“Ao reivindicar nossa diferença enquanto mulheres negras, enquanto amefricanas, sabemos bem o quanto trazemos em nós as marcas da exploração econômica e da subordinação racial e sexual. Por isso mesmo, trazemos conosco a marca da libertação de todos e todas. Portanto, nosso lema deve ser: organização já! ”.
Impossível começar esse artigo que antecede o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, sem lembrar dessa importante fala da intelectual, política, antropóloga, ativista e filósofa Lélia Gonzalez.
Apesar de saber que é necessário ressaltar e falar a respeito, não vou aqui me debruçar em dados de feminicídio, pobreza e racismo, que nos assola todos os dias. Sei que diversas mídias entregarão essas informações. Num país onde os nossos corpos vivenciam violências diariamente, abro a ocupação desse espaço falando de VIDA.
Somos seres políticos desde o nascimento e mesmo diante de tanta política de extermínio continuamos sendo resistência não só pelas que virão depois de nós, mas por todas aquelas que vieram antes. Falemos e lembremos de mulheres negras que construíram e nos possibilitaram estarmos aqui hoje, falemos e lembremos que somos o início da vida e da humanidade.
É por toda essa história de luta e legado de mulheres como: Dandara e Tereza de Banguela, líderes quilombolas que lutaram contra o sistema escravocrata e protegeram o povo negro e indígena da barbárie; Tia Ciata, mãe e protetora do samba, Dona Ivone Lara a primeira mulher a compor um enredo em escola de samba; A nossa eterna Ruth de Souza que abriu caminhos para mulheres como Taís Araújo brilharem no cinema, teatro e TV. Ruth foi a primeira atriz negra a estrelar um filme e a se apresentar no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. E como escrever sem falar de Maria Firmina dos Reis, a primeira romancista do Brasil e Carolina Maria de Jesus, uma favelada analfabeta que ousou contar histórias e se tornou uma referência mundial de escrita e literatura. Não há como falar das lutas que enfrentamos hoje sem memorar as resistências que as nossas irmãs travaram para que as nossas ocupações fossem possíveis.
Quando olho para minha própria história: sendo filha de empregada, sendo um dos muitos frutos da política de cotas (luta por reparação histórica travada pelos movimentos negros brasileiros) e fazendo uma ocupação no parlamento fluminense, percebo em mim as marcas da ancestralidade e é de onde surge a esperança para seguir. A nossa esperança não vem do céu, vem do chão. A nossa esperança tem raízes. Disputamos uma juventude que a cada dia mais tem os sonhos esvaziados.
Sigo de pé não porque sou poderosa, mas porque conheço muitas e muitos militantes históricos que estão cansados de lutar, mas não se permitem abaixar a cabeça, então também assino o compromisso de não parar. Apagam as nossas histórias porque elas são fonte de energia pra luta. E é por isso que eu faço questão de chegar, acompanhada de Laudelina Campos, a resistência contra o trabalho doméstico análogo a escravização que é símbolo das lutas da categoria até hoje. Chego na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro com Antonieta de Barros, a primeira deputada estadual negra do Estado. E sigo com ela, minha líder, chefa, amiga e companheira de luta, Marielle Franco. A vereadora favelada do PSOL, democraticamente eleita, defensora aguerrida dos Direitos Humanos, assassinada por denunciar a violência estatal e se levantar pelos corpos marginalizados. É pela memória delas que estamos aqui, construindo nossos espaços como forma de aquilombamento para manutenção e ampliação de direitos.
O Sankofa, símbolo geralmente representado por um pássaro com os pés e corpo para frente, mas tendo sua cabeça voltada para trás, segurando um ovo com o bico, nos lembra a importância de seguir em frente, em busca de um futuro melhor, mas sem esquecer do passado onde conseguimos adquirir conhecimento, sabedoria e resgatar heranças culturais. E nas nossas lutas de hoje, há muita estratégia de sobrevivência do passado. Precisamos estabelecer esse compromisso de disputar a nossa história e memória. Não podemos caminhar hoje, olhando para o amanhã sem revisitar o ontem.
E a celebração do dia 25 de junho em torno das mulheres negras, Latino-Americanas e Caribenhas, nos provoca o lembrete que nossos passos vêm de longe. Além da perseguição e assassinato da rainha Tereza (Tereza de Benguela), a data marca a reunião de um grupo de mulheres em Santo Domingo, na República Dominicana, que em 1992 denunciou as diversas violências que viviam e realizaram um debate com o objetivo de encontrar soluções. Assim, o grupo lutou junto com a Organização das Nações Unidas (ONU) para o reconhecimento da data que ficou marcada não só como um dia de celebração e exaltação por tudo que fomos, somos e ainda seremos, mas também para que nós possamos refletir e fortalecer nossas lutas.
Portanto, Angela Davis foi certeira quando enfatizou: “Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela.”
Agradeço aos que aproveitaram a leitura até o final. Temos um encontro marcado por aqui no mês que vem, até lá! D