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Brasil só terá dinheiro se provar que reduziu desmatamento

Maria Cristina Fernandes e Giovana Girardi acompanham as negociações dos EUA com o governo Bolsonaro sobre a Amazônia para a Cúpula do Clima de 22 de abril

9 de abril de 2021

Consórcio dos Estados da Amazônia se habilita para ser o destinatário dos recursos

Maria Cristina Fernandes, Valor Econômico, 7 de abril de 2021

Na condição de presidente do Conselho Nacional da Amazônia Legal, instância constituída em fevereiro do ano passado no auge das maiores queimadas das últimas décadas no país, o vice-presidente Hamilton Mourão está cético em relação à possibilidade de o governo americano e a União Europeia sinalizarem com recursos para o Brasil enquanto o país não demonstrar, com números, seu compromisso com a redução no desmatamento.

O presidente americano, Joe Biden, promove um encontro com 40 chefes de Estado no dia 22 para discutir a pauta climática. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, investe todas as fichas em arrancar US$ 1 bilhão de ajuda estrangeira para as florestas brasileiras nesse encontro e, assim, assegurar sua permanência no cargo. Ele quer dinheiro para evitar desmatamento. Mourão, porém, acha que a ordem é inversa. Diz que ninguém vai dar dinheiro para o Brasil antes de julho, quando saem os dados do Prodes, o monitoramento do desmatamento da floresta amazônica por satélite realizado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

“Não acredito que Biden vá soltar dinheiro para o Brasil agora.”

O vice-presidente ainda se mantém cético em relação ao incremento da Força Nacional na vigilância da Amazônia, como pretende Salles. A pauta é o pano de fundo dos atritos entre o ministro do Meio Ambiente e o chefe da Polícia Federal no Amazonas, Alexandre Saraiva.

A gota d’água da briga entre eles foi a apreensão, pela Polícia Federal, de 150 mil metros cúbicos de madeira (o equivalente a 40 mil toras) entre as divisas do Pará e do Amazonas. Salles criticou a apreensão e Saraiva disse que esta se deveu a irregularidades no Cadastro Ambiental Rural (CAR) que ignoraram as Áreas de Preservação Permanente (APP). “Na Polícia Federal não vai passar a boiada”, disse Saraiva à “Folha de S.Paulo”. Este atrito teria levado Salles a privilegiar a Força Nacional de Segurança, em detrimento da Polícia Federal a partir de 30 de abril, quando se encerra a Operação Verde, que levou as Forças Armadas a atuar na prevenção dos incêndios e desmatamento da região.

O vice-presidente da República chegou a receber, em seu gabinete, o grupo de madeireiros, na companhia dos dirigentes da Federação das Indústrias do Pará. Pediu que a Polícia Federal abrisse oportunidade para que eles apresentassem a documentação das toras que eles dizem estar regularizada, o que, até agora, ainda não foi feito.

“A apreensão se baseia em documentos falsos. Se não houver a apresentação de um registro lícito da extração dessa madeira, fica difícil a liberação”, diz. Mourão não vê como a Força Nacional de Segurança, formada por policiais militares dos Estados, possa vir a resolver o imbróglio. Não apenas porque é da atribuição da Polícia Federal investigar crimes ambientais em áreas federais como também porque falta efetivo e dinheiro para a Força Nacional. A Operação Verde, das Forças Armadas, por exemplo, terá custado, até o fim deste mês, R$ 400 milhões.

A intenção já manifestada por Salles de usar um terço de recursos estrangeiros para custear a Força Nacional é temida por organizações não governamentais que atuam na região como parte do projeto de fortalecer células bolsonaristas das Polícias Militares.

Qualquer intenção nesse sentido, esbarra, na opinião do vice-presidente, em três empecilhos. O primeiro é a dificuldade de qualquer doação ser liberada antes de julho. O segundo é que a alocação de eventuais recursos de doação será feita pelo Conselho Nacional da Amazônia Legal, que, além do vice-presidente, é composto por 15 ministros. O terceiro é que, na vigência do teto de gastos, as doações nele esbarram.

Por isso, tanto Mourão quanto o consórcio de governadores da Amazônia têm defendido que eventuais doações sejam feitas para os Estados, sobre cujo orçamento não incide teto.

Salles tem se valido da proximidade do presidente Jair Bolsonaro com o embaixador americano Tod Chapman para tentar liberar esses recursos. O embaixador, nomeado pelo ex-presidente americano Donald Trump, ainda não foi substituído. A troca de governo, porém, o submeteu às novas diretrizes da política americana.

De olho nessas novas diretrizes, os governadores dos nove Estados da Amazônia Legal fizeram uma reunião com o embaixador americano para tentar sensibilizá-lo para os projetos de desenvolvimento sustentável que estão sendo desenvolvidos pelos Estados. Ainda que predominem governadores aliados ao bolsonarismo no consórcio, a expectativa de dinheiro novo na atual conjuntura de restrição fiscal tem mantido os Estados unidos na expectativa de que sejam os entes subnacionais e não o governo federal os destinatários desses recursos.

Dinheiro novo seria bem-vindo não apenas pela ausência de recursos para recuperação de áreas degradadas e manejo ambiental quanto pela própria dificuldade de deslocar policiais para integrar a Força Nacional de Segurança em Estados em que a segurança pública absorve integralmente a demanda desses efetivos.

A participação de grandes empresários em iniciativas como a Concertação Empresarial, que reúne nomes como Guilherme Leal (Natura), Candido Bracher (Itaú) e Marcos Molina (Marfrig), dilui a perspectiva de um embate entre governadores e governo federal no tema, amplia a aliança em defesa da Amazônia e isola a mentalidade “passar a boiada” que prevalece em setores do bolsonarismo raiz ao qual integrantes do governo como Salles e o secretário de Assuntos Fundiários, Nabhan Garcia, são ligados.

Giovana Girardi no Twitter sobre as negociações de Ricardo Salles

@giovanagirardi
Jornalista especializada em ambiente e ciência (brazilian science and environment journalist).

EXCLUSIVO: Sobre as negociações de @rsallesmma
c/ os EUA, 10 coisas que soube da proposta dos americanos:

1) EUA trabalham a todo vapor pra mostrar que estão de volta aos esforços pra combater as mudanças climáticas e querem q a cúpula de 22/4, chamada por Biden, seja um sucesso

2) Isso significa que eles querem de todo jeito arrancar ambição dos outros países convocados pra reunião – Brasil entre eles. Mini-acordos bilaterais estão sendo desenhados, e os americanos estão passando a mensagem de que não querem brincadeira.
3) Nas reuniões c/ o Brasil, afirmam q querem um compromisso político: q o País volte a se comprometer em zerar o desmatamento ilegal até 2030 e tenha um plano concreto para isso, reabilitando o PPCDAm (programa de combate ao desmatamento fundamental para reduções anteriores)
4) Eles acenam com algum $ pra ajudar, mas nada nem perto do que quer Salles, os tais US$ 1 bi. Esse montante assim "de graça", como quer o ministro, não está em jogo. E eles não querem que o Brasil se comprometa somente com o básico
5) Falar que consegue reduzir em até 40% o desmatamento, se for pago pra isso, depois de aumentar em quase 50% a devastação, é fazer a obrigação, entendem os EUA. E a barganha não caiu nada bem entre os americanos, como mostraram algumas reportagens nesta semana.
6) De 18 para 19, o desmatamento na Amazônia subiu 34,4%, e de 19 para 20, mais 9,5%. São os maiores valores desde 2008. Salles insiste em dizer q a alta vem desde 2012, mas, em média, os alertas nos 2 anos de Bolsonaro foram 82% superiores à média dos alertas nos três anos antes
7) @rsalles disse que manteve as metas de redução de emissões de gases-estufa assumidas junto ao Acordo de Paris sem trazer novas condicionantes. Mas o documento apresentado no ano passado deixou de conter justamente a meta de zerar o desmatamento ilegal até 2030
8) Os EUA são pragmáticos: querem ajudar c/ ações de combate a fogo e apoio contra a exploração ilegal de madeira (eles sabem que boa parte dessa madeira vai pra lá), mas dizem que para "construir confiança", querem esse compromisso público do Brasil com desmatamento zero em 2030
9) Nessa construção de confiança, pedem q sejam restaurados os recursos e o mandato do
@brasil_IBAMA, inclusive o direito de confiscar e destruir equipamentos de crimes ambientais. Pedem "inequívoco apoio" do governo para isso, visto q esse tipo de ação funcionou bem no passado
10) Além de ações de curto prazo, os EUA acenam com apoios de médio e longo prazo, como apoio ao Adote um Parque por empresas americanas. Mas para isso querem 1º ver o desmatamento cair e a governança aumentar, assim como o orçamento nacional para essas ações