Apesar da sua virulência à escala global, a pandemia de Covid-19 não abalou a África com uma catástrofe sanitária como aconteceu em outros casos, por exemplo, com o Ebola ou a AIDS. Também em África é preciso vacinar-se para evitar a chegada ou a proliferação de variantes, mas até agora não houve a temida hecatombe.
Mario Giro, Domani, 21 de junho de 2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
No entanto, outro tipo de calamidade está ocorrendo: após 25 anos de crescimento contínuo, o continente está passando por uma “pandemia sombra”. As consequências socioeconômicas da propagação do vírus são impressionantes: o PIB continental diminuiu (às vezes entrou em colapso) em todos os países - salvo exceções - e setores inteiros entraram em crise, em primeiro lugar o turismo (10% das receitas). Como resultado da recessão global, as exportações de matérias-primas, tanto de mineração quanto agrícolas, também caíram.
A quebra ou encurtamento das cadeias de suprimentos fez o resto. Mesmo os ramos da nova rota da seda chinesa (como se sabe Pequim investiu pesadamente na África nos últimos 20 anos), com tentativas de restaurar linhas ferroviárias ou criar linhas marítimas, entraram em crise.
O retorno do Fundo Monetário Internacional
O endividamento de muitos países africanos está tornando insustentável a manutenção dos orçamentos públicos, fazendo com que se multipliquem os alarmes do Fundo Monetário Internacional que nos últimos anos tinha se tornado particularmente silencioso em relação ao continente africano.
Alguns estados, como a Zâmbia, já tiveram que declarar inadimplência técnica no decorrer de 2021, antes mesmo do início do conflito na Ucrânia, o que agravou uma situação já em crise e ocasionando a agora conhecida escassez alimentar com as restrições do comércio mundial de trigo e fertilizantes. Um dos efeitos da crise multidimensional que atinge a África é a fuga dos capitais internacionais (especialmente árabes e asiáticos) que tinham começado a apreciar os rendimentos africanos comprando títulos emitidos por alguns governos nacionais, como Gana, por exemplo.
De acordo com a análise apurada pelo fundador da Grassfields Ventures, Serge Eric Menye, o quadro geral é sombrio e se preveem carestias. Particularmente nos países mais frágeis, como Mali, Burkina Faso, Chade, Tunísia, Egito ou Argélia, a escassez de produtos alimentares importados está causando um aumento de preços que reduz o poder de compra já muito baixo e pode desencadear violências.
Soma-se a isso o fechamento de escolas que tem levado milhões de alunos a abandonar seus estudos permanentemente. A parte silenciosa da atual crise africana diz respeito ao aumento dos preços da energia, especialmente do gás, de que apenas alguns países (como Moçambique) poderão se beneficiar.
Embora o continente tenha as maiores reservas de terras cultiváveis inexploradas do planeta (200 milhões de hectares, excluindo as florestas), sua produção agrícola continua insuficiente. A África poderia produzir muito mais produtos agrícolas e, acima de tudo, toda a quantidade necessária de fertilizantes necessários para a pecuária, em vez de depender das importações.
De acordo com Menye, o aumento dos preços dos fertilizantes fosfatados em quase 95%, da ureia em 78% e dos fertilizantes potássicos em 138% está fazendo os custos explodirem a arruinando agricultores e pecuaristas. Muitas vozes estão se levantando em favor de um plano continental de resiliência agrícola, mas a União Africana demora a reagir. Se as próximas estações agrícolas forem comprometidas, os riscos para a segurança alimentar do continente duplicarão.
A África está cheia de contradições em relação às matérias-primas que produz: a Nigéria, por exemplo, é o maior produtor continental de petróleo e gás, mas carece de infraestruturas para o refino e, portanto, precisa importar quase 90% do combustível refinado. Em vários países, foi necessário iniciar um racionamento. O mesmo se pode dizer no que diz respeito à produção de produtos alimentares: na África quase nada é transformado, as matérias-primas são exportadas e importadas depois de processadas, com evidente aumento dos preços.
Todos os indicadores estão no vermelho: segundo especialistas, o espectro de uma tripla crise se aproxima: dívida, inflação e escassez de alimentos que podem provocar graves desordens sociais em regiões já desestabilizadas por tensões políticas. Num contexto econômico que se desglobaliza, a dependência produtiva torna-se uma vulnerabilidade extrema, revelando as carências estruturais do continente.