Dados publicados pelo INPE apontam que o número total de focos de queimadas acumulado entre janeiro e setembro de 2021 foi de 51.505 focos – maior número desde 2013.
EcoDebate, 4 de outubro de 2021
Estudo publicado comprova a eficácia de saber ancestral dos povos indígenas e tradicionais para fazer o manejo integrado do fogo.
Dados publicados pelo INPE apontam que o número total de focos de queimadas acumulado entre janeiro e setembro de 2021 foi de 51.505 focos – maior número desde 2013. Os números desse período também superaram 2019 e 2021, sob a gestão Bolsonaro: foram 50.524 focos em 2019 e 46.007 em 2020. No mês de setembro, foram registradas 19.939 queimadas no Cerrado, com queimadas intensas que atingiram especialmente a região do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros e Parque Estadual Terra Ronca, em Goiás.
“Embora o fogo seja elemento natural do bioma, as queimadas em épocas secas são provocadas pela ação humana, e costumam ser mais intensas, atingir grandes áreas e impactar agressivamente a fauna e flora”, afirma Mariana Napolitano, gerente de ciências do WWF-Brasil.
Saber dos povos originários e tradicionais
Reverter esse cenário é possível: estudo publicado em setembro no periódico internacional Fire comprova a eficácia de um saber ancestral dos povos indígenas e tradicionais – o uso controlado do fogo, ou queimas prescritas – para reduzir a incidência de incêndios no Cerrado.
Realizado por pesquisadores de várias universidades e um pesquisador do IBAMA, o trabalho avaliou áreas de alta recorrência de incêndios nas Terras Indígenas Xerente e Araguaia, no Tocantins. Nas duas regiões, as queimas prescritas reduziram a ocorrência de grandes incêndios florestais, o número de cicatrizes de queima de médio e grande porte (100 – acima de 1000 hectares), a intensidade do fogo e as emissões de gases de efeito estufa, alterando o regime do fogo. Essas queimas são planejadas, acompanhadas por equipe especializada e ocorrem principalmente fora do período mais seco do ano, quando a chance de incêndios de alta intensidade é bem maior.
Segundo Isabel Schmidt, professora do Departamento de Ecologia da UnB, várias áreas protegidas no Cerrado já adotaram o MIF – manejo integrado do fogo – e a técnica de queima prescrita pode ser replicada, especialmente em áreas que convivem naturalmente com o fogo, como os campos e as savanas, mas existe um grande desafio que é a aplicação do manejo dentro das áreas privadas. “Ainda não existe uma política Nacional de Manejo de Fogo. O poder público precisa avançar nessa lacuna, há uma proposta de Política no Congresso Nacional desde 2018, não apenas com a legislação, mas com mais recursos para apoiar a atividade e diminuir custos posteriores de combate a incêndios. “Todo o deslocamento com aviões, brigadistas e equipamentos pode ser evitado ou diminuído com um trabalho prévio, de manejo do fogo”, afirma.
A pesquisadora afirma que a técnica pode beneficiar áreas agrícolas e de pecuária. Com o devido treinamento, os pequenos produtores podem se beneficiar, pois é uma abordagem ampla que envolve planejamento, prevenção e se aplica a paisagens com vários usos. “Ela reduz a biomassa que favorece a propagação de incêndios, e é utilizada no manejo de atividades de agricultura familiar e uso de vegetações nativas para criação de gado”, afirma. Os resultados da pesquisa reforçam também que a queima prescrita é uma estratégia essencial para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, já que queimas controladas consomem menos biomassa e emitem menos gases do que os incêndios.
O estudo traz uma leitura da dinâmica do uso de fogo, desde um período em que não havia presença governamental para manejar fogo nestas Terras Indígenas, passando por um período de proibição total do uso do fogo e a terceira fase, desde 2014, quando o manejo integrado do fogo foi implementado nestas e em outras Terras Indígenas e Unidades de Conservação federais. “O que percebemos é que o uso do fogo faz parte do conhecimento tradicional dos povos. A proibição no passado não trouxe bons resultados – não por acaso, foi o período com maior ocorrência de incêndios nas áreas estudadas. O manejo integrado do fogo mostrou-se efetivo na redução de incêndios, mesmo após pouco tempo de implementação”, ressalta a pesquisadora.
A íntegra do estudo está disponível aqui.
O Cerrado é um dos biomas mais ricos e ameaçados do Brasil. Abriga as nascentes de oito principais bacias hidrográficas do país e apresenta rica biodiversidade. No entanto, os dados mais recentes apontam para uma contínua destruição, seja com desmatamento ou queimadas.
Parte de sua vegetação nativa já foi convertida para áreas de agropecuária, cerca de 43,7%, segundo o MapBiomas. O desmatamento na área no último ano cresceu cerca de 13%, segundo dados do PRODES.