A República Popular da China pretende consolidar o seu papel de principal contraparte à hegemonia dos EUA também do ponto de vista militar. Isso é confirmado por um comunicado divulgado um dia após o encerramento da quinta sessão plenária do XIX Comité Central do Partido Comunista Chinês (aberto no último dia 26 de outubro), centrada na identificação das prioridades políticas e nas escolhas a serem tomadas para manter o a economia autóctone em crescimento mesmo em um período de profunda estagnação como o atual, com o espectro de uma recessão global cada vez mais ameaçadora com a perpetuação da pandemia.
Giuseppe Luca Scaffidi, Business Insider, 6 de novembro de 2020. Reproduzido de IHU-Unisinos. Tradução de Luisa Rabolini.
O 14º plano quinquenal, Vision 2035 e “dupla circulação”
Especificamente, a quinta plenária do PCC definiu as diretrizes do 14º plano quinquenal (que será aprovado pelo parlamento em março) e testou os mecanismos de aplicação de um programa abrangente, instrumental para a transformação da China em uma "grande e moderna nação socialista" até 2035 (denominado, não por acaso, de Vision 2035).
Trata-se de um plano de desenvolvimento voltado para marcar uma passagem histórica nos equilíbrios econômico-financeiros da China, alicerçado no conceito de "dupla circulação" (dual circulation), ou seja, sobre a maximização dos consumos internos, a conquista da "autossuficiência tecnológica (especialmente na produção nacional de microchips, para os quais, atualmente, o país é obrigado a depender do exterior, em especial do mercado estadunidense) e da contextual limitação a um mínimo de dependência das grandes cadeias globais de abastecimento: em suma, o Dragão pretende empreender uma reconfiguração radical de sua estrutura econômica ao longo dos próximos quinze anos, concretizando a tão desejada transição de local de produção para local de consumos e resguardando-se de um possível endurecimento do processo de decoupling (o desacoplamento entre as economias do Pequim e Washington, um dos pontos principais do programa político de Donald Trump, mas parcialmente assumido também pela agenda de Biden).
Exército totalmente modernizado até 2027
Em relação à questão militar mencionada no início, segundo as constatações que apareceram no encontro e relatadas no referido comunicado, até 2027 - ano em que se comemorará o centenário da fundação do Exército de Libertação Nacional (PLA) - a China gostaria de realizar a formação de um exército totalmente modernizado, com o objetivo declarado de se equiparar à contraparte estadunidense do ponto de vista bélico e determinar um salto qualitativo na organização das tropas, aumentando o sua capacidade de defender a soberania nacional, a segurança e os interesses da China tanto internos quanto externos.
Junfei Wu, vice-líder do think tank do Tianda Institute, declarou que se trata da primeira vez que a melhoria do exército é contemplada entre os objetivos de desenvolvimento a médio prazo e que, muito provavelmente, a ventilada modernização dos setores militares está duplamente ligada aos destinos de Taiwan e à vontade de desencorajar as interferências militares do exercido estadunidense dentro da área.
A aplicação da futura rede 6G para fins militares em chave antiestadunidense
O fortalecimento do potencial militar chinês inevitavelmente interceptará o terreno do progresso tecnológico e dos novos equilíbrios que, nos próximos anos, alterarão o status quo das relações homem-máquina: de fato, conforme evidenciado por Kristin Huang no South China Morning Post, embora o país tenha apenas começado a implementar o desenvolvimento da tecnologia 5G e o 6G exista apenas em via puramente embrionária, o Exército popular de Libertação chinês já está planejando usá-lo para renovar seu estrutura.
Além disso, o desejo de explorar os possíveis usos da futurista rede 6G no setor bélico já havia sido antecipado em um artigo publicado no último dia 13 de abril no China National Defense News, o jornal oficial Exército Popular de Libertação, intitulado If 6G Were to be used in the Future Battlefield; o texto enfatizava como a introdução da nova tecnologia de rede dentro das instituições de defesa poderia determinar "um grande impacto nas práticas militares, como as formações de guerra, o desenvolvimento de equipamentos e as comunicações no campo de batalha". Promover a aplicação gradual do 6G no exército poderia ser um dos principais objetivos das forças armadas chinesas para se adaptarem às novas mudanças militares do futuro”.
A vontade de desenvolver o uso da rede móvel em chave militar certamente não é uma prerrogativa exclusivamente chinesa: em junho do ano passado, o Defense Science Board – o comitê federal que fornece consultoria científica ao Pentágono - publicou o relatório Defense Applications of 5G Network Technology, destacando como “a emergente tecnologia 5G, disponível no comércio, oferece ao Departamento de Defesa a possibilidade de usufruir os benefícios de tal sistema com custos menores para suas próprias necessidades operacionais”.
Como se isso não bastasse, em 2 de maio, o secretário de Defesa Mark Esper aprovou a chamada Estratégia 5G, destacando como a conectividade de alta velocidade moldará profundamente as modalidades de ação do pessoal militar, fornecendo um novo impulso às armas hipersônicas, incluindo aquelas com ogiva nuclear (são meios que, para serem manobrados com a máxima eficácia, devem ser pilotados por sistemas capazes de receber, processar e transmitir uma quantidade impressionante de informações em um espaço reduzidíssimo de tempo): os soldados do futuro usarão redes 5G e de expedição para transmitir enormes quantidades de dados e conectar sensores e armas distantes em uma rede de campos de batalha densa e resiliente, capitalizando ao máximo as possibilidades inéditas fornecidas pelas comunicações de baixa latência. Do ponto de vista operacional, o Pentágono já está experimentando possíveis aplicações militares dessa tecnologia em cinco bases aéreas, navais e terrestres: Hill (Utah), Nellis (Nevada), San Diego (Califórnia), Albany (Geórgia), Lewis -McChord (Washington).
Como se sabe, a China instituiu dois grupos de trabalho para supervisionar as pesquisas sobre o novo tipo de rede: de acordo com as conclusões dos técnicos do Ministério de Ciência e Tecnologia chinês, o 6G pode atingir a velocidade de 1 TeraByte (Tb) por segundo, superando em cerca de 8 mil vezes a velocidade da geração anterior (essas seriam estimativas puramente teóricas).
No entanto, as potenciais vantagens trazidas pelas redes de sexta geração iriam muito além da simples velocidade de transmissão de dados, criando as premissas para alcançar avanços sem precedentes no campo da técnica militar, especialmente no que diz respeito à coleta de informações, a visualização das operações de combate e o fornecimento de um apoio logístico mais preciso. Com latência quase zero, uma largura de banda extremamente superior e conectividade sem precedentes, a nova tecnologia wireless pareceria estar prestes a mudar as regras do jogo até mesmo no campo de batalha, onde o fator humano será cada vez mais marginalizado.
A China lança o plano de desenvolvimento do 6G: o novo desafio tecnológico já começou
A corrida ao 5G das potências mundiais ainda não acabou e a China foi mais longe, pronta a se lançar em um novo e longo desafio: o 6G. As autoridades de Pequim deram oficialmente início ao programa de pesquisa sobre as redes de sexta geração, instituindo dois grupos de trabalho que deverão estabelecer as bases para o desenvolvimento da nova tecnologia. O anúncio foi feito com um comunicado do Ministério da Ciência e Tecnologia, relativo a uma reunião da qual participaram especialistas e representantes do estado para delinear o percurso técnico a seguir.
Marco Cimminella, Business Insider, 08-11-2019. Reproduzido de IHU_Unisinos. Tradução de Luisa Rabolini.
Há apenas uma semana, as três operadoras estatais chinesas disponibilizaram aos consumidores os serviços suportados pelas redes 5G, ativando assim a maior rede de quinta geração do mundo. China Mobile, China Telecom e China Unicom apresentaram ao público planos de tarifas a partir de 128 yuan (16,61 euros) para 30 Gb de tráfego de dados por mês, permitindo assim que os consumidores com smartphones 5G desfrutem o potencial da rede de super velocidade. Agora, a pedido do executivo de Pequim, uma mesa de consultas começou a se preparar para o futuro, com duas equipes que supervisionarão todo o processo de estudo e desenvolvimento das futuras redes de comunicação. A primeira é composta por vários departamentos governamentais, encarregados de promover a implementação do 6G; a segunda é formada por 37 especialistas do mundo das universidades, da pesquisas científicas e das empresas, que deverão prestar assessoria técnica para as principais decisões que o governo tomará sobre o assunto.
Obviamente, ainda não está claro o que poderá ser feito com o 6G, os custos ou os retornos econômicos. Isso foi confirmado pelo próprio vice-ministro Wang Weiqu, segundo o qual a atual pesquisa global sobre essa tecnologia ainda está na fase inicial de exploração e os cenários de aplicação não estão definidos. E, no entanto, a ideia por si só já inflama os ânimos, alimentando tensões com os outros participantes dessa corrida. Um exemplo são as palavras, ou melhor, os tweets, do presidente dos EUA, Donald Trump, que em fevereiro último havia insistido para que as empresas aumentassem os esforços e não ficassem para trás: "Quero a tecnologia 5G, e também a 6G, nos Estados Unidos o quanto antes. Não há razão para ficarmos para trás", publicou em seu perfil no Twitter.
As redes de quinta geração são agora consideradas como uma inovação tecnológica essencial para impulsionar o crescimento econômico de um país: uma infraestrutura tecnológica que mudará a nossa maneira de trabalhar, comunicar e viver, graças a uma melhor conexão e maior poder de transferência de dados. E sobre o 5G está se desenrolando o grande conflito entre Washington e Pequim, que se articulou em torno da guerra fiscal e das críticas estadunidenses à gigante chinesa Huawei, um dos maiores fornecedores de serviços e sistemas de telecomunicações em nível global, acusada de fornecer tecnologia não segura. Em várias ocasiões, Donald Trump pediu aos aliados europeus que tomassem cuidado com os componentes chineses, por causa dos riscos de ataques cibernéticos e operações de espionagem cibernética. E incluiu a gigante Shenzhen na "Entity list", uma lista negra que impede a empresa asiática de obter suprimentos das empresas americanas das peças e componentes de que precisa. Mas as autoridades chinesas sempre responderam no mesmo tom, rejeitando as críticas da Casa Branca e até falando sobre uma "guerra fria tecnológica" em curso. E essas tensões não prejudicaram a Huawei, que conseguiu fechar 60 contratos comerciais para o 5G com várias operadoras no mundo.
Durante este ano, a Coreia do Sul e os Estados Unidos anunciaram o primeiro lançamento comercial do 5G em áreas limitadas. Enquanto isso, outros países do mundo estão correndo para implementar as redes de quinta geração em solo nacional, a fim de acelerar o tráfego de dados (o 5G deveria garantir uma velocidade cerca de 20 vezes maior que o 4G) e desenvolver a infraestrutura capaz de suportar de maneira cada vez mais eficiente novas tecnologias, como os carros autônomos e a realidade aumentada.
Mas com o lançamento oficial das operadoras chinesas na semana passada, parece que a maior rede de quinta geração disponível para os consumidores está ativa na China, segundo alguns analistas. E isso inclui 50 cidades, entre as quais Pequim e Xangai, graças a 86 mil estações 5G já em operação: o objetivo, informa um comunicado, é ativar mais de 130 mil até o final do ano. Um desenvolvimento capilar que preocupa Washington, que terá que lidar logo com o novo desafio do 6G lançado do outro lado do Pacífico.