Esta entrevista, concedida a Kamel Aïssat (PST) e Antoine Larrache para l’Anticapitaliste, foi publicada em inglês na International Viewpoint, em 20 de janeiro de 2020
Como você pode ser um prefeito e um revolucionário?
Não podemos dizer que somos revolucionários, é uma palavra forte, não se enquadra no contexto. Estamos nadando em contradições. Não somos eleitoralistas, mas participamos de eleições. No nível local, construímos contatos diretos com a população, com as massas. Estamos a serviço das massas, com a função de tentar minimizar os danos. Não podemos fazer muito mais em um sistema capitalista corrupto e atrasado como a Argélia.
Estamos aqui para acompanhar o povo em sua luta. A única promessa que fazemos durante as campanhas eleitorais é que, se as massas quiserem lutar, estaremos sempre na linha de frente, que elas terão nossa proteção para lutar. Dizemos também que nada é dado em tal sistema, tudo é conquistado, que não é um prefeito que resolve os problemas, mas o equilíbrio do poder. Temos sido sinceros desde o início.
Nosso objetivo é que isso mude a consciência de classe da população para que ela nos acompanhe em nossa missão. Não é fácil, em uma comuna de 18 mil habitantes, totalmente dependente de recursos públicos, que tem poucos recursos próprios e nenhum meios para desenvolvê-los.
Qual é sua margem de manobra?
A margem de manobra econômica é limitada porque somos totalmente dependentes de fundos públicos. Só podemos atuar na definição de prioridades. Por exemplo, se nos são dados cinco bilhões de centimes**** nos planos de desenvolvimento comunitário (PCD), cabe a nós classificarmos as prioridades, com a participação da população.
Isso nos permite mostrar a verdadeira face do poder. Há material para criar riqueza local.
Temos uma mina de ferro e calcário que esteve em operação de 1926 a 1957 porque foi fechada durante a guerra de libertação pelos mujaheddin (“combatentes” em árabe). O governo no poder não quer que uma comuna tome conta de si mesma. Até agora, desde a queda do preço petróleo de 2014-2015, fala-se em autofinanciar as comunas, mas não há apoio, não há meios dados às comunas para criar sua própria riqueza.
Somos uma comuna rural, montanhosa, que pode, portanto, ser desenvolvida, criar emprego, na arboricultura, na criação de animais. Na arboricultura, travamos uma luta contra ao poder público para a abertura das possibilidades agrícolas. Para isso, o departamento florestal e o departamento agrícola estão intervindo, mas não estão fazendo o suficiente. Portanto, estamos pedindo equipamentos para que a comuna possa desenvolver as possibilidades de ajudar os agricultores a investir em suas terras.
Esta é a questão que desencadeou o conflito com o wali (representante do Estado local, governador) no período de 2007-2012. Nós o recebemos várias vezes para explicar os problemas e nossas expectativas e, nos últimos dois anos do nosso mandato, proibimos que ele pusesse os pés na nossa comuna se ele não viesse com máquinas, escavadeiras, motoniveladoras, retroescavadeiras.
Não temos fábricas, existem apenas lojistas, pequenas empresas de materiais de construção, como blocos de cimento. O sistema tributário nos permite receber um percentual para o município. É sobre essa receita que temos liberdade de escolha para as despesas.
Estamos, portanto, imersos no cotidiano e não temos tempo para brincar de política, para ganhar sobre o que fazemos. Há uma enorme lacuna no desenvolvimento do município. Há 34 aldeias, ainda há uma forma de tribalismo e os subsídios estatais são insuficientes para atender às necessidades da população.
Ainda estamos essencialmente na fase de atender as necessidades primárias - obras de subsolo para extração de água potável, saneamento, gás, eletrificação.
Como envolver a população?
Quando pedimos a mobilização da população, há um pessoal que se junta, mas há um hábito, um reflexo entre as pessoas, por falta de comprometimento, que consiste em dizer: você é o prefeito, nós votamos em você, cabe a você ir e bater cabeça com o prefeito, o wali, as autoridades oficiais.
Podemos ter feito mais do que outros no desenvolvimento de uma comuna como Barbacha, não no sentido de instalar infra-estruturas de produção, infelizmente, mas pudemos desenvolver muitos projetos. Além disso, durante o primeiro mandato 2007-2012, perturbamos enormemente o regime, que tentou desacelerar nosso ritmo. Durante o segundo mandato 2012-2017, ganhamos e o regime foi forçado a inventar um procedimento que permite às minorias fazer alianças para nos bloquear, então passamos cinco anos sem um prefeito em Barbacha! Mas houve uma enorme resistência contra um prefeito escolhido pelo wali, de se instalar e a comuna foi mais ou menos autogerida durante cinco anos, com um intermediário, o secretário geral do gabinete do prefeito, que foi colocado a cargo dos assuntos cotidianos, o subprefeito nos últimos dois anos.
Conseguimos transformar a maioria relativa em uma força, no sentido que explicamos em uma reunião que a soberania popular foi desprezada.
A população está mobilizada há cinco anos, principalmente em um grande comício na prefeitura de Bejaïa, que conseguimos fechar por um dia. A polícia interveio à noite e tivemos 24 detidos. No dia seguinte, a população interveio novamente em massa, com ônibus, todos os meios de transporte privado e público, e 48 horas após a prisão, fomos soltos.
Isso galvanizou a população, os deixou orgulhosos de terem enfrentado o regime. Em tempos difíceis, é bom ter um inimigo identificado para que possamos nos unir e atacar juntos.
Durante o terceiro mandato, o atual, também temos muitos inimigos. A direita de Kabyle, o FFS, o RCD, o FLN, oportunistas, aqueles que têm interesses no sistema, que se aproveitam dos fundos públicos, de terras, essas pessoas criam problemas para nós. Mas sejam quais forem as suas calúnias, nós somos os vencedores porque suas mentiras se dissipam rapidamente.
Como a prefeitura é útil na mobilização atual?
No contexto atual, temos sido capazes de nos destacar dos demais prefeitos nas assembleias do povo da comuna e da wilaya (província). Desde o início, engajamos nossa prefeitura no movimento, dando recursos, ônibus, imprimindo declarações e com os trabalhadores da comuna participando das marchas. Fomos também os primeiros a escrever comunicados oficiais à imprensa anunciando que a comuna de Barbacha não iria organizar as eleições.
Isso produz uma dupla contradição: a população está participando do movimento, mas, ao mesmo tempo, quer que todos os problemas sejam resolvidos dentro do sistema. As palavras de ordem são pela saída do wali, e contra o sistema, mas, ao mesmo tempo, para conseguir subsídios para projetos, é preciso passar pela wilaya, pelo poder público.
Também tivemos a possibilidade de organizar conferências e reuniões para discutir o problema real, o sistema capitalista, o sistema financeiro, a corrupção e a necessidade de um equilíbrio de poder para nos libertar do sistema.
Em relação à nossa experiência e às eleições na França, sem querer dar lições, penso que basta não mentir, dizer a verdade ao povo, falar sobre as dificuldades para poder se desenvolver e a contradição entre a rejeição do sistema, do eleitoralismo e o fato de estar ao lado da população nas eleições locais e regionais para acompanhar as lutas. Em relação aos coletes amarelos, à reforma da previdência, dizer às comunas que podemos vencer este tipo de luta. E aprovar projetos para as comunas ou regiões. Garantir que, em vez de enriquecer os capitalistas, eles sejam tributados, não os trabalhadores pobres, os camponeses, etc. É importante também mostrar que aquilo prevemos, graças aos elementos de análise que temos sobre o capitalismo, está de fato acontecendo. É o caso, por exemplo, da questão ecológica, ou da igualdade de gênero. Isto dá legitimidade ao que fazemos, à nossa luta diária.
* RCD: Reagrupamento pela Cultura e Democracia, partido que promove secularismo. Considerado como um partido liberal.https://en.wikipedia.org/wiki/Rally_for_Culture_and_Democracy
**FFS: Frente das Forças Socialistas, partido secularista e socialdemocrata de centro-esquerda. Membro da Internacional Socialista. https://en.wikipedia.org/wiki/Socialist_Forces_Front
***FLN: Fente de Libertação Nacional, partido nacionalista socialdemocrata argelino. Membro da Internacional Socialista. https://pt.wikipedia.org/wiki/Frente_de_Liberta%C3%A7%C3%A3o_Nacional_(Arg%C3%A9lia)
**** Centimes: moeda argelina. 100 centimes = 1 dinar