Para celebrar os 120 anos de CLR James e os 150 anos da Comuna, publicamos texto inédito desse grande militante e intelectual revolucionário sobre outro aniversário do primeiro e curto governo dos trabalhadores da História. A tradução é de Daniel Castro.
Cyril Lionel Robert James (1901-1989) nasceu em Trinidad e Tobago, onde trabalhava como jornalista esportivo. Aos 30 anos, muda-se para Inglaterra e começa a militar no Partido Trabalhista Independente (Independent Labor Party, em inglês) e na pequena organização trotskista chamada Grupo Marxista (Marxist Group). CLR James é internacionalmente reconhecido por colocar a “questão negra” como central para compreender a formação do capitalismo e da classe trabalhadora nas Américas e Caribe, sendo indispensável para qualquer perspectiva de revolução socialista. Foi um dos fundadores da IV Internacional, em 1938, e logo se mudou para os Estados Unidos onde militou ativamente como dirigente do SWP (Socialist Workes Party), adotando o nome J.R. Johnson no partido.
Saído do SWP em 1940, acompanhou a dissidência trotskysta que organiza o Workers Party of United States (WP), constituindo em seu interior a chamada Johnson-Forest Tendency, agrupada em torno dele próprio (Johson) e da ucraniana Raya Dunayevskaya (Forest, a ex-secretária de Trotsky no México). James e a tendência retornam ao SWP em 1947 e voltam a romper em1950, agora de forma definitiva.
Embora fora dos quadros da IV Internacional a partir de então e até sua morte em 1989, CLR James figura entre as grandes expressões de uma tradição que, rejeitando tanto o stalinismo como o fascismo e a democracia burguesa, representa a continuidade histórica da luta pelo poder democrático da classe trabalhadora e pelo socialismo internacionalista.
Em março de 1946, no jornal do Labor Action do Workers Party of United States, foi publicado um texto de CLR James, assinado como JR Johnson, em homenagem ao aniversário de morte de Karl Marx e ao aniversário da Comuna de Paris.
Eles mostraram o caminho para a emancipação do trabalho!
Sobre Karl Marx e o 75º aniversário da Comuna de Paris
A classe trabalhadora americana ainda não está tão familiarizada, quanto a europeia, com a história e a tradição do movimento socialista revolucionário. O aniversário da morte de Karl Marx, em 14 de março, e o aniversário da Comuna de Paris, em 18 de março, serão celebrados apenas por uma pequena minoria.
Trabalhadores estadunidenses e a herança de Marx
Com o aprofundamento da crise internacional, deve aumentar rapidamente o interesse do proletariado americano sobre o grande pensador que teve todo o seu trabalhado baseado no proletariado como sendo a força mais progressista da sociedade moderna e que tem a barbárie capitalista como seu inimigo inconciliável. Quanto mais afiada fica a classe trabalhadora estadunidense, mais ele tem no marxismo uma fonte popular de estudos. O proletariado americano aprenderá ainda a celebrar, do seu próprio jeito, o aniversário daqueles trabalhadores de Paris que, em 1871, e para usar a frase de Marx, “assaltaram aos céus”. Eles mostraram ao mundo, pela primeira vez, a “forma política finalmente descoberta com qual se realiza a emancipação econômica do trabalho” [ii].
A vida de Karl Marx foi fora do comum. Ele se devotou completamente para uma demonstração científica do inevitável declínio da sociedade capitalista. Porém, ao lado desse declínio, emergirá o proletariado socialista, a classe destinada a superar o capitalismo, e estabelecerá a sociedade socialista colocando fim a toda exploração do homem pelo homem.
Não há o mínimo traço de misticismo em Marx. Ele foi um mestre em economia política inglesa, filosofia alemã e ciência política francesa. Utilizou todo este conhecimento em seu trabalho monumental para considerar o movimento social como um processo histórico natural, “regido por leis que não só são independentes da vontade, consciência e intenção dos homens, mas, pelo contrário, determinam sua vontade, consciência e intenções” [iii]. E com isso ele não quis dizer que o futuro da sociedade humana estava com todos seus eventos e acontecimentos predestinados. Ele sabia que o homem faz a sua própria história. Ele sabia que a vida social era movida por conflitos de interesses e paixões, complexificada por diversos fenômenos imprevisíveis que aparecem na atividade cotidiana de milhões de seres humanos. Porém Marx, mais do que qualquer outro pensador, defendeu o fato de que todas essas ações multidimensionais agem sob certas leis. Para ele, a mais importante lei era a do movimento orgânico do proletariado para superar a sociedade burguesa.
Devemos nos lembrar de um aspecto de sua obra que tem sido esquecido. Ninguém teve uma concepção tão elevada de destino da humanidade. Para Marx o maior crime do capitalismo foi, enquanto prometia a possibilidade de uma existência plenamente humana para todos, pela natureza mesma de seu processo produtivo, degradou o trabalhador ao nível de tornar-se um mero operador de máquinas.
Um novo olhar para o povo trabalhador
Na sua principal obra O Capital, Marx apontou repetidas vezes que quanto maiores os avanços científicos e tecnológicos na produção capitalista, mais o trabalho se torna algo desprovido de atividade intelectual e de potencialidades pedagógicas. Longe de ser um materialista vulgar, a sua denúncia aos males do capitalismo não se resumiu ao salário do trabalhador. Em suas palavras, “à medida que o capital é acumulado, a situação do trabalhador, seja sua remuneração alta ou baixa, tem de piorar” [iv]. Com base em análises econômicas, ele concluiu que a sociedade moderna perecerá se não substituir o operário de hoje, condenado à repetição automático de movimentos mecânicos, por um indivíduo plenamente desenvolvido. Tal pessoa, de acordo com Marx, estaria apta para toda a sorte de trabalhos, pronto para enfrentar qualquer mudança no processo produtivo, um homem para o qual as diferentes funções sociais que desempenhar seriam apenas meios de dar livre curso às suas próprias habilidades, sejam elas naturais ou adquiridas. Isso sim seria um trabalhador de uma sociedade civilizada, o que só poderia existir com a destruição do capital.
O que este estudioso de economia política e do mundo do trabalho observou como perspectiva para a sociedade humana talvez tenha sido o olhar mais poético e longínquo nunca antes proposta por nenhum poeta ou filósofo. Segundo Marx, só com a criação da sociedade socialista é que começaria a verdadeira história da humanidade. Assim, com um único golpe, ele jogou na insignificância o conhecimento dolorosamente adquirido e a cultura de milhares de anos de civilização, que ele, mais do que tantos outros, havia estudado e compreendido. Tudo isso, disse ele, não seria nada em comparação com a perspectiva que seria aberta à sociedade humana pela abolição da exploração de classe com base em uma cooperação mundial.
Mesmo sendo um filósofo e cientista com inquestionável crença na inevitabilidade do socialismo, Marx não era apenar um estudioso. Ele tomou partido na revolução germânica de 1848, foi ativo nas atividades revolucionárias daquele período e, até o fim de seus dias, participou, sempre que possível, das lutas dos trabalhadores contra o capitalismo, pois sabia que ali estava sendo preparada a revolução social.
Em 1871, quando os trabalhadores de Paris estabeleceram a Comuna, Marx comemorou como sendo um dos maiores eventos da história da humanidade.
O primeiro governo da classe trabalhadora
A França havia sido derrotada pelo exército prussiano que estava em Versalhes, a alguns quilômetros de distância de Paris. Os burgueses, estadistas e soldados franceses já haviam se ajoelhado perante os conquistadores germânicos, ansiosos para salvarem suas peles e pilhagens acumuladas durante a guerra. Eles estavam prontos para vender a França ao invasor. O povo francês proclamou a República francesa, colocando o grande obstáculo à conspiração entre os políticos capitalistas e Bismarck. Este obstáculo eram os republicanos armados de Paris.
Associados ao invasor prussiano, a classe da ordem francesa tentou desarmar os parisienses, mas os trabalhadores de Paris, mesmo estando há cinco meses famintos, não hesitaram em nenhum instante. Eles tomaram o poder em Paris e estabeleceram a Comuna de Paris.
O que exatamente foi essa Comuna? A interpretação de Karl Marx permanece incontestável em sua simplicidade e força: “ela era essencialmente um governo da classe operária, o produto da luta da classe produtora contra a apropriadora, a forma política, finalmente descoberta, com a qual se realiza a emancipação econômica do trabalho” [v].
O que a Comuna de Paris simbolizou
A Comuna de Paris foi, antes de mais nada, uma democracia. O governo era um corpo eleito por sufrágio universal. Nenhum de seus funcionários recebia mais do que o salário de um bom trabalhador. Não expropriou a propriedade da burguesia, mas entregou às associações de trabalhadores todas as oficinas e fábricas fechadas, seja pela fuga de seus proprietários capitalistas ou por simplesmente terem decidido fechá-las.
Ela durou por 71 dias. Foi destruída por uma combinação de suas próprias fraquezas, principalmente uma falta de decisão, e as traições de uma burguesia francesa vergonhosamente aliada ao exército prussiano. A brutalidade assassina com que os combatentes da Comuna foram baleados, torturados e deportados permaneceu um marco na civilização europeia, até os dias de Hitler e Stalin.
A história da Comuna deixa muitas lições para o proletariado americano de hoje. Talvez o que há de mais importante sejam os métodos analisados por Marx em seus estudos e as conclusões a que ele chegou. Para ele, a Comuna, apesar de sua derrota, foi um símbolo de inestimável importância. Foi um símbolo porque fez as verdadeiras mulheres de Paris voltarem a emergir: “heroicas, nobres e devotadas como as mulheres da antiguidade. Trabalhando, pensando, lutando, sangrando: assim se encontrava Paris, em sua incubação de uma sociedade nova e quase esquecida dos canibais à espreita diante de suas portas, radiante no entusiasmo de sua iniciativa histórica!” [vi].
Foi um símbolo porque aceitava todos os estrangeiros à honra de morrerem pela causa imortal. Foi um símbolo porque mesmo antes da paz ser assinada com a Prússia, a Comuna colocou um trabalhador alemão como Ministro do Trabalho. Foi um símbolo porque sob o olhar dos conquistadores prussianos de um lado, e do exército bonapartista de outro, colocou abaixo a grandiosa Coluna de Vendôme, monumento em homenagem às conquistas militares do primeiro Napoleão. Marx viu nesses gestos, não ações aleatórias, mas respostas organizadas do proletário revolucionário à barbárie das práticas e ideologias da sociedade burguesa.
A importante conclusão
Marx tirou importantes conclusões teóricas da experiência da Comuna. Ele mostrou que o exército, o Estado e a burocracia capitalistas não podem ser incorporados pelo proletariado e utilizados para os seus próprios fins, mas devem ser completamente destruídos e formar um novo estado baseado na organização da classe trabalhadora. Em 1871, ele escreveu isso como uma conclusão teórica. Em 1905, e depois em 1917, a classe trabalhadora russa, pela formação dos sovietes, ou conselhos operários, lançou as bases de um novo tipo de organização social. Foi pelos estudos das análises de Marx sobre a Comuna que Lenin conseguiu perceber tão rapidamente a importância dos sovietes e construir a partir deles as bases do novo Estado operário.
Atualmente, o avançado operariado americano deve conhecer a história das lutas internacionais do proletariado. Com isso ele aprenderá mais rapidamente a compreender as suas próprias lutas. O texto de Marx sobre a Comuna, A Guerra Civil na França, é uma profunda e comovente obra-prima. O trabalhador que ainda não começou a estudar o marxismo nunca mais se esquecerá deste duplo aniversário se ele celebrá-lo lendo o que Karl Marx tem a dizer sobre a grande revolução dos trabalhadores de Paris.
[i] Nota da tradução: no texto original, pelo formato panfletário, não havia referências bibliográficas das citações. Pesquisamos as citações em edições traduzidas da obra de Marx para facilitar o trabalho do leitor brasileiro.
[ii] MARX, Karl. A Guerra Civil na França. São Paulo: Boitempo, 2011. p. 59.
[iii] MARX. O Capital - Crítica da Economia Política - Livro I. 2.ed. São Paulo: Boitempo, 2017. p. 89.
[iv] MARX. O Capital - Crítica da Economia Política - Livro I. 2.ed. São Paulo: Boitempo, 2017. p. 720.
[v] MARX, Karl. A Guerra Civil na França. São Paulo: Boitempo, 2011. p. 59.
[vi] MARX, Karl. A Guerra Civil na França. São Paulo: Boitempo, 2011. p. 66.