Pedro Silva Barros, Latinoamérica21, 18 de setembro de 2021
O escritor mexicano Carlos Fuentes, quando perguntado se língua portuguesa não era parte do futuro da “hispanidade”, respondeu que o Brasil é um continente em si mesmo. Considerava o país um caso especial dentro da América Latina pela particularidade de ter obtido sua independência pelas mãos do colonizador e de ter sido um império.
O Brasil esteve distante do conceito de América Latina pelo menos durante todo o primeiro século de sua independência que completará 200 anos em onze meses. O primeiro livro de história geral da América Latina que incluiu o Brasil na análise da região foi escrito pelo escocês William Spence Robertson, professor da Universidade de Illinois, em 1922
Na política recente, Ernesto Samper, ex-presidente da Colômbia e ex-secretário geral da Unasul, caracterizava o Brasil como um transatlântico gerador de consensos entre as diferentes posições da região. Mas ele entende que o país abandonou a América Latina nos últimos anos.
Os líderes de toda a América Latina e Caribe reunidos
O maior país latino-americano é o único que não estará representado na reunião de líderes de 32 nações América Latina e do Caribe neste sábado (18) no México. Será a retomada da diplomacia presidencial presencial multilateral na América Latina, cuja paralisia havia começado antes da pandemia.
No Brasil de Lula de 2008, pela primeira vez na história, os mandatários dos 33 países da América Latina e Caribe se reuniram sem a presença dos Estados Unidos, Canadá ou qualquer potencial extrarregional. A Cúpula ocorreu na Bahia, estabeleceu uma agenda comum de integração e desenvolvimento e, dois anos depois, ao ser fusionada com o Grupo do Rio, deu origem à Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac).
A ausência do Brasil em 2021 contrasta com o comunicado à imprensa da chancelaria brasileira sobre a participação de Dilma Rousseff na Cúpula da Celac de 2011. A nota destacava que o Brasil possuía embaixadas residentes em todos os países representados na Celac, que a corrente de comércio do Brasil com os países da região havia crescido cerca de quatro vezes em oito anos, entre 2002 e 2010, chegando a 78 bilhões de dólares.
Custos econômicos e políticos de um país isolado
Dez anos depois vemos um Brasil autoisolado. A falta de concertação regional nos últimos anos fez da América Latina uma região mais polarizada e fragmentada politicamente e mais desintegrada comercialmente. Ao não participar do esforço de reaproximação regional, o Brasil, além de renunciar a sua liderança política, perde economicamente.
A corrente de comércio do Brasil com a América Latina tem despencado nos últimos anos. Em 2017 estava em 70 bilhões de dólares e fechou o ano de 2020 em 52 bilhões de dólares. A queda do saldo favorável ao Brasil foi ainda mais significativa, de 17 para 6,5 bilhões de dólares no mesmo período. A corrente de comércio do Brasil com os 32 países da região em 2020 foi 33% menor do que era em 2010, auge da liderança política brasileira na América Latina e Caribe.
Em janeiro de 2020, o Brasil suspendeu sua participação na Celac. O Itamaraty publicou que “não considera estarem dadas as condições para a atuação da Celac no atual contexto de crise regional“. Incomodado por participar de uma instância com Cuba e com o governo Maduro, a resposta brasileira foi o abandono.
Diferentemente da grande maioria dos países da América Latina, o Brasil mantém fechadas sua embaixada e consulados na Venezuela desde abril de 2020. No mês seguinte, o Brasil fechou cinco embaixadas no Caribe. Como era de se esperar, as exportações do Brasil caíram para todos estes países em 2020. A queda média foi de 13% se comparado ao ano anterior, sendo de 38% no caso de Dominica. As exportações do Brasil para o conjunto dos países do Caribe em 2020 foram 10% menores do que em 2019.
Seria a Celac um mero grupo esquerdista?
Diferentemente do Mercosul, da Comunidade Andina ou da Unasul, a Celac não chegou a ter um tratado constitutivo aprovado pelos parlamentos da região ou uma burocracia própria. A diplomacia latino-americana de Cúpulas funcionou relativamente bem entre 2008 e 2016. Acordos eram alcançados a despeito das diferenças ideológicas e manteve um diálogo conjunto do bloco com a União Europeia e com a China. Em ambos os casos seria inadequado realizá-los em conjunto com OEA ou sem o respaldo de um agrupamento regional.
Nesse período a presidência pro tempore da Celac foi exercida por mandatários de diferentes colorações partidárias como o chileno Sebastián Piñera (2013), de centro-direita, a costarriquense Laura Chinchilla (2014), de centro, e o equatoriano Rafael Correa (2016), de centro-esquerda. Eles ilustram a diversidade e pluralidade de líderes da região que apoiaram e fortaleceram a Celac.
Em todos esses anos as concorridas reuniões atraíam ao menos 20 mandatários. Mas em janeiro de 2017 apenas quatro chefes de estado compareceram à Cúpula de Punta Cana, ainda que houvesse representantes dos 33 países. No mesmo mês, Donald Trump havia tomado posse como presidente dos EUA e as negociações sobre a abertura cubana, que haviam avançado nos dois últimos anos do segundo governo Obama, foram paralisadas.
Passou a ser difundido o discurso de que a Celac e a Unasul, não passavam de clubes bolivarianos de apoio a Cuba e a Nicolás Maduro. Soava um pouco estranho porque naquele ano o argentino Mauricio Macri assumira a presidência pro tempore da Unasul e apresentara um candidato para a sua Secretaria Geral, defendendo as ideias originais da organização.
Grupo de Lima, uma região dividida
Meses depois, em agosto de 2017, foi criado o Grupo de Lima por dozes países americanos, incluindo o Canadá. Em sua primeira declaração a agrupação solicitou a suspenção da Cúpula Celac-União Europeia que estava prevista para outubro do mesmo ano, como forma de isolar a Venezuela.
Em janeiro de 2019, o agrupamento reconheceu Juan Guaidó como presidente da Venezuela e passou a deslegitimar Nicolás Maduro. O México se afastou do Grupo de Lima, mesmo movimento seguido por Argentina e, mais recentemente, Peru. Parece ser evidente que a governança do Grupo de Lima sobre a crise da Venezuela era muito maior antes da criação do agrupamento do que agora. A última declaração do grupo ocorreu em janeiro de 2021, dias antes de Trump deixar a presidência dos EUA.
Novo protagonismo do México
O vazio político deixado pelo Brasil vem sendo ocupado exitosamente pelo México. A reunião no México com 16 mandatários, entre eles os presidentes de centro-direita do Equador, Paraguai e Uruguai, coroa a diplomacia mexicana e indica que a estratégia de isolar o governo da Venezuela está perdendo fôlego.
O país de López Obrador recebeu recentemente o governo e a oposição da Venezuela para uma rodada de diálogo mediada pela Noruega e se empenhou para a realização de diferentes atividades da Celac no último ano. A agenda incluiu a criação de uma agência espacial latino-americana e a doação de vacinas para países como Belize, Bolívia e Paraguai.
O Brasil, ao manter a posição de não conversar com Cuba ou Venezuela e mostrar-se inapto para apresentar uma agenda positiva para os outros países da região, acabou ficando sozinho em seu próprio continente. O país caminhou rapidamente de ser o que mais ganhava com a integração para ser o que mais perde com seu autoisolamento. Parece faltar tanto o espelho como a luz para entender seu passado ou projetar seu futuro.
Pedro Silva Barros é economista. Trabalha no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA (Brasília). Foi Diretor de Assuntos Econômicos da União de Nações Sul-Americanas (UNASUL). Doutor em Integração Latino-Americana pela Univ. de São Paulo (USP).