Em luta contra o marco temporal, lideranças realizam a maior mobilização indígena dos últimos 35 anos.
Jorge Eduardo Oliveira, Greenpeace Brasil, 25 de agosto de 2021
A luta pelas florestas e biodiversidade ganhou um capítulo simbólico e muito especial esta semana. Vindos de todas as regiões do País, 6 mil lideranças, de 176 povos diferentes, se reúnem na capital federal até o final desta semana para o acampamento #LutaPelaVida. Elas participam de uma série de plenárias, atos políticos, discussões e articulações contra a tese do marco temporal. Pelo número de povos , indivíduos envolvidos e contexto político que caracteriza este encontro, esta aliança já é considerada a maior e mais importante mobilização indígena dos últimos 35 anos.
O motivo principal do acampamento é o julgamento do Recurso Extraordinário 1.017.365. Previsto para ser realizado nesta quarta (25), ele acabou sendo adiado – pela quarta vez em menos de dois meses – para a quinta-feira (26).
No centro deste julgamento está a tese do marco temporal – que diz que os indígenas brasileiros só podem reivindicar as terras que já ocupavam no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação de nossa Constituição. Essa teoria é falha porque ela ignora todo o histórico de violências cometidas contra os povos originários ao longo dos séculos, como assassinatos, chacinas, genocídios, remoções forçadas e surtos de doenças. Os indígenas estão em Brasília para pedir que os ministros rejeitem a tese do marco temporal.
Inconstitucional
Além disso, juristas, militantes, organizações sociais e uma série de especialistas já disseram que o Marco Temporal é inconstitucional porque fere os artigos 231 e 232 da Constituição. Esses artigos dizem que os direitos dos povos indígenas são “originários” – ou seja, são anteriores à concepção de Estado, da criação do Brasil. Para deixar seu recado bem claro, os indígenas realizaram dois grandes atos que serviram para mostrar à sociedade brasileira sua contrariedade e não concordância com o marco temporal.
A primeira ação ocorreu na terça (24) à tarde, numa praça em frente ao Congresso Nacional. As lideranças indígenas espalharam 1.296 placas de demarcação – para mostrar que o Brasil inteiro, de Norte a Sul, possui terras indígenas que existem e resistem. O local ficou tomado por danças, cocares, tambores e maracás que se manifestaram contra a agenda anti-indígena do governo Bolsonaro e do Congresso.
Pela noite, as lideranças foram para a Praça dos Três Poderes e escreveram, com quase 400 lâmpadas de LED, a mensagem “Brasil Terra Indígena”. Mais de duas mil velas foram distribuídas aos parentes, que realizaram um grande toré ao redor da mensagem, com cantos e danças que chamaram os espíritos e encantados para interceder junto ao Supremo Tribunal Federal. Os indígenas confiam nos ministros do STF para que se atenham ao texto constitucional e que cumpram o que está escrito na lei – e que afastem qualquer possibilidade de restrição ou reversão do que foi garantido pela Constituição Federal de 1988.
Genocídio global
Um dos coordenadores-executivos da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Dinamam Tuxá contou que, com a discussão da tese do Marco Temporal, os povos indígenas estão sob ameaça: “Se essa tese do marco temporal for aprovada, ela não apenas vai sangrar o Brasil mais uma vez. Ela vai gerar um caos humanitário. Ela vai gerar um caos ambiental. Vai insuflar o desmatamento. Vai aumentar conflitos ambientais e os povos indígenas vão, mais uma vez, estar no centro de um genocídio global”.
Porta-voz da Campanha Amazônia do Greenpeace, Carolina Marçal falou que, ao rejeitar o marco temporal, os ministros da Suprema Corte farão justiça aos povos. Diversos processos demarcatórios com pendência por todo o País poderão finalmente avançar, e assim garantir que os povos indígenas brasileiros mantenham vivas suas culturas e tradições.
“Existem 530 territórios cuja demarcação sequer teve início, que ainda aguardam providências do governo federal. Existem outras 306 terras que estão paradas em alguma etapa do processo demarcatório. Os ministros têm em suas mãos uma responsabilidade muito grande que pode determinar o futuro de todos os povos e terras indígenas do Brasil”, disse Carolina.