Os feminismos têm desafiado os poderes estabelecidos, e estes desencadearam uma tripla contraofensiva – eclesiástica, econômica e militar – que tem como um de seus fundamentos a denúncia da «ideologia de gênero». Uma das operações relacionadas é associar a «ideologia de gênero» ao colonialismo. Outra consiste em infantilizar o feminismo como política trivial, de classe média, diante da urgência popular da fome.
Veronica Gago, Nueva Sociedad, dezembro de 2019
Estamos presenciando um momento de contraofensiva, isto é, de reação à força imposta pelos feminismos na região. É importante enfatizar a sequência: a contraofensiva responde a uma ofensiva, a um movimento anterior. Isso supõe localizar o crescimento dos feminismos em relação ao posterior fortalecimento da direita na região, inclusive com tonalidades protofascistas, e em escala mundial. Surgem aqui duas considerações. Em termos metodológicos, localizar a força dos feminismos em primeiro lugar, como força constituinte. Em termos políticos, afirmar que os feminismos, em sua capacidade de se tornarem maciços e radicais, representam uma ameaça aos poderes estabelecidos e ativam uma dinâmica de desobediências que se tenta conter contrapondo formas de repressão, disciplinamento e controle em várias escalas. A contraofensiva é um chamado à ordem, e sua agressividade é medida em relação à percepção de ameaça a que responde. Por isso, a feroz contraofensiva iniciada em direção aos feminismos nos oferece uma leitura de contraposição, reversa, da força de insubordinação cuja ocorrência foi percebida e, ao mesmo tempo, com possibilidade de radicalização.
Vejamos as linhas da contraofensiva para, em seguida, retornar aos contornos da caracterização do que se delineia como «ameaça», já que isso nos permitirá entender por que estamos presenciando a construção do feminismo como novo «inimigo interno», ou por que o feminismo funciona como espectro que diversos poderes se propõem a combater.
Um: a contraofensiva eclesiástica
Mediante o conceito de «ideologia de gênero», é sintetizada hoje uma autêntica cruzada liderada pela Igreja católica contra a desestabilização feminista. «A ideologia de gênero é uma estratégia discursiva idealizada no Vaticano e adotada por diversos intelectuais e ativistas católicos e cristãos para contra-atacar a retórica da igualdade de direitos para mulheres e pessoas lgbti», argumenta Mara Viveros Vigoya1. Éric Fassin assinala que a investida contra o termo «gênero» surge abertamente em meados da década de 1990 a partir de grupos católicos de direita estadunidenses na época da Conferência sobre População e Desenvolvimento da Organização das Nações Unidas (onu), realizada na cidade do Cairo em 1994, e durante as reuniões preparatórias para a Conferência de Pequim (1995) em Nova York2. Várias crônicas apontam como Dale O’Leary, a lobista mais ativa do Vaticano e jornalista católica conservadora, moldou essa discussão no livro The Gender Agenda [A agenda de gênero], cujo argumento principal é que o gênero se apresentaria como «uma ferramenta neocolonial de uma conspiração feminista internacional». Segundo Mary Anne Casey, o ataque surge primeiro contra leis e políticas para, posteriormente, concentrar-se na teoria e apontar Judith Butler como a «papisa do gênero»3. Trata-se de campanhas impulsionadas a partir de cima, como argumenta Sonia Corrêa em uma entrevista a María Alicia Gutiérrez: «Elas não foram gestadas na base de nossas sociedades, mas sim nas altas esferas das negociações internacionais e da elucubração teológica»4.Um dos textos mais emblemáticos da «cruzada» é Lexicon. Termos ambíguos e discutidos sobre família, vida e questões éticas (editado originalmente em italiano pela Edizioni Dehoniane Bologna em 2003)5. A «entrada» gênero foi escrita por Jutta Burggraf (1952–2010), teóloga católica alemã que traça as coordenadas da discussão apontando Butler como responsável por dissociar o sexo biológico da categoria «cultural» de gênero e por habilitar sua proliferação indiscriminada. Como também é possível constatar em diversos outros textos eclesiásticos, Burggraf demonstra preocupação com a recepção da palavra «gênero» em organismos internacionais como a onu e pela via de recursos que essas instâncias implicam. No entanto, o que mais me interessa destacar – para depois seguir a linha desta argumentação – é a afinidade que ela estabelece entre a «ideologia de gênero» e uma «antropologia individualista do neoliberalismo radical».
Antes de Butler, a linhagem teórica descrita nessas publicações de matizes distintas remonta a Friedrich Engels e Simone de Beauvoir. Mas, de maneira particular, a ênfase do antecedente da «ideologia de gênero» é estabelecida com as teorizações da Escola de Frankfurt na década de 1930 e, particularmente, com a forma como seus conceitos foram disseminados por volta dos anos 60 nos movimentos radicais. O «marxismo cultural» da Escola de Frankfurt seria o inimigo da cristandade ocidental. A conversão do vocábulo «gênero» em um anátema, uma maldição, recria e atualiza toda a fábula da ameaça à civilização cristã e ocidental, mas com um adicional: destacando sua capacidade de «transversalidade» ideológica e, portanto, sua força de propagação que iria além da reconhecível «esquerda».
A disputa é enorme. Segundo a Igreja católica, o que está em jogo é a natureza humana, pois se questiona o binarismo de gênero que constitui a célula base da reprodução heteronormativa, isto é, a família. Por isso, adquirem na cruzada crescente relevância também as identidades e corporalidades trans, bem como as tecnologias dedicadas à reprodução. Ambas as «questões» são representadas como uma etapa superior da ideologia de gênero, a consagração da dissociação do sexo em relação ao gênero e, portanto, a ameaça à teoria antropológica-teológica cristã da complementaridade entre o masculino e o feminino. Para resumir, nas palavras de Sarah Bracke e David Paternotte, «o Vaticano considera a noção analítica de gênero uma ameaça à Criação Divina»6. Dessa forma, a noção de gênero usurpa – e, por isso, ameaça – o poder divino de criação. Criar gêneros diversos – ou colocar «o gênero em disputa», para usar o título mais famoso de Butler – surge a partir da Igreja como uma disputa direta com Deus.
Em 2017, os pesquisadores David Paternotte e Roman Kuhar se perguntam algo fundamental: como se produziu a tradução de um conceito teórico para os discursos religiosos e, especialmente, como esses discursos logo passam a convocar mobilizações em escala global7. A hipótese que eles exploram é, no contexto europeu, sua interseção com o nacionalismo e os populismos de direita. Com a mesma preocupação por sua articulação política com a direita, Agnieszka Graff e Elżbieta Korolczuk destacam – a partir da análise do caso polonês, mas depois se estendendo à Europa como um todo – que o ataque antigênero identifica aqueles que propagam a ideologia como liberais, membros da elite, ao passo que a cruzada religiosa estaria defendendo as classes trabalhadoras, que portariam um tipo de conservadorismo emanado de sua condição de «vítimas» da globalização: «os ‹generistas› estariam bem financiados e conectados com as elites globais, enquanto as pessoas comuns estariam pagando o preço da globalização»8. A associação entre neoliberalismo e gênero insiste por várias vias e prepara o terreno para argumentar, como veremos com relação ao debate argentino, que o antineoliberalismo só pode vir aliado a uma conservação dos «valores familiares» e da disciplina do trabalho a que eles estão intimamente associados.
Um de seus porta-vozes argentinos se orgulha de estar na vanguarda dessa teorização. Jorge Scala, advogado católico de Córdoba, publicou em 2010 o livro La ideología de género. O el Género como herramienta de poder (segundo o autor, com mais de 10 edições na Espanha)9. Nessa obra, ele caracteriza a «ideologia de gênero» como um «totalitarismo»: «A ideologia de gênero busca se impor de forma totalitária mediante o exercício do poder absoluto, especialmente em nível supranacional – e, a partir daí, chegar aos diferentes povos e nações –, através do controle dos meios de propaganda e de elaboração cultural», sintetiza em sua publicidade. O autor afirma detectar três vias pelas quais a «ideologia de gênero» se expande: o sistema educacional formal, os meios de comunicação e os direitos humanos. O caráter totalitário seria próprio de um sistema fechado, de uma «lavagem cerebral global». Em 2012, esse livro foi traduzido e publicado no Brasil. Em março de 2013, diante da consagração de Jorge Bergoglio como papa Francisco, Scala escreveu:
Há uma coincidência que considero particularmente significativa: em 13 de março de 2012, a Corte Suprema de Justiça da República Argentina proferiu uma sentença perversa pretendendo legalizar o aborto mediante pedido em tal Nação. Exatamente um ano depois, em 13 de março de 2013, o Colégio dos Cardeais eleva à Santa Sé o cardeal primado da Argentina. É como uma carícia do Espírito Santo.10
Para Mary Anne Casey, os dois papas que encarnaram «a guerra do Vaticano contra a ideologia de gênero» são Bento xvi e Francisco. O fato de que sejam provenientes da Alemanha e da Argentina, respectivamente, não é ignorado:
De maneiras não analisadas anteriormente, Ratzinger parece ter estado reagindo diretamente aos acontecimentos da época na Alemanha, incluindo, por um lado, a presença de livros de feministas que destacavam a construção social dos papéis de gênero (…) nas listas de best-sellers locais e, por outro, o mandato constitucional da legislação federal alemã que garante aos indivíduos a oportunidade legal de mudar de sexo. As reivindicações de direitos trans foram, juntamente com as demandas feministas, um componente fundacional – e não um acréscimo recente – da esfera de preocupações do Vaticano sobre o «gênero» e do destaque de tal preocupação no desenvolvimento das leis seculares. Assim como Ratzinger pode ter levado com ele a Roma sua memória dos acontecimentos em seu país natal, o mesmo pode ter ocorrido com Jorge Mario Bergoglio, que viajou a Roma em 2013 para se tornar o papa Francisco deixando para trás uma Argentina que havia aprovado apenas um ano antes – com a oposição de Bergoglio, mas nenhuma oposição legislativa – uma lei sobre identidade de gênero que está entre as mais generosas do mundo com respeito às pessoas que desejam mudar legalmente de sexo.11
Segundo a pesquisadora, contudo, o que caracteriza Francisco é ter encontrado uma guinada tática para o combate: a «ideologia de gênero» passa a ser associada pelo papa argentino com uma «ideologia colonizadora», especialmente impulsionada por organizações não governamentais e organismos internacionais. Desse modo, o papa vindo do «Terceiro Mundo» mobiliza uma retórica pseudoanti-imperialista para liberar a batalha contra os direitos de mulheres e lgbti+. Casey atribui a Francisco uma segunda conquista: ter conseguido unificar diferentes credos (especialmente católicos, evangélicos e mórmons) na cruzada contra a «ideologia de gênero», amalgamados pela expansão da «ameaça». Foi nos anos recentes que a doutrina eclesiástica se transformou em hashtag multiuso e ferramenta de mobilização que saiu a disputar as ruas: #NoALaIdeologíaDeGenero12. Nela se inscrevem, por exemplo, as manifestações em torno do grito de ordem «Con mis hijos no te metas»13. A «ideologia de gênero» seria, nesse caso, o conteúdo de um novo programa curricular escolar que, ao incorporar noções como «igualdade de gênero» e «identidade de gênero», promoveria na opinião dos manifestantes no Peru, por exemplo, «a homossexualidade e a libertinagem sexual nos alunos». Na Argentina, cabe notar a ofensiva contra a lei nacional 26.150 que estabelece o direito a receber Educação Sexual Integral (esi) desde o início da escolaridade; lei defendida por organizações que popularizaram o lema «A educação é uma causa feminista», enquanto o monsenhor Héctor Aguer (arcebispo de La Plata) declarava que «o mundo dos femicídios tem a ver com o desaparecimento do matrimônio»14. Na Colômbia, a chamada «ideologia de gênero» exerceu um papel fundamental na campanha que agitou a «ameaça do gênero» em prol da vitória do «Não» aos acordos de paz de 2016 entre o governo e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (farc). Sobre o mapa latino-americano, Sonia Corrêa acrescenta:
No início de 2017, as campanhas antigênero eclodiram no contexto da Reforma Constitucional do Distrito Federal no México e, pouco depois, começou a circular um ônibus «antigênero» por todo o país. Dois meses depois, o mesmo ônibus viajava pelo Chile, justamente antes da votação final da reforma legal que extinguiu a proibição da interrupção da gravidez promulgada pelo regime de Pinochet na década de 1980. Também foi realizada uma campanha contra a «ideologia de gênero» no plano de estudos da educação pública no Uruguai, um país conhecido por sua tradição laica. No Equador, uma disposição legal que tentava limitar a violência de gênero foi atacada por grupos conservadores religiosos antigênero. A Corte Constitucional boliviana revogou a Lei de Identidade de Gênero aprovada recentemente mediante o argumento de que a dignidade da pessoa se fundamenta no binário sexual do ser humano.15
Este 2019 iniciou com a estreia do extremista de direita Jair Bolsonaro no Brasil, cujo primeiro discurso presidencial se referiu ao combate contra a «ideologia de gênero»16. Uma semana depois, o jovem empresário Nayib Bukele foi eleito presidente de El Salvador com a mesma bandeira. Assim, a batalha do século xxi vai assumindo diversas cenas e modalidades. Mas o que vale destacar é como essa batalha assume contornos políticos em cada situação local e como ela consegue justamente se apresentar encadeada a conjunturas bem diversas, construindo uma paisagem de guinada conservadora na região. É impossível entender como isso se torna uma palavra de ordem para a mobilização da cruzada religiosa fundamentalista – ou seja, fabricar para ela um «movimento social» – sem considerar o auge da massividade e radicalidade dos feminismos que ocuparam as ruas em dinâmicas transnacionais.
Na Argentina, há um ponto de ruptura: a «maré verde» a favor da legalização do aborto que, ao longo de 2018, inundou as ruas e difundiu seu impacto em escala mundial. A ampliação do debate sobre o aborto em termos de soberania, autonomia e classe, sua radicalização militante pelas novas gerações e a projeção política de suas demandas na atmosfera feminista desencadearam uma virulência nova da contraofensiva eclesiástica. Vimos o surgimento do movimento «celeste» nas ruas, as frases de defesa sobre as «duas vidas» e convocações ao ódio em escolas religiosas e púlpitos. Mas, sobretudo, vimos uma militância inflamada em hospitais, tribunais e nos meios de comunicação contra o aborto. Essa campanha atingiu níveis aberrantes em 2019 com os casos de uma menina de 12 anos em Jujuy e outra de 11 anos em Tucumán, e a reivindicação do estupro e da maternidade forçada das menores pelo editorial do jornal La Nación17.
Espiritualidade política. Como movimento múltiplo, o feminismo coloca em cena a disputa pela soberania dos corpos. E está claro: dos corpos feminizados em termos de sua hierarquia diferenciada; desses corpos que foram historicamente declarados não soberanos, sentenciados como não aptos para decidir por si mesmos. Ou seja, dos corpos tutelados.
Mas o feminismo fala dos corpos e, ao mesmo tempo, coloca em disputa uma espiritualidade política18, e que é política justamente por não separar o corpo do espírito, nem a carne das fantasias, nem a pele das ideias. O feminismo (como movimento múltiplo) tem uma mística. Trabalha a partir dos afetos e das paixões, abrindo esse caminho espinhoso do desejo, das relações amorosas, dos enxames eróticos, do ritual, da festa e dos desejos para além de seus limites permitidos. O feminismo, diferentemente de outras políticas que se consideram de esquerda, não priva os corpos de sua indeterminação, de seu não saber, de seu devaneio encarnado, de sua potência obscura. Por isso, ele trabalha no plano plástico, frágil e, ao mesmo tempo, mobilizante da espiritualidade.
O feminismo não acredita que haja um ópio do povo; pelo contrário, crê que a espiritualidade é uma força de sublevação, que o gesto de se rebelar é inexplicável e, ao mesmo tempo, a única racionalidade que nos liberta, e que nos liberta sem nos tornarmos sujeitos puros, heroicos ou bons.
A Igreja entendeu isso durante toda sua história. Podemos nos referir mais uma vez a Calibã e a bruxa, de Silvia Federici, para lembrar por que a queima de bruxas, hereges e curandeiras foi uma cena predileta para desprestigiar o saber feminino sobre os corpos e aterrorizar sua efervescência curadora e sua força de tecnologia de amizade entre mulheres19. Ou ao ainda mais clássico Witches, Midwives and Nurses: A History of Women Healers [Bruxas, parteiras e enfermeiras. Uma história das mulheres curandeiras] de Bárbara Ehrenreich e Deirdre English, em que se analisa, por exemplo, o guia para a queima de bruxas do século xv – Malleus maleficarum [O martelo das bruxas] –, o qual assegurava que «nada causa mais dano à Igreja católica que as parteiras», que obviamente são também aborteiras20.
Vemos hoje nas ruas, casas, camas e escolas uma batalha pela espiritualidade política (que, em seu movimento maciço, tem tudo de verde, como um princípio-esperança). E por isso, novamente, a Igreja católica, por meio de seus representantes e porta-vozes homens, sente que possui uma missão a cumprir, uma tarefa de salvação de almas que se traduz em uma guerra pelo monopólio da tutela sobre os corpos femininos. Há um ponto fundamental na atualidade dessa cruzada que é o papel do papa Francisco, especialmente por sua conexão na Argentina com diversos movimentos sociais.A Igreja dos «pobres». Com particular ênfase, essa disputa pelos corpos é ampliada quando se trata da tutela de mulheres «pobres». E ela ocorre justamente no momento em que o feminismo ganha força nos bairros, a partir das gerações mais jovens, mas ao mesmo tempo como uma nova aliança entre mães e «filhes», e quando ocorre um debate classista sobre a diferença dos riscos apresentados pelo aborto. Como expôs no Congresso argentino uma jovem da organização Orilleres da Villa 21-24 e Zavaleta, na cidade de Buenos Aires: «Intervêm em nossos bairros instituições como as igrejas que se encarregam de moralizar nossos corpos, nossas decisões, e que operam para que nós mulheres não tenhamos acesso ao aborto legal. Sem direitos sobre nossos corpos e nossas vidas, estamos condenadas a seguir sendo lesadas»21.
Seis dias antes, um conhecido padre «villero»22 havia insistido que o aborto não é uma reivindicação popular23. Ele argumentou que «o fmi [Fundo Monetário Internacional] é aborto» (título com o qual fez circular midiaticamente seu discurso). Com isso, a Igreja pretende estabelecer que a autodeterminação das mulheres, o próprio direito a decidir sobre o corpo, é uma questão neoliberal. Desconhecem e deturpam tanto as lutas históricas pelo aborto como a atualidade do movimento feminista, em que essa demanda se associa a uma exigência de vida digna e contra o ajuste neoliberal, e em cujo amálgama foram realizados «pañuelazos»24 em muitos bairros e villas.
Em sua pretensão de se apresentarem como os únicos antiliberais, os porta-vozes da Igreja referem essa argumentação às «mulheres pobres»: as quais eles consideram que devem conduzir especialmente, de quem tiram a capacidade de decisão em nome de sua condição social e a quem dão visibilidade como resistentes somente se forem mães. Desse modo, a armadilha que estabelecem parece reivindicar-se «classista», mas é na verdade justamente o contrário: tentam traçar uma distinção de classe que justificaria que não resta outra alternativa às mulheres pobres senão serem católicas e conservadoras, pois sua única opção é a maternidade. Desse modo, tenta-se reduzir o abortar (ou seja, decidir sobre o desejo, a maternidade e a própria vida) a um gesto excêntrico das classes média e alta (que, está claro, podem dispor de recursos econômicos diferentes). O argumento «classista», que obviamente existe em termos de possibilidades diferenciadas para ter acesso a um aborto seguro, é invertido: passa a funcionar como justificativa da clandestinidade. Para a Igreja, o direito a decidir deve permanecer distante dos bairros populares. Essa cruzada por infantilizar as mulheres «pobres» é a ponta de lança, pois se for desarmada, a própria Igreja fica sem fiéis. O mais brutal é o modo como, para sustentar isso, eles precisam se fazer de surdos – ignorar e negar – para o que dizem as próprias mulheres das villas e organizações que trabalham nessas áreas, apesar de estarem insistindo por toda parte com a mensagem «deixem de falar por nós».
Fica claro que a Igreja, por meio de seus porta-vozes homens, não quer deixar de legislar sobre o corpo das mulheres e que a instituição encontra no movimento feminista uma ameaça direta a seu poder, construído sobre o controle dos corpos e das espiritualidades feminizadas. Porque é o controle da vida e dos modos de vida (é deflagrada toda uma guerra sobre o próprio vocábulo «vida») que está em jogo para tornar a espiritualidade sinônimo de obediência e de formas renovadas de tutela.
Voltemos ao argumento que se renova e reforça: querer associar feminismo a neoliberalismo. O aborto como sinônimo de «cultura do descarte», como apresenta a propaganda eclesiástica, tem esse propósito. Mas é justamente um feminismo antineoliberal que vem se fortalecendo nos últimos anos e que põe em xeque essa argumentação falaciosa da instituição que é do reino celestial.
Dois: a contraofensiva moral… e econômica
Estamos falando da disputa pela definição de neoliberalismo e, particularmente, do que seria o antineoliberalismo. Mais ainda: falamos de quais práticas implica o caráter popular em sua capacidade estratégica de construir o antineoliberalismo. Aí reside o cerne do debate. Aqueles que denunciam a «ideologia de gênero» propõem um combate ao neoliberalismo com um retorno à família, ao trabalho disciplinado como único fornecedor de dignidade e à maternidade obrigatória como reafirmação do lugar da mulher.
Assim, o neoliberalismo é definido como uma política e um modo de subjetivação da pura desagregação da ordem familiar e do trabalho. Que essa ordem seja patriarcal, obviamente, não é problematizado, mas ratificado. Chegamos a um tipo de contradição lógica: é o antineoliberalismo capaz de se sustentar em uma ordem patriarcal cuja estrutura biologicista e colonial é indissimulável? Isso é justamente o que os feminismos deixaram claro em sua radicalização maciça: não há capitalismo neoliberal sem ordem patriarcal e colonial. A trindade é indissimulável.
O argumento que a doutrina de Francisco tenta instalar é que a «ideologia de gênero» é «colonial» e «liberal». Parece paradoxal que a instituição que deve seus alicerces em nosso continente à colonização mais sangrenta apregoe um discurso «anticolonial». Parece paradoxal que, em um momento no qual a hierarquia da Igreja católica se vê contestada pelas denúncias de abuso sexual de menores por parte de seus integrantes, surja a bandeira de um antineoliberalismo de matiz miserabilista e patriarcal para apontar o feminismo como inimigo interno. Parece paradoxal que, em um momento em que o «inconsciente colonial» como chama Suely Rolnik25 ou as «práticas descolonizadoras» sobre as quais fala Silvia Rivera Cusicanqui26 encontram nos feminismos um enorme espaço de problematização e ressonância, justamente a Igreja católica apostólica romana queira se apresentar como anticolonial.
Vejamos como se articula a contraofensiva eclesiástica com a contraofensiva econômica. O ajuste econômico dos últimos anos, que no caso da Argentina se traduz em inflação e aumento de tarifas básicas, demissões e cortes de serviços públicos, exerce um impacto especial sobre as mulheres e, de modo mais geral, sobre as economias feminizadas. Várias integrantes de organizações sociais contam que não jantam como forma de autoajuste diante da escassez de comida e para poderem repartir melhor o que há entre filhos e filhas.
Tecnicamente, isso se chama «insegurança alimentar»; politicamente, evidencia como as mulheres põem de modo diferenciado o corpo, também assim, diante da crise. Isso é reforçado pela bancarização dos alimentos por meio dos cartões «alimentares» (parte da bancarização compulsória dos benefícios sociais ocorrida na última década), que são resgatados somente em determinados estabelecimentos comerciais e estão «atados» à especulação de alguns supermercados no momento de fixarem preços. O fantasma do saque nos estabelecimentos comerciais de alimentos é utilizado como justificativa para a ameaça de repressão e incentiva a perseguição dos protestos em nome da «segurança».
Confinamento, dívida e biologia. Com a contraofensiva econômica, vemos uma característica fundamental do neoliberalismo atual: o aprofundamento da crise de reprodução social sustentada por um incremento do trabalho feminizado, que substitui a infraestrutura pública e se envolve nas dinâmicas de superexploração. A privatização de serviços públicos e a restrição de seu alcance fazem com que essas tarefas (saúde, cuidado, alimentação etc.) devam ser supridas pelas mulheres e pelos corpos feminizados como atividades não remuneradas e obrigatórias.
Várias autoras já destacaram o uso moralizador que se articula nessa mesma crise reprodutiva. Aqui surge um elemento fundamental: as bases de convergência entre neoliberalismo e conservadorismo. Como sustenta Melinda Cooper, precisamos situar quando o neoliberalismo, para justificar suas políticas de ajuste, revive a tradição da responsabilidade familiar privada e o faz no idioma da… «dívida doméstica»27! Endividar os lares é parte de seu chamado à responsabilização neoliberal, mas, ao mesmo tempo, condensa o propósito conservador de desdobrar sobre os limites do lar cis-heteropatriarcal a reprodução social.
Confinamento, dívida e biologia: é essa a fórmula da aliança neoliberal-conservadora. A reinvenção estratégica da responsabilidade familiar diante da expropriação da infraestrutura pública permite essa convergência muito profunda entre neoliberais e conservadores.Vemos isso claramente na forma como a contraofensiva econômica é também contraofensiva moralizadora e retira sua força do empobrecimento acelerado, que tem como espaço de expansão a financeirização das economias familiares que força os setores mais pobres (e agora não só eles) ao endividamento para pagar alimentos e medicamentos, e para financiar o pagamento de serviços básicos em parcelas com juros exorbitantes. Se a subsistência cotidiana por si mesma gera dívida, o que vemos é uma forma intensiva e extensiva de exploração que encontra nas economias populares feminizadas seu laboratório.
Mas a torção conservadora é um aspecto fundamental que tenta reforçar, por um lado, a obrigação de compensação do benefício social com exigências familiaristas como lógica de cuidado e responsabilidade; por outro, faz com que as igrejas sejam hoje os canais privilegiados para a redistribuição de recursos. Vemos se consolidar, dessa forma, uma estrutura de obediência sobre o dia a dia e sobre o futuro que obriga a assumir, de maneira individual e privada, os custos do ajuste e a receber condicionamentos morais em troca dos recursos escassos.
Assim, caracterizamos a contraofensiva econômica como terror financeiro porque se desdobra como «contrarrevolução» cotidiana em dois sentidos: porque quer nos fazer desejar a estabilidade a qualquer custo e porque opera sobre o tecido do dia a dia, o mesmo que os feminismos questionam, pois é onde se estrutura micropoliticamente toda forma de obediência. Não é casual, portanto, que as militâncias políticas próximas ao Vaticano queiram construir um falso antagonismo: feminismo versus fome. Novamente, a operação consiste em infantilizar o feminismo como política trivial, de classe média, diante da urgência popular da fome. Na verdade, é o contrário: não há oposição entre a urgência da fome a que a crise nos submete e a política feminista. É o movimento feminista em toda sua diversidade que tem politizado de maneira nova e radical a crise da reprodução social como crise ao mesmo tempo civilizatória e da estrutura patriarcal da sociedade. A isso se contrapõe uma assistência social enfocada (forma predileta de intervenção estatal neoliberal), que busca reforçar uma hierarquia de merecimentos com relação à obrigação das mulheres segundo seus papéis na família patriarcal: ter filhos, cuidar deles, escolarizá-los e vaciná-los.O que a contraofensiva religiosa não suporta é que, enfrentando a fome, se desafie também o mandato patriarcal da reprodução da norma familiar, do confinamento doméstico e da obrigação de parir. O que a contraofensiva religiosa busca na contraofensiva econômica é uma oportunidade para repor uma imagem do popular como conservador e do conservador como genuíno porque, novamente, traz uma ideia do «antineoliberal» que não faz nada além de ocultar a aliança entre neoliberalismo e conservadorismo que vemos hoje na guinada neofascista regional e global.
O movimento feminista cresce dentro de organizações diversas e, por isso, está presente nas lutas mais desafiadoras da atualidade, e a partir desses espaços realiza os diagnósticos não fascistas da crise de reprodução social. A fome não é uma definição biologicista. As chefas de casa levam suas panelas para protestar nas ruas e põem o corpo em nome da denúncia do ajuste, da inflação e da dívida. As meninas em situação de rua discutem o que são as violências das economias ilegais. As presidiárias denunciam a máquina carcerária como lugar privilegiado de humilhação. Contudo, é necessário desconhecer esses potentes lugares de enunciação para poder sustentar o falso antagonismo «fome versus feminismo».
Mas aprofundemo-nos um pouco mais no vínculo atual entre neoliberalismo e conservadorismo. Por que eles se amalgamam em economias da obediência impulsionadas pela moral religiosa e pela moral financeira? Por que essa aliança encontra nas economias ilegais um fluxo paralelo e, ao mesmo tempo, explorável de armas e dinheiro? Podemos recorrer a uma pergunta anterior que desenvolvemos para fazer uma leitura feminista da dívida28: o que ocorre quando a moralidade dos trabalhadores e das trabalhadoras não é produzida na fábrica e por meio de seus hábitos de disciplina vinculados a um trabalho mecânico repetitivo? Que tipo de dispositivo de moralização é a dívida em substituição a essa disciplina fabril? Como opera a moralização sobre uma força de trabalho flexível, precarizada e, de um certo ponto de vista, indisciplinada? Que relação tem a dívida como economia de obediência com a crise da família heteropatriarcal? Que tipo de educação moral é necessária para uma juventude endividada e precarizada? Como escrevemos em Una lectura feminista de la deuda:
Não nos parece casual que se queira promover uma educação financeira nas escolas ao mesmo tempo em que é rejeitada a implementação da Educação Sexual Integral (esi), o que se traduz em cortes orçamentários, em sua terceirização por organizações não governamentais religiosas e em sua restrição a uma normativa preventiva. A esi é limitada e redirecionada para restringir sua capacidade de abrir imaginários e legitimar práticas de outros vínculos e desejos que vão além da família heteronormativa. Combatê-la em nome do #ConMisHijosNoTeMetas é uma «cruzada» pela remoralização dxs jovens, ao mesmo tempo em que querem complementá-la com uma «educação financeira» precoce.29
A resposta eclesiástica para a contraofensiva econômica é a reposição familiarista da reprodução, a afirmação da obediência em troca de recursos, a despolitização das redes feministas para enfrentar a fome e a desestruturação das famílias como norma e a tentativa de remoralizar o desejo. A resposta econômica para a contraofensiva religiosa é unificar a moralidade devedora com a moralidade familiarista.
Três: a contraofensiva militar
Têm aumentado nos últimos anos o assassinato de líderes territoriais mulheres, a criminalização das lutas das comunidades indígenas e a perseguição judicial, assim como formas de repressão seletivas nas manifestações. O assassinato da ativista lésbica negra Marielle Franco em 2018 condensa o assassinato de muitas e, particularmente, mira nas mulheres negras e nas dissidências como novo «inimigo» e inimigo «principal».
Então, como explicar a aliança atual entre neoliberalismo e neofascismos?
O fascismo atual é uma política que constrói um inimigo «interno». Esse inimigo é encarnado por aqueles que historicamente foram considerados estrangeiros no âmbito «público» da política. Hoje, o inimigo interno visado pelo fascismo é o movimento feminista em toda sua diversidade e os homens e mulheres migrantes, como sujeitos também feminizados. O fascismo atual lê nossa força de movimento feminista, antirracista, antibiologicista, antineoliberal e, portanto, antipatriarcal.
Contudo, a agressividade do fascismo atual não pode nos fazer perder de vista algo fundamental: expressa uma tentativa de estabilizar a contínua crise de legitimidade política do neoliberalismo. Tal crise está sendo produzida como desdobramento de forças pelo movimento feminista transnacional, plurinacional, que inventa atualmente uma política de massas radical justamente por sua capacidade de estabelecer «alianças insólitas» – para usar o termo do movimento Mujeres Creando – agora em uma escala inédita30. São essas formas práticas de transversalidade que materializam o caráter anticapitalista, anticolonial e antipatriarcal do movimento. As alianças, como tecido político construído pacientemente em temporalidades e espaços que não são geralmente reconhecidos como estratégicos, formulam uma nova estratégia de insurreição entre os historicamente considerados não cidadãos do mundo.
Gostaria de encerrar com uma pergunta lançada recentemente por Butler, pois nos permite situar ainda mais precisamente a pesquisa que temos à frente: «Então, podemos nos perguntar agora se o movimento da ideologia antigênero é parte do fascismo ou se podemos dizer que compartilha de algumas de suas características, que contribui para os fascismos emergentes ou que é, em algum sentido, sintomático do novo fascismo»31.
Notas
1. M. Viveros Vigoya: «La contestación del Género: cuestión nodal de la política (sexual) en Colombia» em Sexual Policy Watch, 2016.
2. E. Fassin: «A Double-Edged Sword: Sexual Democracy, Gender Norms, and Racialized Rhetoric» em Judith Butler e Elizabeth Weed (eds.): The Question of Gender: Joan W. Scott’s Critical Feminism, Indiana up, Indiana, 2011.
3. M. A. Casey: «Trans Formations in the Vatican’s War on ‘Gender Ideology’» em Journal of Women in Culture and Society, 2019; Sarah Bracke e David Paternotte: «Unpacking the Sin of Gender» em Religion and Gender vol. 6 Nº 2, 2016.
4. M. A. Gutiérrez: «Significante vacío: ideología de género, conceptualizaciones y estrategias» em Observatorio Latinoamericano y Caribeño Nº 2, 2018.
5. Consejo Pontificio por la Familia de la Iglesia Católica: Lexicón. Términos ambiguos y discutidos sobre familia, vida y cuestiones éticas, Palabra, Madri, 2004. [Há uma edição em português: Lexicon. Termos ambíguos e discutidos sobre família, vida e questões éticas, Edições cnbb, Brasília, 2007].
6. Op. cit., p. 146.
7. D. Paternotte e R. Kuhar: Anti-Gender Campaigns in Europe: Mobilizing against Equality, Rowman and Littlefield, Londres, 2017.
8. A. Graff e E. Korolczuk: «¿Hacia un futuro iliberal? Contra la ‘ideología de género’ y contra la globalización» em Nueva Sociedad, edição digital, 2/2019, www.nuso.org.
9. Sekotia, Madri, 2010.
10. J. Scala: «El cardenal Bergoglio y su visión de la familia y la vida humana» em Zenit, 15/3/2013.
11. M. A. Casey: op. cit., pp. 640–641.
12. É utilizada no Brasil a hashtag «#Nãoaideologiadegenero» [n. do t.].
13. «Não se meta com meus filhos», em tradução livre [n. do t.].
14. Em La Nación, 3/1/2017.
15. Cit. em M. A. Gutiérrez: op. cit., 2018.
16. Para entender o fenômeno Bolsonaro, são especialmente lúcidas as análises de Helena Silvestre: «Helena Silvestre: buscando las raíces del fenómeno Bolsonaro» em Canal Abierto, www.youtube.com/watch?v=5-9gtrfxifg.
17. «Niñas madres con mayúsculas» em La Nación, 1/2/2019.
18. Sobre o conceito de «espiritualidade política», v. Michel Foucault: Sublevarse. Entrevista inédita con Farès Sassine, Catálogos, Viña del Mar, 2016.
19. S. Federici: Calibán y la bruja. Mujeres, cuerpo y acumulación originaria, Tinta Limón, Buenos Aires, 2011. [Há uma edição em português: Calibã e a bruxa. Mulheres, corpo e acumulação primitiva, Elefante, São Paulo, 2017].
20. B. Ehrenreich e D. English: Witches, Midwives, and Nurses: A History of Women Healers, The Feminist Press, Nova York, 1973.
21. «Exposición de Karen Torres» em Campaña Nacional por el Aborto Legal, 7/6/2018, www.youtube.com/watch?v=k--t0_zeuae.
22. O termo se refere a padres que atuam diretamente nas chamadas villas, áreas precarizadas de moradia popular em zonas urbanas, geralmente de caráter irregular perante a normativa oficial e análogas às favelas brasileiras [n. do t.].
23. Não podemos desenvolver aqui a diferença entre a teologia da libertação e a teologia do povo, que remonta à década de 1970 e opõe uma libertação social em relação a uma noção do popular ligada estritamente à pobreza. Juan Carlos Scanonne, um de seus teóricos, afirma que uma das características da teologia do povo hoje aplicada por Francisco é «a crítica às ideologias, tanto de cunho liberal como marxista» e «sua busca por categorias hermenêuticas a partir da realidade histórica latino-americana, sobretudo, dos pobres». Outra diferença a considerar é a existente entre os padres «villeros» (que são nodais na estrutura de Bergoglio) com relação à doutrina que se formou nos anos 80 denominada «opção preferencial pelos pobres» (opp). Ver J. C. Scanonne: «El papa Francisco y la teología del pueblo» em Razón y Fe tomo 271 No 1395, 2014.
24. O termo se refere a manifestações de rua comuns na Argentina, em que as manifestantes e suas reivindicações são identificadas pelo tipo e a cor do lenço que utilizam [n. do t.].
25. S. Rolnik: Esferas de insurrección. Apuntes para descolonizar el inconsciente, Tinta Limón, Buenos Aires, 2019. [Há uma versão em português: Esferas da insurreição. Notas para uma vida não cafetinada, n-1 Edições, São Paulo, 2018].
26. S. Rivera Cusicanqui: Un mundo ch´ixi es posible. Ensayos desde un presente en crisis, Tinta Limón, Buenos Aires, 2018.
27. M. Cooper: Family Values: Between Neoliberalism and the New Social Conservatism, Zone / Near Futures, Nova York, 2017, p. 22.
28. Luci Cavallero e V. Gago: Una lectura feminista de la deuda. ¡Vivas, libres y desendeudadas nos queremos!, Fundación Rosa Luxemburgo, Buenos Aires, 2019.
29. Ibid.
30. Mujeres Creando: La virgen de los deseos, Tinta Limón, Buenos Aires, 2005.
31. J. Butler: «Anti-Gender Ideology as New Fascism», conferência em The New School for Social Research, Nova York, 21/2/2019.
Este artículo es copia fiel del publicado en la revista Nueva Sociedad 2019, Dezembro 2019, ISSN: 0251-3552