“Maiorias absolutas não deixaram boas memórias em Portugal”
Catarina Martins frisou que o mandato do Bloco é claro: “lutar pelo país, pelos salários, pelas condições de trabalho, por salvar o SNS, pela resposta à emergência climática”, e que o partido não dará tréguas ao discurso de ódio.
Esquerda.net, 1 de fevereiro de 2022
“Sabemos dos perigos das maiorias absolutas e de como são permeáveis ao poder económico. Cá estaremos, com o papel de exigência que o Bloco sempre teve, e não deixará de ter, para defender o país”, garantiu Catarina após a reunião com o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
A coordenadora do Bloco apontou que “as maiorias absolutas não deixaram boas memórias em Portugal”, e que “há um trabalho muito exigente de oposição para garantir que o interesse público é respeitado, para proteger o país da predação das elites económicas que têm ficado com os nossos recursos”. Catarina foi perentória: “o Bloco é incansável sobre essa matéria”.
Referindo-se aos “caçadores de cabeças”, como é o caso de um ex-dirigente da direita, e atual advogado envolvido em processos de privatizações, que disse que “se ia ver livre das meninas do Bloco”, a dirigente bloquista esclareceu: “Lamento imenso desiludir, mas o Bloco de Esquerda não decide a sua direção de acordo com resultados eleitorais, quem decide são os seus militantes. Cá estarei para cumprir o meu mandato por inteiro”.
Para o que der e vier
Maioria absoluta para o PS, uma derrota para os partidos à sua esquerda, e uma direita minoritária e radicalizada. É este o resumo de uma noite eleitoral difícil para o meu partido, o Bloco de Esquerda.
Mariana Mortágua, Jornal de Notícias, 1 de fevereiro de 2022
Não é segredo para ninguém que o voto contra o Orçamento acarretava riscos do ponto de vista da perceção popular e que, precisamente por isso, era suscetível de ser dramatizado pelo PS. E poucos duvidam que esse foi precisamente o cálculo de António Costa ao empurrar o Bloco e o PCP para uma posição insustentável: ou aprovavam um mau Orçamento e passavam a orbitar na esfera do PS sem qualquer poder negocial; ou chumbavam o documento e seriam penalizados por isso, dando a António Costa a possibilidade de uma maioria absoluta. Ambas as possibilidades tinham o mesmo objetivo: permitir ao PS governar sem os "empecilhos" de esquerda que condicionaram a legislatura da geringonça.
É preciso dizer, porque acredito que a convicção vale mais que o eleitoralismo, que a proposta de Orçamento não se tornou melhor depois das eleições. As horas extraordinárias continuam a não ser solução para a falta de profissionais do SNS, os salários - quer no público como no privado - continuam a ser desvalorizados pela inflação, e o investimento em transportes ou serviços públicos continuará a ser vergonhosamente insuficiente. A abóbora não se transformou em carruagem de luxo, mas a estratégia de António Costa funcionou. O programa da geringonça está enterrado, os partidos que em 2015 fizeram de Costa primeiro-ministro deixaram de contar para a maioria, e o PS é livre para governar como entender.
Ao ambiente já criado pela crise artificial do Orçamento juntou-se, a meio da campanha eleitoral, a ideia de um pretenso empate entre o PS e o PSD (ou uma coligação de direita), que, se alguma vez sequer existiu, esteve muito longe de se realizar. Mesmo em conjunto, os votos que o PS perdeu para o PSD não dariam maioria à direita. Mas o medo de um regresso ao pesadelo antissocial, agora refinado com a boçalidade do Chega e o autoritarismo liberal da Iniciativa Liberal, levou à transferência massiva de votos do Bloco para o PS. É certo que para impedir uma maioria de direita bastaria uma maioria de esquerda, mesmo que o PS não fosse sequer o partido mais votado, como aconteceu em 2015. Mas para isso era preciso que a esquerda "se entendesse", uma possibilidade que António Costa quis desacreditar durante toda a campanha, apesar da inteira disponibilidade do Bloco.
Aqui chegados, quero deixar três certezas. Os deputados eleitos do Bloco cumprirão à risca o seu mandato, em nome do SNS, do clima e da vida de quem trabalha. Seremos uma garantia contra os perigos das maiorias absolutas, e a voz que se levanta contra o racismo, o ódio e o medo que o Chega trouxe para a nossa sociedade. Não faltaremos, estamos para o que der e vier.