Comitê Central do Partido Comunista começa a analisar nesta segunda o novo plano quinquenal, uma proposta de itinerário para guiar a economia chinesa até 2025
Macarena Vidal Liy, El País Brasil, 26 de outubro de 2020
Um discreto hotel pertencente aos militares, na zona noroeste de Pequim, sedia a partir desta segunda-feira a portas fechadas a Quinta Plenária do Comitê Central do Partido Comunista da China. Durante quatro dias, os 376 membros ― permanentes e suplentes ― desse órgão prepararão o itinerário que guiará a economia da China nos próximos anos, sob a sombra da pandemia de covid-19 e as tensões com os Estados Unidos. De seus debates sairão pistas sobre como a segunda maior potência do mundo planeja se tornar mais autossuficiente, um objetivo que o presidente Xi Jinping vem antecipando nos últimos meses.
Os líderes chineses chegaram à conclusão de que o endurecimento da política dos Estados Unidos contra Pequim continuará independentemente de quem vencer as eleições presidenciais da semana que vem. Some-se a isso a incerteza sobre o roteiro que a covid-19 escreveu para a economia mundial. Sua análise: a tendência a um recuo da globalização, que já vinha brotando, vai se acelerar, e é necessário proteger a economia nacional, a única entre os países do G20 com perspectivas de crescimento em um bom ritmo.
Este será o grande objetivo da reunião política mais importante desde que a China controlou a onda inicial da covid-19. Encabeçados pelo próprio Xi, os membros do Comitê Central terão como prioridade traçar as linhas mestras do 14º plano quinquenal, marco para o desenvolvimento econômico e social até 2025, a ser oficialmente apresentado em março de 2021. Também estudarão os planos de mais longo prazo, até 2035, o ano em que a China pretende já ser líder global tanto em poder econômico como em influência internacional. Para tornar sua economia impermeável às tensões geopolíticas e à previsível queda nas exportações, a resposta chinesa é a “circulação dupla”.
Proposta pela primeira vez por Xi em maio, essa estratégia ainda é vaga. Faltando que o Comitê Central apresente mais detalhes, em princípio se trata de potencializar o mercado, as cadeias internas de suprimento e tecnologia, em lugar de se basear mais na “circulação internacional” (a demanda e a inovação externas), como vinha ocorrendo desde a década de 1980.
A ideia em si não é nova. O Governo anterior, do presidente Hu Jintao e do primeiro-ministro Wen Jiabao, já tinha proposto uma mudança de modelo econômico que dependesse menos das exportações de baixo valor agregado, para escapar da armadilha da renda média. Mas desta vez a necessidade estratégica acrescenta mais urgência ao plano.
“Mudar para um desenvolvimento de dupla circulação em que o ciclo doméstico seja o principal motor é uma medida para impedir riscos estratégicos”, salientou Liu Shangxi, diretor do Instituto de Estudos Fiscais do Ministério de Finanças da China. “São tarefas importantes durante e depois do 14º Plano Quinquenal”.
Esta ênfase gera o temor de uma China mais autárquica no futuro próximo, embora Pequim insista em que o desenvolvimento interno não levará a um abandono da “circulação externa”. Em um discurso no começo do mês em Shenzhen, Xi salientava que o país continuará o processo de reformas iniciado por Deng Xiaoping e que “a relação com a economia externa será também a chave para o futuro desenvolvimento”.
Mas, em agosto, o próprio presidente chinês afirmava que “o mercado doméstico dominará o ciclo econômico nacional, e o potencial de crescimento econômico que é a demanda interna continuará sendo liberado. Devemos tornar a produção, distribuição, circulação e consumo mais dependentes do mercado interno, melhorar a adaptabilidade do sistema de fornecimento para a demanda interna”. Uma mensagem que repetia neste mês na cidade de Chazhou, no sul do país: embora as duas circulações devam ser aplicadas de modo simultâneo, a interna deve ser a “principal consideração”.
Já faz algum tempo que o comércio e os investimentos estrangeiros se tornam cada vez menos importantes para a China. A percentagem do comércio de bens no PIB caiu de quase 50% em 2008 para pouco mais de 30% atualmente. O país também expandiu suas cadeias internas de suprimentos.
À espera do comunicado do Comitê Central que revele as primeiras respostas após à reunião, tampouco está claro como as autoridades chinesas pretendem desenvolver este novo modelo. O consumo interno ainda está muito abaixo de outras economias acomodadas: 38,8% do PIB, frente a 68% nos Estados Unidos. E, embora oficialmente espere cumprir neste ano sua meta de eliminar por completo a pobreza rural, a pandemia – como aconteceu em outros países – aumentou a disparidade entre ricos e pobres. Por outro lado, se aumentasse o poder de consumo, via salários por exemplo, o país enfrentaria uma perda de competitividade das suas exportações na “circulação internacional”.
“A China deve resolver problemas de desenvolvimento insuficiente e desequilibrado. Também há diferenças estruturais complexas e problemas de desenvolvimento desequilibrado entre as zonas rurais e urbanas, regiões, departamentos e indivíduos, que é preciso resolver”, escreve Fan Peng, do Instituto de Ciências Políticas da Academia Chinesa de Ciências Sociais, em artigo no jornal Global Times, pertencente ao Diário do Povo.
Entre as ferramentas que o Plano Quinquenal pode reunir para resolver essas disparidades e fomentar o consumo se encontra uma reforma fiscal que redistribua a riqueza. Até agora, o sistema chinês dedica maior ênfase aos impostos indiretos ― maiores geradores de arrecadação ― que sobre as rendas ―mais igualitários. Também poderia ser incluída uma reforma nas autorizações internas de residência (o sistema atual impede que 45% de migrantes rurais sem esse alvará possam acessar a totalidade dos serviços sociais urbanos), educação, sociedade e segurança social.
“Isto alterará as forças conservadoras na sociedade que não veem com bons olhos grandes mudanças. Mas é preciso atacar estas reformas para manter o sistema atual”, apontava Fan.
O 14º Plano Quinquenal também dedicará abundante espaço à inovação, o outro grande pilar da “circulação dupla”. As sanções norte-americanas contra empresas chinesas como a Huawei e a tendência ao desacoplamento tecnológico imprimiram uma urgência ainda maior a esse esforço. A China, que já destina 2,2% de seu PIB a pesquisa e desenvolvimento tecnológico, quer se livrar definitivamente da dependência de tecnologias estrangeiras. Em um discurso na Academia Chinesa de Ciências, o presidente Xi Jinping apontava que “no cenário de um crescente unilateralismo e protecionismo, devemos adotar um caminho de inovação mais adequado a nossas circunstâncias nacionais”. Outra área de interesse no plano serão seus objetivos ambientais, depois que Xi anunciou no mês passado na ONU que a China alcançará a neutralidade de carbono até 2060. Também reiterou o objetivo de atingir seu pico de emissões antes de 2030. Para ambas as metas, o país – maior emissor do mundo – deverá realizar profundas reformas que reduzam sua dependência do carvão, sua principal fonte energética.