Iván Garzón Vallejo, Latinoamérica21, 18 de março de 2022
As eleições legislativas de 13M ratificaram a mudança paulatina da Colômbia à centro-esquerda desde o Acordo de Paz de 2016. Cinco anos e meio do final do processo que reincorporou a guerrilha mais antiga da América Latina à vida civil, o país celebra este ano as primeiras eleições nacionais nas quais a ex-guerrilha já não é o tema dominante. De fato, se há quatro anos seu escasso respaldo se cristalizou em 52.532 votos, desta vez, e apesar da mudança de franquia para Partido Comunes, decaiu para 31.116 em todo o país. Não obstante, em La Habana cinco cadeiras no Senado foram acordadas entre 2018 e 2026.
Como consequência do problema da violência política tornar-se secundária, embora persista na forma de assassinatos sistemáticos de líderes sociais e ex-combatentes, o sistema político se vê tensionado por um conflito social cuja válvula de escape foram os enormes protestos de rua de 2019, 2020 e 2021. Embora estes não tenham produzido uma explosão social como no Chile, estão gerando algumas mudanças na agenda eleitoral e nas lideranças emergentes. Tudo isso de maneira gradual, dentro da mediocridade inveterada colombiana.
Política tradicional e ares de renovação: a composição do próximo Congresso
No domingo 13, a partida entre a política tradicional e a renovação chegou a um impasse. De um lado, os dois partidos políticos tradicionais demostraram que são mortos que gozam de boa saúde, especialmente por causa da mobilização regional de suas máquinas. E, como é habitual, uma parte dos futuros pais da pátria são lacaios de pessoas condenadas pela justiça ou foram sancionados ou estão sendo investigados.
Por outro lado, como ocorre desde a Constituição de 1991, o tradicional bipartidarismo liberal-conservador foi mais uma vez desafiado por um caótico sistema multipartidário: o sistema colombiano é um Frankenstein no qual 22 partidos e movimentos são reconhecidos pelo Conselho Nacional Eleitoral. Neste cenário, parece óbvio dizer, se sobressaem as microempresas eleitorais e as ideologias brilham por sua ausência.
Em consequência, a composição do legislativo será bastante plural, o que significa que augura ao próximo executivo um trabalho dispendioso de negociação, em um regime presidencialista no qual o órgão colegiado tem se caracterizado por escasso controle político e por exercer o papel de “notário” das iniciativas do governo de turno. Ademais, a representação será fragmentada: haverá 11 forças políticas no Senado e 30 na Câmara dos Representantes (entre partidos e coalizões).
A composição do Congresso 2022-2026 também será plural pelas tendências ideológicas. Embora em ambas as câmaras os partidos Liberal e Conservador tenham obtido o maior número de cadeiras – 58 e 43 respectivamente – o Pacto Histórico, movimento liderado por Gustavo Petro, conquistou 44 cadeiras, uma votação histórica para a esquerda: 16 no Senado, onde se tornou a força mais representativa em igualdade com os Conservadores, e 28 na Câmara, atrás apenas dos liberais.
No entanto, embora seja um Congresso mais plural que o atual, seu sinal ideológico só será conhecido no dia 20 de julho. O Estatuto da Oposição traz a curiosa exigência de que os partidos devem decidir dentro de um mês após o início do novo governo se serão da bancada pró-governamental, independentes ou de oposição. É provável que seja mais solidário com um eventual governo de direita do que com um governo de esquerda ou de centro. Afinal, diz-se que na Colômbia há mais conservadorismo do que partido conservador.
Do azul ao rosa: a lenta mudança ideológica
Embora as eleições legislativas tenham tido uma participação de 46% do eleitorado (2 pontos a menos do que em 2018), a maior atenção no dia das eleições foi dada às consultas das três coalizões que postularão candidatos à presidente em 29 de maio. O Pacto Histórico obteve a votação mais alta, e ungiu Gustavo Petro com um contundente respaldo de 4.487.551 votos. A coalizão de direita chamada “Equipo por Colombia” elegeu o ex-prefeito de Medellín Federico Gutiérrez com 2.160.329, enquanto a coalizão Centro Esperanza colapsou e Sergio Fajardo obteve só 723.084 de apoio cidadão.
Embora, paradoxalmente, o Presidente Iván Duque seja um uribista e o Centro Democrático tenha a bancada mais numerosa do Senado (19), o 13M formalizou o declínio eleitoral do uribismo. A razão é lapalissada: Álvaro Uribe saiu do cenário eleitoral após renunciar sua cadeira no Senado em 2021, em meio à investigação da Suprema Corte de Justiça contra ele por manipulação de testemunhas. Assim, sem seu maior eleitorado, o Centro Democrático perdeu cinco cadeiras no Senado e na segunda-feira 14 seu candidato renunciou à sua aspiração presidencial, precipitando a transição para um uribismo sem Uribe.
Alguns dados mostram a mudança gradual que está ocorrendo na política colombiana: das 294 cadeiras no Congresso, 83 serão ocupadas por mulheres, 8.5% mais do que atualmente. Também foram eleitos 16 assentos reservados às vítimas provenientes das regiões mais atingidas pelo conflito armado e previstas no Acordo de Paz. Como os vencedores de vários deles foram questionados, o prognóstico sobre a representação efetiva que as vítimas terão é, por enquanto, reservado. Mais mulheres, mais líderes sociais, mais ativistas, mais líderes ambientais, uma líder Palenque e vários influencers delinearão os perfis dos novos legisladores.
Em qualquer caso, o fenômeno eleitoral de 13M foi a histórica votação que Francia Márquez obteve na consulta do Pacto Histórico – 783.160 votos – uma líder ambiental afro que encarna o discurso de mudança que questiona radicalmente o status quo e a política tradicional. Sua votação deve ser lida como um chamado das minorias afro, indígenas e alternativas – a quem chama de “los nadies” – para serem incluídas. Com um discurso enquadrado em categorias identitárias e pós-modernas, expressa demandas de mudanças estruturais, e sua proposta em torno do conceito de “vida digna” tem o potencial de colocar em prosa as reformas que mulheres, estudantes e comunidades rurais exigem em forma de poesia: “até que a dignidade se torne habitual”, “sou porque somos”. Ali reside a semente de uma mudança de geração e de época na política colombiana.
Iván Garzón Vallejo é Professor Sênior de Pesquisa da Universidad Autónoma de Chile. Doutorado em Ciência Política pela Pontifícia Universidade Católica Argentina (Buenos Aires). Advogado da Universidad Pontificia Bolivariana (Medellín), onde também estudou Filosofia. Tradução de Maria Isabel Santos Lima.