[Carlos Neder, que faleceu de covid neste sábado, 25 de setembro, foi um dos principais articuladores do movimento pela Reforma Sanitária e também dos Conselhos Populares de Saúde da Zona Leste, embrião da participação social no SUS. Secretário de saúde do governo Erundina, pelo PT, em 1989, foi depois vereador por quatro mandatos e deputado estadual por três vezes. JCL]
José Clovis Lima, A terra é redonda, 25 de setembro de 2021
O falecimento de Carlos Néder é um acontecimento muito triste para a família, os amigos e todos aqueles que sabem o valor de um homem público, na assepsia clássica da palavra, e para uma coletividade tão carente de referências éticas, ainda mais nesses tempos em que vivemos. A partida de uma pessoa tão comprometida com as causas mais caras ao campo democrático, como ele, nos deixa um vazio muito grande.
No entanto, como diria Mário Schenberg, o vazio não existe. Ao aproximar as pesquisas do campo da física aos estudos das filosofias hinduístas e aos debates no campo da estética, o grande físico brasileiro desenvolveu especulações que propiciaram a descoberta dos neutrinos, uma energia que permeia o universo e que perpassa o tempo e preenche os espaços vazios. Néder, é uma dessas forças da natureza, que perpassará o tempo vivido e os espaços nos quais atuou, tal qual os neutrinos que atravessam o universo. Ele nos impactou e continuará imprimindo sua luz de alguma forma.
Carlos Néder teve papel importante na eleição de Luiza Erundina como prefeita de São Paulo, em 1988. Foi o secretário municipal de saúde nessa gestão (1990-1992), tornando-se um dos responsáveis, junto com Erundina, pela construção de uma rede primária de atenção à saúde, que teve na participação e no controle popular um de seus pilares, ponto de partida de uma série de ações visando o fortalecimento do SUS, sua bandeira maior de luta.
Néder participou da fundação do Partido dos Trabalhadores. Na gestão municipal pôde colocar em prática o que estava previsto no programa do partido como o orçamento participativo e o fortalecimento dos conselhos municipais de saúde.
Ele permaneceu fiel a esse modelo implantado na gestão municipal pelo resto da vida. Em sua atuação política, destacou-se pelo combate à privatização velada da rede municipal de saúde por meio das chamadas Organizações Sociais. Posteriormente, elegeu-se para cargos no parlamento: quatro vezes vereador na cidade de São Paulo e duas vezes deputado estadual. Em seus mandatos na Câmara Municipal e na Assembleia Legislativa, além de combater as OS, notabilizou-se pela atuação na constituição da Frente Parlamentar em defesa e apoio às Universidades Públicas e aos Institutos de Pesquisa do Estado.
Durante seus mandatos legislativos, Néder contribui para a organização do Coletivo Cidadania Ativa. Trata-se de um agrupamento onde cidadãos – independentemente da cor de sua filiação partidária – se reúnem para discutir as questões que mais impactam a vida cotidiana como os problemas da saúde, da carestia, da falta de emprego e renda e tantas outras. Os resultados desses debates coletivos, sob a forma de proposições foram levados aos diversos fóruns onde Néder atuava, seja no Parlamento, na executiva estadual do Partido dos Trabalhadores ou junto às autoridades constituídas.
Lembro-me, com muito carinho, que quando comentei com Néder o fato da minha sogra – viúva e pensionista do INSS, que ganha salário mínimo – ter recebido uma conta exorbitante da ENEL durante à pandemia da COVID, ele prontamente acionou a presidência do órgão estadual de Defesa do Consumidor, exigido a fiscalização para todos os casos, alguns milhares
Figura pública ímpar, Néder pertencia ao restrito número daqueles que são considerados um farol e uma referência ética para todos nós que prezamos de sua convivência e amizade, para o partido a qual era filiado e membro ativo e para a sociedade em geral.
José Clóvis M. Lima é funcionário público e participante do coletivo Cidadania Ativa