fins de semana― já ultrapassa 2.000 mortes novamente, após um período de queda a partir de meados de abril. Os dados são os compilados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass). “Já somos, de novo, o país que mais mata pessoas no mundo na pandemia”, diz o neurocientista Miguel Nicolelis, no novo episódio do podcast Diário do front (ouça aqui), que analisa a emergência de saúde quando o Brasil está prestes a completar meio milhão de mortos pela doença. O Brasil responde por cerca de 25% de todas as mortes diárias provocadas pelo novo vírus no mundo atualmente. “É como se Florianópolis sofresse um ataque nuclear e toda a população da cidade, por volta de 500.000 habitantes, desaparecesse num piscar de olhos”, compara Nicolelis, citando o total de vítimas da pandemia até agora.
Não há nada no panorama atual que aponte para uma melhora rápida do quadro: o Brasil tenta acelerar a vacinação, mas ainda exibe índices muito baixos de imunização completa da população. Menos de 15% dos brasileiros receberam as duas doses necessárias da vacina contra a covid-19. Por outro lado, a maior parte das regiões do país segue flexibilizando restrições de circulação, mesmo com a alta de contágios. O país ainda abriga no momento a Copa América, com a circulação de delegações estrangeiras de equipes de futebol de toda a América do Sul. Até o momento, 52 casos positivos para covid-19 foram detectados entre atletas e staff.
A situação nos Estados varia. Em São Paulo, que acumula o maior número de mortes no país, foram 22.582 novos casos do novo coronavírus registrados nesta quarta-feira, o oitavo maior número diário desde o início da pandemia. A margem de manobra segue estreita nos hospitais do Estado, o mais rico do país, que mantêm mais de 80% de ocupação para as UTIs exclusivas para covid-19. “Analisando os dados de São Paulo, vemos que a tsunami de casos está vindo do interior”, diz Nicolelis. Na capital paranaense, Curitiba, a situação segue crítica. A taxa de ocupação dos leitos de UTI SUS exclusivos para a doença está em 102%.
Governo, agora, tenta mais doses da Pfizer
Acossado pela CPI da Pandemia, o Governo Bolsonaro tenta fazer anúncios positivos sobre a vacinação, após documentos provarem que o Planalto e o Ministério da Saúde deliberadamente recusaram ofertas de fabricantes, especialmente da Pfizer, no segundo semestre de 2020. Nesta quarta, o ministro Marcelo Queiroga anunciou a antecipação da chegada de 7 milhões de doses da vacina da farmacêutica norte-americana ao Brasil em julho ―a previsão original, segundo ele, era de 8 milhões de doses da fabricante no mês que vem.
O esforço de vacinação, porém, não vai conter uma nova onda de contágios e mortes, preveem os especialistas, e citam os exemplos do Reino Unido e do Chile, onde a imunização já está bastante avançada. Nesta terça-feira, o premiê britânico Boris Johnson anunciou o adiamento de até quatro semanas no chamado Dia da Liberdade, o fim das restrições contra o coronavírus. A variante indiana (ou delta), que se espalhou pelo país a um ritmo preocupante nas últimas semanas, frustrou os planos de Johnson. Já Santiago, a capital chilena, voltou ao confinamento após a alta de internações por covi-19, especialmente de jovens ainda não vacinados.